Ao arrastar multidões de torcedores fiéis a jogos de futebol desde o século passado, Vasco e Flamengo enchiam os estádios, seus cofres e miravam um futuro promissor, no qual seriam superpotências dentro e fora do campo financeiro. O tempo passou, e dívidas e títulos foram acumulados na mesma proporção do crescimento de suas torcidas. O vazio deixado hoje no Rio ao disputarem o velho Clássico dos Milhões em Brasília é do tamanho do rombo nas contas de ambos: estão entre os cinco maiores clubes devedores do país, fato que ajuda a entender as suas posições na tabela e os anos de dificuldades administrativas e econômicas.
Em campo, os jogadores desafiam os números das partidas recentes para levar seus times à frente no Brasileiro. Fora dele, os dirigentes fazem contas para tentar sair da retranca financeira que limita os investimentos e fazem dos clubes reféns da calculadora na hora de montagem dos times, dispensa de jogadores e contratações de treinadores. Mesmo sendo marcas poderosas, com grande valor de mercado, Flamengo e Vasco ainda estão sob o guarda-chuva de patrocínio do governo federal e somente agora começam a sair gradualmente em busca de investimento privado para ocupar suas tradicionais camisas. Além de financiador, o governo é o principal credor.
— As dívidas gerais de Flamengo e Vasco têm um perfil pesado com o governo federal. Há problemas com impostos... Mas, mesmo assim, o principal entrave é que ambos, para funcionar, gastaram mais do que poderiam, pegaram empréstimos, pagaram juros e a dívida rolou. Seus patrocínios, com a venda eventual de jogadores, verba da transmissão de TV e a renda de bilheteria (reforçada pelos acordos com o Maracanã) compõem uma receita para tentar fechar o saldo com o mínimo de prejuízo — explica Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva e colunista da rádio CBN.
Para chegar ao denominador comum do acúmulo de dívida recente dos dois clubes, Somoggi analisou os balanços financeiros de Vasco e Flamengo publicados entre 2008 e 2012, período em que cada clube ganhou um título nacional de primeira divisão: o rubro-negro foi campeão brasileiro em 2009, e o Vasco conquistou a Copa do Brasil em 2011. Se foram poucas as glórias nacionais, a dívida acumulou em todas as esferas.
— De 2008 a 2012, o Flamengo teve um prejuízo acumulado no futebol de R$ 129 milhões, enquanto o Vasco, no período, teve uma dívida de R$ 292 milhões, a maior de todos os clubes do país — disse Somoggi.
Silêncio sobre certidões
Em quatro anos, o Vasco acumulou 73% da dívida geral do clube, que é de R$ 410 milhões. Nesse período, além do título da Copa do Brasil, o Vasco caiu e venceu a Série B. Deu a volta por cima em campo, mas as finanças continuaram em baixa. Eternamente dependente da obtenção das Certidões Negativas de Débitos (CDNs), que já custaram um bom acordo com Eletrobrás, o clube tem uma verba de patrocínio de R$ 20 milhões da Caixa Econômica Federal retida até provar que está com a ficha limpa. A ideia do banco, também patrocinador do Flamengo, seria estrear na camisa do Vasco hoje. Além desse, ainda há a perspectiva de obter R$ 8 milhões de patrocínio da Nissan.
Como o dinheiro não entrou, o clube viu a saída de seu principal jogador como solução para o pagamento de salários. A venda do zagueiro Dedé ao Cruzeiro por R$ 14 milhões foi suficiente para quitar a dívida imediata de três meses de salários atrasados. O alívio foi momentâneo. Hoje, o clube ainda tenta pagar os salários atrasados de maio, fato que culminou na saída do técnico Paulo Autuori. Em janeiro, dirigentes do Vasco, que chegou a ficar sem água em São Januário por falta de pagamento, já avisavam ao técnico que seria difícil pagar em dia. Para a falta d’água, a solução foi fechar o parque aquático e usar as piscinas para o abastecimento. Em relação a Autuori, não teve jeito, e o treinador pediu demissão. Dorival Júnior estreia hoje, mas o panorama financeiro, ao menos por enquanto, é o mesmo.
— O Vasco prefere não se pronunciar (em relação às dívidas e CDNs) devido à tramitação no Judiciário do processo relativo aos tributos federais — diz Cristiano Koehler, diretor-geral do Vasco.
No Flamengo não faltou água, mas o clube não está nadando em dinheiro. Afogado em dívidas, mesmo com R$ 73,1 milhões ao ano de patrocínio geral, o clube lidera o ranking de endividados no Brasil, com R$ 741 milhões. A conclusão do Centro de Treinamento Ninho do Urubu depende da verba de R$ 5 milhões, a ser liberada pela prefeitura do Rio em contrapartida à doação de terrenos ao Vasco, Botafogo e Fluminense. O rubro-negro entrou na fase de aperto de cintos para pôr os salários em dia e reduziu a folha de R$ 8 milhões para R$ 6 milhões. Na zona de rebaixamento, contratou reforços questionados pela torcida e está no seu terceiro técnico no ano.
— Isto não é exclusividade do Flamengo, mas de todos os clubes, de acordo como o futebol vem sendo gerido. Alguns já tomaram a frente para tentar mudar o modelo, e tenho certeza de que o Flamengo está no caminho. No passado, ninguém fazia conta. Os jogadores ganham o mesmo salário pago no exterior, mas com estrutura e receitas de clubes inferiores — explica Rodrigo Tostes, vice-presidente de Finanças do Flamengo.
Fonte: Globo Online