Indubitavelmente, o time dos Camisas Negras é um dos mais importantes da história do futebol vascaíno. Recém-saído da segunda divisão e pela primeira vez disputando a elite do Campeonato Carioca, os vascaínos, em sua maioria operários e negros, marcaram época ao, mesmo com toda o preconceito de classe e de "raça" (sempre ressaltando que cientificamente este conceito não faz sentido, apenas fenotipicamente), lutar contra tudo e contra todos e, logo na estreia, conquistar a competição em 1923. Era o primeiro grande título do futebol vascaíno, que havia nascido no ano de 1915. A competição foi organizada pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT).
Outro detalhe importante deste time é que um dos clubes, senão o principal, que mais exercia pressão contra a popularização do futebol e tentava mantê-lo elitizado era o Fluminense Football Club. E, na campanha do título, as equipes de Flu e Vasco se enfrentaram duas vezes, ambas no estádio tricolor, nas Laranjeiras: duas vitórias vascaínas, por 1 a 0 e 2 a 1. Estádio que, sem dúvida, é símbolo da segregação imposta no futebol e que teve no Vasco um dos suportes para ser sobrepujada com o passar dos anos.
Este último triunfo completa nesta segunda-feira noventa anos: no dia 29 de julho de 1923, os vascaínos faziam a festa na casa tricolor mais uma vez. Era o último jogo antes da equipe confirmar o título, que já estava encaminhado e viria com a vitória sobre o São Cristóvão por 3 a 2, no estádio do Botafogo, em General Severiano, no dia 12 de agosto. De qualquer maneira, a vitória nas Laranjeiras foi um grande passo rumo à conquista. O Vasco abria sete pontos sobre o vice-líder, o Flamengo. O Vasco já tinha a possibilidade de alcançar o título neste jogo contra o Fluminense, mas o empate do Rubro-Negro contra o Bangu adiou um pouco a festa. Mas ela não tardou muito a acontecer. Somente uma tragédia tiraria o título de São Januário: o Vasco precisava perder os seus dois jogos restantes, contra São Cristóvão e Bangu. Logo no primeiro grande embate, o Vasco já superava o, elitizado e anti-popular, Clube de Regatas do Flamengo. A excepcional campanha vascaína teve onze vitórias, dois empates e apenas uma derrota, para o Flamengo (por 3 a 2 nas Laranjeiras), num jogo sobre o qual há muitas histórias de favorecimento descarado da arbitragem ao Flamengo e "garfada" no Vasco. Mas esta história não cabe aqui, fica para outra ocasião.
O público no estádio do Fluminense Football Club era muito bom. Todos aguardando com muita atenção e arrogância o duelo: como poderia um time recém-promovido formado por negros pobres estar assombrando na competição e muito perto do título? Não, isso não poderia ser verdade. Mas era. E se confirmou diante dos olhos de uma boa parte da elite carioca.
Um fato que assombrava à época e que certamente fez a diferença para o título vascaíno foi a força e resistência físicas do escrete vascaíno. E isso foi ressaltado sobremaneira na crônica da partida feita pelo Jornal do Brasil e publicada na edição do dia 31 de julho de 1923, a partir da qual relatamos as circunstâncias da partida. Logo iniciando o texto, o jornal já dá o tom: "Como e por que o team do C.R. Vasco da Gama venceu o do Fluminense F.C., domingo? Venceu, porque o grêmio da Cruz de Malta soube confirmar o seu estado de treino, que lhe assegura resistência para mais que quatro half-times, ao passo que o Fluminense só conseguir reunir fôlego para... cerca de quarenta minutos, e porque a defesa do Vasco soube produzir uma marcação impecável, como nunca havíamos visto antes no futebol, immobilizando quase por completo o poderoso ataque tricolor".
Pois é, amigos vascaínos... Esse trecho de abertura da crônica do JB já é bastante sintomático: o futebol dos Camisas Negras assombrava o meio futebolístico do Rio de Janeiro e, por conseguinte, a imprensa. A força física e o entrosamento e a fluência do futebol do Vasco chamavam a atenção.
Confira a capa do Jornal do Brasil em sua edição de 31 de julho de 1927 (a capa do jornal, não da seção de esportes, que à época não era separada do restante do jornal):