Há 90 anos, rumo ao seu 1º título carioca, Vasco derrotava o Fluminense

Segunda-feira, 29/07/2013 - 15:40

Indubitavelmente, o time dos Camisas Negras é um dos mais importantes da história do futebol vascaíno. Recém-saído da segunda divisão e pela primeira vez disputando a elite do Campeonato Carioca, os vascaínos, em sua maioria operários e negros, marcaram época ao, mesmo com toda o preconceito de classe e de "raça" (sempre ressaltando que cientificamente este conceito não faz sentido, apenas fenotipicamente), lutar contra tudo e contra todos e, logo na estreia, conquistar a competição em 1923. Era o primeiro grande título do futebol vascaíno, que havia nascido no ano de 1915. A competição foi organizada pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT).

Outro detalhe importante deste time é que um dos clubes, senão o principal, que mais exercia pressão contra a popularização do futebol e tentava mantê-lo elitizado era o Fluminense Football Club. E, na campanha do título, as equipes de Flu e Vasco se enfrentaram duas vezes, ambas no estádio tricolor, nas Laranjeiras: duas vitórias vascaínas, por 1 a 0 e 2 a 1. Estádio que, sem dúvida, é símbolo da segregação imposta no futebol e que teve no Vasco um dos suportes para ser sobrepujada com o passar dos anos.

Este último triunfo completa nesta segunda-feira noventa anos: no dia 29 de julho de 1923, os vascaínos faziam a festa na casa tricolor mais uma vez. Era o último jogo antes da equipe confirmar o título, que já estava encaminhado e viria com a vitória sobre o São Cristóvão por 3 a 2, no estádio do Botafogo, em General Severiano, no dia 12 de agosto. De qualquer maneira, a vitória nas Laranjeiras foi um grande passo rumo à conquista. O Vasco abria sete pontos sobre o vice-líder, o Flamengo. O Vasco já tinha a possibilidade de alcançar o título neste jogo contra o Fluminense, mas o empate do Rubro-Negro contra o Bangu adiou um pouco a festa. Mas ela não tardou muito a acontecer. Somente uma tragédia tiraria o título de São Januário: o Vasco precisava perder os seus dois jogos restantes, contra São Cristóvão e Bangu. Logo no primeiro grande embate, o Vasco já superava o, elitizado e anti-popular, Clube de Regatas do Flamengo. A excepcional campanha vascaína teve onze vitórias, dois empates e apenas uma derrota, para o Flamengo (por 3 a 2 nas Laranjeiras), num jogo sobre o qual há muitas histórias de favorecimento descarado da arbitragem ao Flamengo e "garfada" no Vasco. Mas esta história não cabe aqui, fica para outra ocasião.

O público no estádio do Fluminense Football Club era muito bom. Todos aguardando com muita atenção e arrogância o duelo: como poderia um time recém-promovido formado por negros pobres estar assombrando na competição e muito perto do título? Não, isso não poderia ser verdade. Mas era. E se confirmou diante dos olhos de uma boa parte da elite carioca.

Um fato que assombrava à época e que certamente fez a diferença para o título vascaíno foi a força e resistência físicas do escrete vascaíno. E isso foi ressaltado sobremaneira na crônica da partida feita pelo Jornal do Brasil e publicada na edição do dia 31 de julho de 1923, a partir da qual relatamos as circunstâncias da partida. Logo iniciando o texto, o jornal já dá o tom: "Como e por que o team do C.R. Vasco da Gama venceu o do Fluminense F.C., domingo? Venceu, porque o grêmio da Cruz de Malta soube confirmar o seu estado de treino, que lhe assegura resistência para mais que quatro half-times, ao passo que o Fluminense só conseguir reunir fôlego para... cerca de quarenta minutos, e porque a defesa do Vasco soube produzir uma marcação impecável, como nunca havíamos visto antes no futebol, immobilizando quase por completo o poderoso ataque tricolor".

Pois é, amigos vascaínos... Esse trecho de abertura da crônica do JB já é bastante sintomático: o futebol dos Camisas Negras assombrava o meio futebolístico do Rio de Janeiro e, por conseguinte, a imprensa. A força física e o entrosamento e a fluência do futebol do Vasco chamavam a atenção.

Confira a capa do Jornal do Brasil em sua edição de 31 de julho de 1927 (a capa do jornal, não da seção de esportes, que à época não era separada do restante do jornal):



O Vasco mais uma vez era pioneiro: iniciava uma profissionalização. Profissionalização (remuneração) esta ainda escondida, tanto é que foi motivo para o Vasco ser pressionado numa época em que o amadorismo era muito prezado. O Vasco resistiu. Em 1924, resistiu à pressão da AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos) e renunciou à participação na mesma, que era contra a participação de um time composto por negros e operários e exigia o desmonte do time vascaíno (a carta, famosa como "Resposta Histórica", é o maior emblema disto e está acessível na grande rede para qualquer vascaíno que queira se orgulhar ainda mais de torcer pelo clube para o qual torce). Essa profissionalização (remuneração) gerava uma equipe mais treinada, bem comandada pelo argentino Ramon Platero; além disso, o fato de trabalhadores que faziam grandes esforços em seus trabalhos pessoais comporem a equipe fez com que ela apresentasse uma grande força física. Isso se refletia no fato de que os vascaínos 'voavam' sobre seus adversários na reta final das partidas, inclusive virando diversos placares. Aqui o Vasco já mostrava ser o "Time da Virada".

Os dois gols vascaínos neste cotejo foram marcados por Pires. O Vasco abriu o placar, o Fluminense empatou. No segundo tempo, mostrando ampla superioridade no condicionamento físico, o Vasco desempatou com Pires, ficando ainda mais próximo do título, abrindo vantagem sobre o Flamengo, que, no mesmo dia, empatava com o Bangu por 2 a 2.

A escalação vascaína na partida foi a seguinte:

Nelson, Leitão e Mingote; Nicolino, Claudionor e Arthur; Paschoal, Torterolli, Pires, Cecy e Negrito. Técnico: Ramon Platero.

Esta matéria ainda é bem incipiente no trato do assunto do título maravilhoso de 1923. O SuperVasco preparará um trabalho especial para as comemorações do nonagésimo aniversário desta inesquecível e marcante conquista. Das mais marcantes, cuja consumação ocorreu no dia 12 de agosto de 1923.


Fonte: Supervasco