Quem olha para Jomar logo aposta no estilo de zagueiro que não alivia na marcação e não dispensa um chutão para afastar a bola da área. De fato, os relatos atuais são semelhantes à descrição do estereótipo. Mas o surpreendente destaque na vitória do Vasco sobre o Fluminense, no domingo, nem sempre foi assim. Ágil, de boa impulsão e porte físico, ele chamou a atenção do técnico Emanoel Sacramento aos 17 anos, quando foi alçado aos profissionais do Tigres do Brasil. Mas uma deficiência no quesito concentração quase pôs tudo a perder.
Precoce, um dos xodós do grupo cruz-maltino atual teve dificuldade para se adaptar a certas situações no campo de jogo. Segundo seu ex-comandante, era suave demais com os adversários, mas se transformava ao ser provocado. Não suportava racismo por ser negro. A intimidade fez com que pessoas próximas o motivassem e, ao mesmo tempo, mexessem com os brios de Jomar, então um adolescente de 1,85m e ombros largos.
- Sabemos que temos de tratar esses meninos de forma diferente, para que as atitudes não prejudiquem seu início. Ele tinha dificuldades de entender o futebol. Era mansinho e suave naquilo que fazia. Não era vigoroso como o zagueiro tem que ser. Não é machucar ninguém, é se impor com força e postura. Vimos isso nesse jogo no Maracanã: ele não se intimidou, e o resultado foi o que a gente conhece - revelou Emanoel, que assumiu o Boavista recentemente.
Tamanha era a dificuldade de decifrar a cabeça de Jomar na época, que o treinador aponta outras antigas contradições no comportamento dele. Após sua segunda partida pela equipe principal do Vasco, voltou ao fim da fila ao falhar na goleada para o Coritiba, pelo Brasileirão de 2011, quando os reservas foram escalados por ser a semana da final da Copa do Brasil, diante do mesmo rival.
- Quando ele via uma pessoa mais velha ou de reconhecida qualidade no campo, ficava intimidado e não rendia. Mas, se passassem a mão e falassem algo sobre ele ser negro, perdia a cabeça. Esse tipo de deficiência na concentração, na parte psicológica, o atrapalhou. Falei depois pelo Facebook que ele ficou confiante demais na partida. Virou displicência. O nível de adrenalina e atenção precisa estar lá em cima. Tudo aquilo o abalou um pouco, mas nunca perdi a confiança no Jomar, porque ele sempre foi muito trabalhador. Agradeço por ter me escutado e fico feliz por ter posto um grãozinho em sua carreira - disse.
Psicóloga do Vasco, Maria Helena Rodriguez trabalha com o zagueiro intensamente há três anos, entre base e profissional, e deu seu parecer sobre sua condição fora das quatro linhas.
- Ele sempre precisou confiar mais nele mesmo, é uma característica que faltava. É um menino introspectivo, de fala simples, muito humilde e que nunca teve um traço de agressividade. E o mais importante é que não está deslumbrado depois desse bom jogo. Já nos falamos, e ele vem mostrando maturidade - apontou a psicóloga.
Comparação com ex-zagueiro da Seleção
A chegada a São Januário ocorreu em março de 2011 por meio de indicação de Gaúcho, demitido do Vasco há quatro meses. Jomar, hoje com 20 anos, revezou entre base e time principal desde então, sendo o capitão dos juniores, e até foi emprestado ao Santo Bento-SP. Orientado pelo atual diretor de futebol Ricardo Gomes em seu começo, o zagueiro chegou a treinar em separado e tinha pouca expectativa de ser utilizado em 2013. Somente quando Douglas e Dedé foram vendidos, e Rodolfo e Luan - este na semana passada - se machucaram, é que surgiu uma vaguinha no banco. Mas o titular Renato Silva ficou gripado, e a reabertura do Maracanã para clubes, em cima da hora, o viu ser um dos protagonistas, causando a expulsão de Fred (veja no vídeo acima) e se antecipando a boa parte das jogadas.
A comparação do estilo, na história vascaína, leva ao nome de Odvan, de biotipo semelhante, e que fez sucesso a partir do fim da década de 90, com títulos e passagem pela Seleção. Mas é Júlio César, ex-Borussia Dortmund e Real Madrid, o primeiro a ser lembrado por Emanoel Sacramento. O ex-defensor também vestiu a amarelinha, na Copa de 1986.
- O Jomar sempre se antecipava nas bolas, era rápido, veloz. Para o corpo que tem, chamou a atenção por ser tão ágil. O tempo de bola e a impulsão dele também são muito bons. Lembra muito o estilo do Júlio César. Só precisava dessa noção de concentração maior - reforçou.
Após a estreia de Jomar, no segundo tempo da vitória sobre o Ceará, em maio de 2011, Ricardo Gomes o elogiou bastante. Curiosamente, destacando seu foco na partida.
- Grata surpresa. Não tenho problema com jogador jovem, pelo contrário, mas estava preocupado por causa do pouco tempo que ele ficou com a gente. Acho que correspondeu. Muito simples e concentrado. Assim que zagueiro tem que ser - comentou o então técnico.
Chance de emplacar sequência
Existe a possibilidade de Jomar ser mantido no time contra o Criciúma, no sábado, no Rio. No treino dessa quarta-feira, Renato Silva mostrou estar melhor, retornou ao trabalho, mas esteve entre os reservas. Jominho, como é chamado por alguns, ou Jomarzinho, como registra até em seu perfil nas redes sociais, mora na Pavuna, bairro humilde da Zona Norte, e enfrenta mais de uma hora para chegar ao clube diariamente, de ônibus e metrô.
Como prova de que a atitude mudou, o atacante André contou que sofre com Jomar nos treinos. E brincou com a situação de o colega ter tido de duelar com um camisa 9 de peso.
- Falei para ele dar porrada no Fred, como ele faz comigo no treino. Ele é bem chato mesmo. O negão entra duro. Adora dar porrada. Mas ele merece. Estava muito confiante - afirmou.
Mesmo sem citar seu nome, o presidente Roberto Dinamite aprovou com louvor a defesa na vitória sobre o Fluminense, quando questionado a respeito de reforços para o setor que ainda conta com pouquíssimas opções - duas delas oriundas da base recentemente.
- Na partida de domingo, a zaga se comportou perfeitamente diante do artilheiro da seleção brasileira - destacou Dinamite.
A mãe de Jomar superou um câncer recentemente, e o drama uniu ainda mais a família, que o apoia de perto. Seu pai costuma ir aos treinos e não perdia nenhum jogo da base.