A memória do povo brasileiro não deixou Barbosa se esquecer do jogo mais marcante de sua carreira, que ficou conhecido como Maracanazo. Cinco dias antes de o ex-goleiro morrer, o jornal A Gazeta Esportiva publicou a última entrevista do ídolo do Vasco a um veículo impresso. Em destaque na página, o ex-jogador aparecia beijando uma bola, mas a sensação de injustiça permaneceu para ele até o fim.
“Ainda perguntam (nas ruas sobre o jogo de 1950), mas, para não polemizar, digo que desconheço e deixo claro que não quero falar em Copa. Tem gente que nem era nascido na época e cria uma versão errada. Transformam lagartixa em jacaré. Não adianta, eu vou morrer e vão continuar falando de mim. Dizem que o brasileiro tem memória curta, mas às vezes é longa até demais”, lamentou o ex-jogador, na entrevista exclusiva.
A resposta à primeira pergunta da reportagem deixou bem claro o desconforto dele com o assunto. O texto foi publicado em 2 de abril de 2000, sendo que o ex-jogador faleceu no dia 7. Pouco tempo depois, o Brasil (e principalmente o Uruguai) se lembraria dos 50 anos do Maracanazo, completados em julho.
Para o ex-goleiro, a certeza dos brasileiros de que a equipe anfitriã conquistaria o título de qualquer forma contra a celeste no Maracanã foi determinante para a perda da partida, inclusive com uma mudança repentina na preparação da Seleção antes da decisão.
“Todos já davam como certa a nossa vitória. Até pôster de campeão saiu antecipadamente. Isso deve ter motivado os uruguaios. Estávamos concentrados em um sítio no Joá e na véspera do jogo tivemos de ir para São Januário. Fomos tirados do céu e postos no inferno”, recordou.
Segundo as palavras de Barbosa, a mudança de local colocou os atletas no meio de uma grande festa, antes mesmo da garantia do título, com autoridades da época tentando se aproveitar da popularidade do time. “Nem podíamos sentar à mesa para comer direito que apareciam políticos na nossa frente. Não era mesmo para ser nosso dia. Até a bandeira brasileira foi hasteada de cabeça para baixo. Eu fui um dos poucos a reparar nisso”.
O resultado em campo foi o mais inesperado possível para quem já contava com a vitória. Apesar da vantagem de jogar pelo empate, o Brasil perdeu por 2 a 1 para os visitantes, sendo Barbosa apontado como vilão por conta do segundo gol, marcado por Ghiggia, apesar de a falha ter sido geral no sistema defensivo.
Desde o dia 16 de julho de 1950, o então ídolo do Vasco teve de aprender a lidar com a pressão das pessoas nas ruas, tentando passar sem ser notado em alguns lugares, mas respondendo ao ouvir cobranças mais ríspidas.
“Uma vez peguei um trem para a casa do Ademir (Menezes), após ser condecorado no Palácio da Guanabara, e pus o jornal na frente do rosto para passar despercebido. Ouvi um cara ao meu lado dizer que me viraria no avesso se um dia cruzasse comigo. Abaixei o jornal e perguntei: ‘É comigo que você quer falar?’. O cara quase pulou a janela... (risos)”, citou.
A reportagem de A Gazeta Esportiva contou que Barbosa “envelhecia com dignidade” e vivia “tranquilamente na cidade de Praia Grande (SP)”, apesar de ter recebido “a dura pena de meio século por um crime que não cometeu”.
Mesmo com a pressão constante em sua vida, ele manteve a tranquilidade durante quase toda a entrevista, perdendo a paciência apenas ao falar de críticas feitas na TV pelo zagueiro Juvenal, companheiro de Seleção. “Eu nem discuto com uma pessoa assim. Ele não está no meu nível. Mal terminou o primeiro grau. Por que ele não estava na cobertura do Bigode no gol do Ghiggia?”.
Na edição do dia seguinte ao Maracanazo, o relato de A Gazeta Esportiva dividiu a responsabilidade no gol, citando não apenas Barbosa na jogada, mas também Jair (“perdeu a bola atrás e parou) e Bigode (“ficou inativo e confundido”). Mas o goleiro carregou o fardo sozinho.
Quando conseguia esquecer a derrota para o Uruguai e pensava apenas nas glórias, o ex-goleiro mencionava o título do Sul-americano de 1948 pelo Vasco como o momento de maior satisfação da carreira, principalmente por ter superado as provocações do River Plate.
“Levaram a taça para o nosso vestiário antes da partida e disseram que levariam para casa”, recordou. No fim, o Vasco foi quem ficou com o troféu. Durante a entrevista, Barbosa também citou Ademir da Guia como “o melhor de todos os tempos, não só como jogador, mas também como homem”.
Aos 79 anos, tudo que Barbosa queria era ficar tranquilo. “Dou as minhas caminhadas, vou até o quiosque e à tarde tiro uma soneca”, afirmou, descrevendo seu cotidiano na cidade do litoral paulista.