O homem responsabilizado por muitos pela derrota do Brasil na Copa do Mundo de 1950 abriu mão de ser pai para se dedicar ao futebol. E escolheu morrer pagando aluguel em vez de ter casa própria. É o que conta Tereza Borba, que cuidou dos últimos oito anos de vida do ex-goleiro Barbosa e era tratada como “filha do coração”.
Às vésperas da primeira final do novo Maracanã, a Gazeta Esportiva.net esteve na Praia Grande (SP) para ver o legado do jogador considerado culpado por não ter defendido o chute cruzado de Ghiggia que definiu a vitória uruguaia sobre os brasileiros há 63 anos. Na cidade, encontrou histórias de um amante do futebol que não ganhou dinheiro para se sustentar sozinho antes de morrer por parada cardiorrespiratória seguida de insuficiência hepática em 7 de abril de 2000.
Profissional entre 1940 e 1962, Barbosa virou ídolo no Vasco da Gama fazendo parte do time chamado de “Expresso da Vitória”, campeão carioca em 1945, 1947, 1949, 1950, 1952 e 1958, do Rio-São Paulo de 1958 e do Sul-Americano de 1948, mais tarde considerado uma Libertadores pela Conmebol. Pela Seleção Brasileira, conquistou a Copa Roca de 1945, as Copas Rio Branco de 1947 e 1950 e a Copa América de 1949.
“Ele jogava futebol porque adorava. Não era nenhum santinho, mas, enquanto o pessoal ia para a gandaia, ficava até de madrugada chutando bola no paredão de São Januário para treinar, já que não tinha treinador de goleiro na época”, conta Tereza Borba. “A Clotilde, sua esposa, ficava brava, não gostava muito de futebol porque ele não estava sempre junto dela. Eles não tiveram filhos porque ele se dedicou ao futebol.”
Mesmo após ser apontado como vilão da derrota na Copa do Mundo de 1950, Barbosa continuou jogando até 1962. Mas não ficou rico e, mais tarde, gastou boa parte do dinheiro guardado para pagar os remédios da esposa, que teve câncer. “Ele dizia que jogar futebol era como servir à pátria. O futebol hoje é pequeno e o dinheiro é grande, e na época dele era o contrário.”
Aposentado no futebol, conseguiu trabalho na administração do Maracanã “ganhando uma mixaria”, segundo Tereza. Em 1992, sua cunhada solicitou a Clotilde que ambos fossem morar com ela na Praia Grande e Barbosa passou a fazer o que chamava de “corretor zoológico”. “Sabe o que é isso? Não é nada mais nada menos do que o cara que escreve o jogo do bicho. Era o jeito elegante de ele dizer o que fazia”, sorri Tereza, que em 1992 passou a cuidar do ex-goleiro.
“O salário mínimo era uns R$ 160, R$ 170, mas tinha tanto desconto que ele recebia R$ 79 de aposentadoria. Esse dinheiro não dava para nada. Ele fazia o jogo do bicho em uma banca de jornal para conseguir mais alguma coisa”, continuou a herdeira, que passou a ser tratada como filha logo após a morte de Clotilde, em 1996, e se deparou com o pior momento financeiro de Barbosa.
“Ele me disse que tinha dez dias para sair da casa dele. O filho da cunhada dele não podia deixar a mãe dele e o Barbosa, dois velhinhos, sem ninguém por perto. Vendeu o apartamento e o Barbosa não tinha para onde ir. Por R$ 79, ninguém aluga uma casa”, relembrou Tereza, até se emocionando.
A “filha de coração” ofereceu sua casa para Barbosa morar, mas o ex-goleiro preferia um lugar em que tivesse mais privacidade. Foi quando, dias antes de ser obrigado a sair da casa em que morava, apareceu Eurico Miranda, que na época era diretor no Vasco, clube onde seria depois presidente entre 2001 e 2007.
“Não acredito em coincidência. O Eurico estava reunindo os campeões do Sul-americano de 1948 e só foi saber que o Barbosa estava vivo porque viu uma reportagem com ele. Fomos para a festa e o jogo de homenagem e ele ficou muito feliz”, recordou, avisando que Barbosa não teve coragem de pedir ajuda ao clube que defendeu por amor.
“Em São Januário, eles começaram a conversar de muitas histórias, muita risada, muito papo, até que uma hora chamei o Eurico e o Barbosa já me olhou com cara de ‘o que essa menina vai aprontar dessa vez?’. Falei a situação e o Eurico se assustou. Garantiu que compraria um apartamento para ele e me mandou procurar. Só alugamos porque nós mesmos preferimos assim”, comentou.
De acordo com Tereza, Barbosa citava sempre que “filho pobre não tem pai, e filho rico tem muitos”. Com esses dizeres, justificou que era melhor não ter uma casa própria que se tornasse uma briga judicial com quem se julgava parente dele quando ele morresse. Assim, com Eurico Miranda pagando aluguel e dando uma ajuda financeira, além do apoio da família de Tereza, viveu um dos maiores ídolos do Vasco em seus últimos anos.