A Promotoria da Infância e Juventude do Rio investiga o Vasco da Gama, um dos principais times de futebol do Estado, sob suspeita de exploração do trabalho infantil e de manter jovens em alojamentos precários.
A morte de um adolescente de 14 anos em uma peneira, em fevereiro do ano passado, revelou diversas irregularidades na categoria de base do clube, em Itaguaí, a 66 km do Rio. O local era mantido sem conhecimento do Ministério Público do Estado e só foi descoberto depois que o menino passou mal durante os testes. Na ocasião, não havia médico ou equipamentos para um atendimento de emergência.
O Vasco nega as acusações.
As investigações começaram em 2009, quando houve denúncias sobre as condições precárias às quais atletas mirins eram submetidos em São Cristóvão, o centro de treinamento oficial dos jovens.
Na época, 60 adolescentes foram encontrados em alojamentos inapropriados. Segundo a promotora Clisânger Ferreira Gonçalves, eles moravam debaixo da arquibancada do time, em um "ambiente improvisado, um quarto sem cortina, sem refrigeração, banheiro todo quebrado".
Gonçalves entrou com uma ação civil pública pedindo o fim da categoria de base caso o Vasco não adotasse uma série de providências. A Justiça acatou o pedido, e o clube fez algumas reformas, mas transferiu parte das atividades para Itaguaí sem informar as autoridades. "Os meninos eram submetidos a um esforço de treinamento em condições totalmente inadequadas."
Ao longo de três anos, houve acordos, e a situação melhorou, até que o Gonçalves descobriu a existência do campo de Itaguaí.
TRATAMENTO DESUMANO
As investigações apontaram que as crianças tinham um "tratamento desumano", segundo a promotora. Em conversas com Gonçalves, os meninos da categoria de base do Vasco contaram que nem água potável havia no campo de Itaguaí. "Eles estavam com medo de falar perto dos treinadores. Eles falaram: 'tia, aqui só tem uma coisa. Um sol para cada um'. Ou seja, treinavam sob forte sol e não se alimentavam."
Os menores eram levados diariamente para a cidade vizinha em ônibus precários. Muitos eram de outras regiões do país e não viam a família havia mais de dois anos. "É um trabalho infantil, ficou muito evidente. Esses meninos que não correspondiam ao esperado eram descartados com a escolarização comprometida. A escola que funcionava era dentro do Vasco da Gama. Então, havia a preocupação de essa escola estar servindo os interesses do próprio clube time."
OUTRO LADO
O Vasco disse que os menores não realizam trabalho, mas "desenvolvem uma atividades desportiva". O clube alega que não tem benefícios com os atletas amadores, que "têm a liberdade de optar por vincular-se ao clube que lhe aprouver, sendo absolutamente distinto do vínculo do atleta profissional, justamente por não possuir contrato de trabalho".
Em nota, o time disse que a denúncia do Ministério Público do Trabalho é "equivocada", pois "não há possibilidade de estabelecer vínculo trabalhista com atletas menores de 16 anos, (apesar da ser permitido em outras profissões). Segundo, porque não existe a figura do menor aprendiz. Existe apenas o atleta não profissional".
O clube diz ainda que não há idade mínima para se tornar um atleta, imposição legal para formalização de contrato de trabalho ou obrigatoriedade de bolsa-auxílio.
Em relação a Itaguaí, o Vasco diz que a mudança foi feita para melhoria dos alojamentos e treinamentos das categorias de base que aconteciam em São Cristóvão. "O Vasco, assim como vários outros clubes da primeira divisão, realizaram melhorias em seus alojamentos e campos de treino, acolhendo sugestões de diversos órgãos, entre eles o MPE [Ministério Público Estadual] e o MPT [Ministério Público do Trabalho]".
A nota também diz que o clube concluiu as reformas no centro de treinamento de Seropédica, a 77 km do Rio, que foi inaugurado há cinco meses após atender as exigências legais e da CBF. "Estamos recebendo o 'Certificado de Clube Formador' após termos cumprido todos os encargos obrigatórios para o recebimento do referido certificado, após fiscalização da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro."
Sobre a presença de médicos no campo onde o jovem morreu, o Vasco diz que prestou esclarecimentos à Justiça.
Fonte: Folha de São Paulo