O descaso da diretoria do Vasco para com o esporte fundador do clube se acumulou durante os últimos anos. De campeão estadual em 2008 a brasileiro em 2009, após anos de apoio zero e somente cortes de "gastos", o que se vê é o resultado de um longo processo: terceiro posto no Rio de Janeiro consolidado, nenhum atleta brasileiro convocado para as etapas da Copa do Mundo, somente um para o Campeonato Sul-Americano, problemas estruturais na Sede Náutica, debandada de atletas a rivais por falta de pagamentos etc. Entretanto, a lentos passos, o Departamento de Remo vem fazendo mudanças necessárias, como construção de uma moderna sala de musculação e nova rampa de treinamentos, melhorias que caminham a passos de tartaruga e que vêm sendo implantadas. Além disso, a chegada de profissionais vindos do Flamengo para comandar a escolinha - pré-equipe, incrementada com a abertura de vagas para aulas no box vascaíno no Estádio de Remo da Lagoa - já traz resultados, como a conquista da 36ª regata Remo do Futuro e o aumento considerável de atletas nessas condições.
Com pequenas conquistas, o Departamento de Remo trabalha para expandi-las com vistas a, no médio e longo prazo, fazer o maior campeão de regatas voltar a seu tradicional posto: disputando para vencer os campeonatos. A obtenção das Certidões Negativas de Débito tem tudo para ser um grande combustível para catalisar essas modificações, uma vez que provê meios mais sofisticados para obter patrocinadores, sobretudo via Lei de Incentivo ao Esporte. De qualquer maneira, é muito necessário manter os pés no chão: a situação é tão caótica devido ao abandono dos últimos anos que a prioridade deve ser a reestruturação, com incremento nos materais (barcos, remos, ergômetros etc.) e formação de atletas visando a preparar um alicerce que sustente a volta dos atletas de ponta que saíram como consequência direta da grave crise pela qual passou o remo vascaíno. Com exclusividade ao Blog CRVG - Em Todos os Esportes, o treinador do remo do Vasco, Marcelo Neves dos Santos, explicitou como ele vislumbra o médio/longo prazo do esporte fundador do Club de Regatas Vasco da Gama:
- De muito trabalho. Você recuperar uma equipe, você ter atletas em todas as categorias, requer, primeiro, muito investimento: repatriar os atletas que saíram, chamar atletas novos, principalmente porque se fizer dentro do Rio de Janeiro, onde estão os melhores atletas do Brasil, há transferência altíssimas. Isso requer muita grana. Eu elogiei a direção dita remunerada - o que não importa, o que importa é que são competentes. Eles estão fazendo um ótimo trabalho desde que entraram, estão se mostrando. Eu tenho muita confiança de que a gente possa voltar. Podem dizer que eu sou muito otimista, mas o Vasco é muito grande, é uma condição de momento. Todos os clubes possuem momentos ruins, o Vasco tem quarenta e seis títulos, o Botafogo tem quatro. É tradição, é história, e nós temos que resgatar isso. Eu tenho certeza de que a partir do meio do ano isso tudo vai mudar, com a entrada dos novos patrocinadores. Numa reunião que eu tive com o Cristiano, ele deu esse prazo de até o meio do ano para que as coisas começassem a melhorar. E estou vendo muitas possibilidades de ver isto se realizar na prática. Já há um direcionamento desses recursos que virão para o pagamento dos atletas, de funcionários. Vai para o Vasco, e o Vasco é um só.
Entretanto, Marcelo é bastante realista e entende que o pouco que vem sendo feito ainda está muito distante do necessário. Ele reitera a necessidade de um gradual processo que abranja renovação e compra de novos materiais, formação de atletas e, como ponto culminante, repatriamento de atletas de ponta e a volta aos títulos:
- Se a gente quiser voltar a vencer um Campeonato, essa estruturação tem que ser muito maior do que nós temos hoje. Mas isso não vai ocorrer na noite para o dia, é um trabalho de médio prazo, você vai melhorando tudo, vai recontratando, vai fazendo novos atletas, comprando mais material, e assim a coisa vai funcionando. Nós temos consciência de que no momento precisamos do trabalho na base, refazê-la. Fazer novos atletas, fazer um atleta de sênior A (hoje, chamada de categoria aberta), requer muito tempo. Eu digo sempre que para fazer um atleta da categoria principal é preciso dez anos de trabalho. Isto é, pegar um garoto como Thiago (Francisco da Silva), o Igor (Nunes Cunha), da categoria júnior B, ele vai se tornar um grande atleta, hoje eles têm 16, quando tiverem 25, 26 anos. Então eu acho que a gente tem que pensar em reestruturação: compra de barcos, material novo, fazer projetos via lei de incentivo e começar a ganhar de baixo para cima. E só pensar em repatriar/contratar atletas da categoria de cima quando essas coisas estiverem feitas. É um trabalho de médio a longo prazo, de dois, três anos
Ainda também nessa questão de frisar que é normal em um clube crises cíclicas e altos e baixos, Marcelo Neves, com toda a cancha e experiência fornecida por suas décadas de remo e 18 anos de Vasco da Gama, fala sobre a situação do clube quando ele chegou e a retomada das conquistas apenas alguns anos depois, o que impediu que o rival rubro-negro quebrasse o recorde de títulos estaduais consecutivos, que pertence ao Gigante da Colina, que conquistou dezesseis canecos ininterruptos - isto mesmo, não se assuste - entre 1944 e 1959, período que coincidiu com uma fase esplendorosa do futebol - o Expresso da Vitória é desta época - , o que não é nenhuma mera coincidência em um clube tem um carro-chefe com tamanho potencial de geração de receitas quanto é o esporte bretão. Ele relaciona esse seu começo do clube com o momento atual, quase vinte anos depois. Com a propriedade de quem viveu as duas épocas, ele disserta sobre o momento atual de reestruturação:
- Quando voltamos a ganhar em 1998, no ano do nosso centenário, eu cheguei aqui em meados de agosto de 1995. Eu estava fora do país. O Flamengo estava próximo de acabar com o nosso recorde: o hexadecacampeonato do Estadual. Estava com quinze campeonatos consecutivos, mas em 1997 era para nós termos ganhado. Fomos garfados. Houve problemas com as canadenses que nós contratamos, elas estavam certinhas e a Federação implicou, e culminou naquela confusão toda da última regata. E o legal foi que nós entramos no ano de 1997 sem a meta de vencer o Campeonato ainda: ela estava estabelecida para 1998, o ano do centenário. Mas as coisas ocorreram de uma maneira tão harmoniosa, tão legal, que começamos a ganhar regatas e disputar prova a prova com o Flamengo. E chegamos à ultima regata com grandes chances de ganhar o Campeonato. Voltando para hoje: é trabalho de longo prazo, e manter os pés no chão. Tem que ser um investimento contínuo.
E esse investimento contínuo no longo prazo é dissecado por Marcelo Neves no contato com o blog. Ele se refere a melhorias estruturais gradativas. Para ilustrá-las, ele comenta sobre o momento atual de materiais do remo vascaíno, o que dá uma grande nitidez ao que ele pretende expor com seu raciocínio de reestruturação premente e permanente:
- O último barco alemão que compramos foi em 1999. Nós ficamos de 1999 até 2011, quando compramos os chineses, sem comprar barco algum. Nós temos barcos que são considerados as Ferraris do remo, mas é a mesma coisa, numa analogia com a Fórmula 1, de pegar uma Ferrari de dez atrás e por na pista para competir: apesar de ser uma Ferrari, ela não vai competir de igual para igual com os carros de hoje. Nós precisamos comprar mais material, em maior quantidade, até mesmo para que a gente possa aumentar a nossa equipe. Hoje, por exemplo, eu fiz uma pedido na última regata para modificar um horário de uma prova, o four skiff de master, para colocá-la como a penúltima prova. Porque o four skiff aspirante usa o mesmo casco. A gente não tem material sequer para entrar numa regata com tranquilidade, sem precisar pegar material emprestado. Há remos do four skiff que são remos emprestados dos nossos atletas master. Como aumentar a equipe se não temos condições ideais de treinamento? Então, o primeiro passo é reestruturação: melhora de tudo. Já começamos com a musculação, com a roupa nova, com simuladores, temos que comprar mais barcos, mais remos, mais ergômetros. Dos três últimos ergômetros, um foi porque o Fábio (Barbosa, administrador da Sede Náutica) arrumou dinheiro de uma festa que houve, e os outros dois que compramos foi com ajuda dos masters. É assim que estamos renovando o nosso material, mas não é suficiente.
Marcelo ainda ilustra mais, desta vez citando o clube que lidera o Campeonato Estadual, com 245 pontos, contra 206 do Flamengo e 89 do Vasco, após três regatas disputadas: o Botafogo, que fez um trabalho de longo prazo que culmina em resultados num ano que pode trazer o título estadual ao Alvinegro após 49 anos de predomínio vascaíno e rubro-negro, sem nenhum título para outro clube.
- O Botafogo está obtendo resultados neste ano, mas começou os investimentos há quatro anos atrás. No ano passado, terminou levando uma varada do Flamengo na última regata. Mas continuou investindo. É muito difícil, é um caminho muito longo. A coisa é cíclica. O Flamengo conseguiu as certidões, então acredito que a longo prazo o Flamengo terá uma melhora em relação a esse sentido. O Botafogo está buscando uma possibilidade ímpar para ele, que não ganha desde 1964. E neste ano é a possibilidade de pela segunda vez ser Campeão de Terra e Mar (ganhou também o Estadual de futebol). Então ali deve estar havendo um sacrifício impar para atingir esse objetivo.
Uma das preocupações do vascaíno que gosta de remo e vê jóias, mesmo no momento de dificuldade, sendo formadas no clube (o Vasco, após três regatas, lidera o Júnior B e o Aspirante no Estadual, além de outros bons resultados na base, como a vitória na regata Remo do Futuro), e também vendo a debandada de atletas nos últimos anos, fica com a seguinte indagação na cabeça: será que o Vasco está formando atletas para outros clubes? Marcelo Neves trata de se desviar deste rumo, analisando sob outra perspectiva:
- Pode acontecer, mas não podemos pensar nisso, temos que trabalhar e formar atletas. E é o que estamos fazendo. Temos que pensar em conseguir uma maneira de manter esses atletas aqui, e também de resgatar os que saíram, que são muito bons.
Ainda sobre o bom trabalho que vem sendo feito nas divisões de base mesmo diante de tantas dificuldades, a chegade treinadores oriundos do Flamengo, liderados por Waldemar Trombetta. O Vasco venceu com razoável segurança a 36ª regata Remo do Futuro (o troféu Guilherme Arinos encontra-se exposto na entrada das sociais de São Januário), e agora defende o caneco na 37ª, a ser disputada no próximo domingo (21/07), no Estádio de Remo da Lagoa. Com a chegada dos profissionais, o Vasco abriu uma escolinha no seu box no Estádio, o que incrementou bem o trabalho, culminando nesses resultados. Marcelo Neves afirma que está sendo um sucesso, mas o trabalho já apresenta limitações:
- A escolinha é um sucesso. Nós precisamos também reaparelhar a escolinha. A procura está sendo tanta que não estamos dando conta a nível material de todo o processo. E precisamos fazer isto, melhorar mais ainda.
Marcelo ainda disseca outro motivo que impulsionou a abertura da escolinha: por ter sua sede muito longe do local de competições, o Vasco argumenta junto a Federação de Remo do Estado do Rio de Janeiro (FRERJ) para manter o box que utiliza no Estádio para servir como uma espécie de quartel-general para os dias de competições que sua sede náutica é muito longe do local de competições, o que de fato atrapalharia muito a logística vascaína em dias de regatas em caso de corte desse box:
- Está muito bem a escolinha, ali nós tínhamos uma preocupação grande. Temos um box no Estádio de Remo que não está em nome do Vasco, então é muito importante, até porque dos três grandes clubes o Vasco é o único que tem um box lá. E a gente sempre usou o argumento de não ter um tanque de remo na beira de Lagoa e, com isso, ter que utilizar a de lá. Então, era muito importante não deixarmos o box ocioso. E a colocação da escolinha lá também teve esse objetivo: fazer movimentar o box, porque é um espaço ímpar para o Vasco. Em dias de regata, por exemplo, é o nosso quartel-general: é ali em que ficamos baseados, levamos barcos para lá. É importante você estar próximo da chegada, vivenciando a regata mais de perto. Se fizéssemos do nosso quartel-general a Sede Náutica, ficaríamos afastados até da raia de competições. Então ele é de suma importância para nós.
Para finalizar, perguntado sobre um possível prazo para o retorno do Vasco à disputa pelos principais títulos, Marcelo Neves explicou que é uma incógnita, em virtude de que, embora o caminho seja um trabalho de médio a longo prazo, tem a possibilidade de haver melhoras inesperadas e impactantes, ainda mais com a possível e ansiosamente esperada confirmação no Diário Oficial da União (DOU) da obtenção das Certidões Negativas de Débito (CND) por parte do Club de Regatas Vasco da Gama
- Pode ser que as coisas mudem rápido. Em 1997, não tínhamos a previsão de disputar o Campeonato, e disputamos até a última regata. Então é difícil a gente fazer previsões. Pode ser que amanhã a gente consiga um patrocínio específico para cá e seja o suficiente para bancar isso tudo que estou lhe falando e as coisas aconteçam com muito mais velocidade. Pode ser que saiam as certidões e consigamos um projeto para cá. Ou seja, é difícil prever. O que nós podemos prever é muito trabalho, muita luta. Isso aí eu posso te dar a certeza. O Vasco sempre foi e sempre vai ser um grande clube de futebol e de remo. E eu vejo também a possibilidade de voltar a ser forte no basquete, como sempre foi, no atletismo, na natação. Eu tenho certeza de que voltaremos a ser fortes nos esportes olímpicos - arrematou Marcelo Neves em seu contato exclusivo e bastante solícito com o Blog CRVG - Em Todos os Esportes, com uma forte pitada de seu peculiar otimismo.
Fonte: Blog CRVG Em Todos os Esportes - Supervasco