A Procuradoria-geral do Superior Tribunal de Justica Desportiva (STJD) impetrou recurso voluntário para questionar a absolvição de Carlos Alberto no Tribunal de Justica Desportiva (TJD) da Federação de Futebol do Rio, a instância inferior do sistema. De acordo com o procurador Paulo Schmitt, o resultado dos julgamentos nas duas instâncias do TJD são “estranhos“, bem como o fato de o tribunal estadual não ter remetido o processo à instância superior, o que só ocorreu após intimacão do presidente do STJD, Flávio Zveiter. O procurador do TJD, André Valentim, contudo, afirmou que não enxergou motivos para enviar o recurso, já que o STJD tem a prerrogativa de analisar o caso. Ele acrescentou que não deve satisfacão a Schmitt. Já o presidente do TJD, José Teixeira Fernandes disse que houve demora em razão do volume de páginas no processo e avisou a Schmitt que, se havia pressa, era só ir ao TJD tirar uma cópia. De acordo com Flávio Zveiter, o novo julgamento do jogador deve ser no dia 22, no Pleno do STJD.
No dia 4 de julho, Carlos Alberto foi absolvido pelo Pleno do TJD, a segunda instância do tribunal esportivo estadual, depois de já ter sido considerado isento de culpa na avaliação em primeira instância do órgão. Ele foi defendido por Luciana Lopes, filha do presidente da Ferj, Rubens Lopes. Os medicamentos (hidroclorotiazida, um diurético que combate a hipertensão arterial, e carboxi-tamoxifeno) que causaram a polêmica são produzidos por uma farmácia de manipulação, e o jogador estudava denunciar o estabelecimento. O contrato dele com o Vasco acaba nesta sexta, e a diretoria já anunciou que não vai renovar o vínculo.
Paulo Schmitt se baseia em resolucão do próprio tribunal, de maio deste ano, determinando que todos os casos de doping sejam remetidos em 10 dias para a instância superior com cópia para a Comissão Nacional de Controle de Dopagem da CBF. O recurso assinado por Schmitt em 23 de junho narra o resumo dos julgamentos em que Carlos Alberto, então jogador do Vasco, alegou ter sido flagrado no antidoping por conta de contaminação de medicamentos comprados em farmácia de manipulação. Depois do resultado do segundo julgamento, no Pleno do TJD, o documento afirma: “Por ocasião da sessão, a procuradora do ora Recorrido arguiu, “preliminarmente”, reforçando o que fora inovado em sede de contrarrazões, um suposto “vício no laudo” que havia confirmado o doping. (…) Surpreendentemente a “tese” do Recorrido foi abraçada pela maioria dos julgadores do Pleno do TJD/RJ, que “absolveram o atleta por vício no laudo”, alterando a fundamentação da decisão de absolvição proferida pela 7ª CD do TJD/RJ (fls. 1197/1216)“.
Mais adiante, Schmitt cita as leis da Agência Mundial Antidopagem (Wada, na sigla em inglês) para reforçar seus argumentos no texto: “É dever pessoal de cada jogador assegurar que nenhuma substância proibida ingresse em seu corpo. Os jogadores são responsáveis por todas as substâncias proibidas ou seus metabólitos ou marcadores encontrados em suas amostras. Consequentemente, não é necessário que a intenção, falha, negligência ou conhecimento do uso pelo jogador seja demonstrado para estabelecer uma violação antidoping de acordo com este artigo".
Ele ressalta ainda no texto do documento que a CBF foi condenada pelo Comitê Disciplinar da Fifa por conta da atitude do TJD: “A atitude do TJD/RJ resultou na condenação da CBF, em pena de multa, pelo Comitê de Disciplina da FIFA, por não colaborar com a entidade máxima do futebol no caso do julgamento do ora Recorrido, nos termos dos artigos 110, parágrafos 1 e 3, do Código Disciplinar da FIFA, conforme notificação enviada pela FIFA a CBF, em anexo. Dessa forma, importante que se dê ciência às entidades de administração do futebol, da não existência de trânsito em julgado no caso do atleta Carlos Alberto, já que a Justiça Desportiva não se posicionou em definitivo, cabendo a esta C. Corte a revisão do julgado a quo".
- Estou pedindo a condenação do atleta porque não há nenhum argumento que possa desconstituir o laudo (que acusou a presença de substância proibida no organismo do jogador). Com base na norma internacional da Fifa, tem de esgotar as instâncias do país e remeter obrigatoriamente à Fifa. A CBF acaba sendo condenada em vários processos quando há essas absolvições e não passa pelo STJD, normalmente em casos de TJDs locais. Então mudou a codificação, e o STJD tem legitimidade em casos de doping para recorrer - disse Schmitt ao GLOBOESPORTE.COM.
Questionado se haveria semelhança com o caso de Dodô, que foi absolvido no STJD e depois condenado pela Corte Arbitral do Esporte (CAS, na sigla original em francês) também usando em sua defesa a tese de contaminação de medicamento em farmácia de manipulação quando defendia o Botafogo, em 2007, Schmitt ressaltou que hoje os casos de doping no STJD são julgados pelo código da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês), ao contrário do julgamento de Dodô. Naquela época, o STJD se baseava, para casos de doping, no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), mais brando em relação à legislação internacional que determinou a suspensão do atacante por dois anos pela CAS.
- A absolvição do Dodô foi muito ruim para nós aqui, não pegou bem para a Justiça Desportiva. Ele foi condenado depois, sem ocorrer uma prova contundente para absolver, e quando não existe isso tem de condenar. Não adianta ficar com pena do atleta. No caso do Carlos Alberto, não existe uma prova robusta que desconstitua o laudo. A substância foi encontrada na quantidade proibida nas duas amostras. Então é muito ruim a Procuradoria do TJD não ter recorrido para o STJD. Um absurdo isso ao meu ver. Achei muito estranha a postura da Procuradoria do TJD local e foi muito bem-vinda essa resolução que obriga que todos os casos, independente de recurso do TJD, sejam encaminhados para análise.
Schmitt revelou ainda que o processo só foi enviado ao STJD após uma intimação
- Todos os casos que passam pelo STJD desse tipo acabam sendo de uma forma ou de outra condenados. O TJD só enviou o processo ao STJD, apesar de terem sido intimados sobre a resolução, depois que o presidente Flávio (Zveiter) os intimou a enviar em 24 horas. Quem não deve não teme. Se acha que está tudo ok, que a absolvição foi dentro dos parâmetros legais e ninguém tem de se meter nisso, não tem por que ficar demorando para encaminhar ou cumprir uma norma, que aliás é anterior ao julgamento do caso.
Procurador e presidente do TJD criticam Schmitt
O procurador do TJD, André Valentim, ficou revoltado com as declarações de Schmitt. Primeiro, atendeu à reportagem do GLOBOESPORTE.COM e rebateu:
- Entendi que julgou em primeira e segunda instâncias, não vi motivos para recorrer já que tinha essa previsão de que eles puxariam o processo mesmo para recorrer. Se existe isso (essa norma), eles que o fizessem, como fizeram. Não tinha obrigação. Para mim, o julgamento em segunda instância foi perfeito e por isso não recorri, não sou obrigado a recorrer. Ele puxou e agora faz o que quiser, já existia essa previsão. Ele que recorra, eu estou satisfeito, já fiz a minha parte aqui embaixo.
Minutos depois, Valentim retornou para a reportagem, em tom mais áspero. O procurador afirmou que não deve explicação a Schmitt.
- Não sou funcionário do Paulo Schmitt, não tenho de dar satisfação a ele sobre o que eu faço no tribunal e ele não tem de se meter onde não é chamado, uma vez que não tem competência para intervir no tribunal.
O presidente do TJD, José Teixeira Fernandes, também não se mostrou satisfeito com as declarações de Schmitt. Foi irônico ao comentar o que chamou de pressa “estranha“ do procurador do STJD e deu outra versão para a demora no envio do processo ao tribunal superior.
- Primeiro que é um processo que deve ter não sei quantas páginas, e segundo que houve julgamento em primeira e segunda instância e, depois disso, arregimentamos tudo e enviamos o processo. Só isso. Houve um atraso condizente com a quantidade de folhas que tinha o processo. Quando se julga doping, temos de julgar com muito critério e imparcialidade, e receber do denunciado qualquer que seja a quantidade de provas para serem analisadas pelos auditores. Uma decisão dessas pode acabar com a vida do atleta, talvez sem que ele tenha culpa. A pena mínima é de dois anos. Tem de dar tempo a isso. No processo há duas pessoas que sabem a verdade, o acusado e Deus.
Fernandes, ao ser questionado se esses argumentos não se referiam a um momento anterior ao de remeter o processo ao STJD, emendou:
- Claro, mas o processo tem muito laudo. O importante é que foi remetido, entendeu? Foi remetido. É um caso específico, como há outros, o caso do Michael, o caso do Deco (ambos do Fluminense), que também serão assim.
Sobre as afirmações de Schmitt de que não há provas para absolver Carlos Alberto, Fernandes contestou:
- Isso é problema dele, vai julgar da maneira que ele achar. Os nossos auditores julgaram dessa forma. Para isso é que há recurso. A gente não pode querer que o meu tribunal julgue com a consciência dele, temos um pensamento diferente, é isso. Se ele tinha essa pressa toda, era só ir lá e tirar cópia do processo no tribunal. Estou estranhando é a pressa dele. Agora quem estranha sou eu.
A reportagem procurou a advogada de Carlos Alberto, Luciana Lopes, mas ela não foi encontrada para comentar o caso.
Fonte: GloboEsporte.com