Não vai acontecer aquele abraço afetuoso na frente das câmeras, com mãos entrelaçadas no rosto e sorrisos à toa. Até porque um “reencontro” de Ricardo Gomes e Cristóvão Borges, amigos de mais de duas décadas, não é nada perto de um jogo em mais uma rodada entre tantas do Campeonato Brasileiro. O abraço e o sincero desejo de boa sorte vai sair fora do campo, da forma mais discreta possível, como é a característica desses dois amigos que o futebol apresentou, uniu e nunca mais separou.
Quis o destino - e a Fifa - que São Januário não estivesse à disposição do Vasco, nem o Engenhão - interditado pela prefeitura do Rio - para esse Vasco x Bahia no estádio da Cidadania, às 18h30, deste sábado. Mas dessa vez a viagem de Ricardo e Cristóvão é para Volta Redonda. Logo eles que sempre dividiram voos e planos, entre momentos de lazer e de trabalho ao longo de tantos anos.
- A gente sempre viajou junto, com as famílias, com os filhos. Meu filho é contemporâneo ao do Ricardo, eles são amigos. E quando trabalhamos na Bahia antes (Ricardo e Cristóvão fizeram a comissão técnica do Vitória em 1999), era impressionante, porque o Ricardo também tem família na Bahia. E toda semana a gente tinha um aniversário para ir - lembra Cristóvão.
Como gosta de dizer um amigo da dupla, o técnico Paulo Autuori, virou um pouco clichê dizer que os dois são muito parecidos. Seja no jeito de ser, seja na forma de trabalhar. O ex-vice-presidente de futebol do Vasco José Hamilton Mandarino, por exemplo, vê muitas semelhanças e poucas diferenças entre os amigos.
- Eles são parecidíssimos na relação de serenidade e de equilíbrio que conseguem ter com os jogadores, com o vestiário, que é a célula nervosa do futebol. Isso sem autoritarismo e sem arbitrariedade, mas com autoridade e respeito - lembra Mandarino, fã dos dois. No entanto, ele aponta uma diferença - Talvez o Cristóvão, pelo que percebi, seja mais discreto, mais retraído. Mas são diferenças tênues.
O diálogo aberto e as conversas no dia a dia unem essas duas personalidades reconhecidas pelo carisma no futebol brasileiro. Cristóvão, 53 anos, e Ricardo, cinco anos mais novo, se conheceram no Fluminense. O cabeça de área de estilo clássico e o zagueiro, também fora dos padrões “xerifão”, ficaram amigos e só voltaram a trabalhar juntos em 1999, no Vitória. Depois, Guarani, Coritiba, Juventude, até o retorno da dupla no Vasco, onde foram campeões juntos da Copa do Brasil.
- Acho que somos parecidos mais no jeito tranquilo de ser, de reagir, de administrar e tentar a harmonia no grupo, mas claro que nossos temperamentos são diferentes. Até por ele ser carioca e eu, baiano - lembra o técnico do Bahia.
Amigos e pessoas que conviveram com os dois descrevem um Ricardo um pouco menos afetuoso que Cristóvão, um baiano de fala mansa e personalidade firme. O jeitão “europeu” de Ricardo, porém, que o deixa um pouco mais distante, também o leva a ser mais duro em determinados momentos. Cristóvão é mais sutil, mais paciente, Ricardo, ao seu estilo, mais impetuoso, embora com a elegância de sempre. Mas não são de gritar, falar alto, falar palavrões a torto e a direito.
Vindo de duas vitórias, Cristóvão chega num momento ascendente para o encontro com o ex-time. Agradecido por cada momento - os bons e ruins - que passou no Vasco, ele lembra que o tempo no Vasco foi para além de inesquecível, mas uma experiência grandiosa para a continuação da carreira. Trajetória que, aliás, ficou um pouco parada nesse tempo que optou por não trabalhar. E o amigo Ricardo não perdoou...
- Ricardo brincava comigo, dizia que eu não queria trabalhar (risos). Mas era um momento que eu precisava. Tive outros amigos que mostraram preocupação de eu ficar fora, sem mercado, mas eu sabia que tinha um trabalho expressivo nas costas, tinha confiança do que tinha feito no Vasco. Foi tudo muito marcante, embora eu tenha plena consciência de que isso (o trabalho bem feito) precisa ser consolidado - diz Cristóvão Borges.
Menos problemas na Bahia
Com sinceridade, o técnico do Bahia analisa as condições de trabalho nos dois clubes. A crise econômica gravíssima que enfrentou no Vasco em meio a uma disputa de Libertadores, que encontrou uma trave pelo caminho na partida das quartas de final contra o Corinthians, ele ainda não viu se repetir na Bahia.
- Quando cheguei o clima estava muito ruim. Astral lá embaixo, uma torcida revoltada, machucada, por tudo que aconteceu no final do Estadual (o Bahia foi goleado por 7 a 3 na primeira partida da final do Baiano). Mas a dificuldade financeira no Vasco era grande o tempo todo. Aqui não é igual, é melhor que no Vasco (a condição econômica). O Bahia está em condição melhor, embora claro que sofra com a concorrência dos demais clubes brasileiros - compara o treinador do Bahia, que estava ansioso para esse dia chegar.
- Logo fui olhar na tabela. E lamentei que não fosse em São Januário. Seria legal encontrar os amigos, a torcida, tanta gente que com quem vivi naqueles tempos. Mas vai ser legal de ver o Ricardo, o Bruno (Coev, supervisor), o Paulo (Autuori) e tantos outros amigos - espera Cristóvão.