Com o conhecimento de quem acompanha bem de perto a Lagoa Rodrigo de Freitas desde os 6 anos — antes, junto com o pai e, agora, como pescador — Antônio Cláudio Maia Paiva, de 52 anos, sentiu alguma redução da poluição desse que é um dos principais cartões-postais do Rio. Mas Paiva não tem dúvidas de que, apesar das obras, da limpeza e do monitoramento, a Lagoa ainda não está livre do despejo de esgoto através de galerias pluviais que desembocam no espelho d’água. E são nada menos do que 95 galerias, segundo vistoria feita pela Comissão de Saneamento Ambiental da Assembleia Legislativa, realizada no dia 13 de abril. Em 17 desses pontos, técnicos da comissão identificaram odor acentuado e suspeitam de lançamento de esgoto. De oito deles, também foi detectado vazamento, apesar de o dia ser de sol.
— A Lagoa é um ícone da cidade e merece maiores cuidados. É uma preciosa fonte de lazer da população e vai sediar as provas de remo e de canoagem nas Olimpíadas de 2016. Não podemos deixá-la como está. A construção da galeria de cintura (2001), que cerca parte da Lagoa, impedindo o esgoto de chegar ao corpo d'água, foi uma medida positiva mas paliativa, pois a Cedae, que deveria tratar do esgoto da cidade, continua não dando conta do recado. A situação precisa estar resolvida até 2016 — afirma a deputada Aspásia Camargo (PV), presidente da comissão.
Na véspera do Dia do Meio Ambiente, numa vistoria de uma hora e meia com técnicos da comissão na terça-feira pela manhã, repórteres do GLOBO constataram que em pelo menos sete pontos havia vazamento de galerias pluviais e mau cheiro: nas imediações das ruas Joana Angélica, Tabatinguera e Vitor Maúrtua, e dentro Canal do Jardim de Alah (quatro). Apesar de em dois outros pontos não haver transbordamento, o odor era ainda mais forte: nas proximidades da Rua Vinícius de Morais e da Fonte da Saudade.
— Choveu ontem (segunda-feira), não hoje (terça) de manhã. Como está saindo água de galerias pluviais se não está chovendo? — questiona Miguel Jorge Souza, técnico da Comissão de Saneamento, que tem pós-graduação em sustentabilidade e meio ambiente.
Em relação a uma das tubulações de água que passam sobre o canal do Jardim de Alah, o que foi visto em abril se repetiu na terça-feira: do tubo enferrujado, esguichava água potável. Um sinal de desperdício, afirma Aspásia.
Números de órgãos oficiais também dão sinais de alerta. Em 60% dos 141 boletins de monitoramento de coliformes, publicados pela Secretaria municipal de Meio Ambiente de janeiro a 29 de maio deste ano, a área 1 da Lagoa (Canal do Jardim de Alah, Avenida Borges de Medeiros e Avenida Epitácio Pessoa até a altura da Rua Tabatinguera) aparece como imprópria para atividades de recreação de contato secundário, como a prática de esportes. As áreas 2 e 3 estiveram impróprias em 22% e 24%, respectivamente, nos boletins. Desde 2010, o monitoramento da qualidade da água da Lagoa — para contato secundário e proteção de comunidades aquáticas — é da responsabilidade da Secretaria municipal de Meio Ambiente.
Contudo, a poluição da Lagoa não chega a ser o que mais preocupa o treinador da equipe de remo do Vasco, Marcelo Neves dos Santos:
— Utilizamos mais o espelho d’água. O contato do atleta com a água é pequeno. Soube de casos de doença de pele, mas não de hepatite. Uma das minhas preocupações é com a mortandade de peixe, porque não podemos treinar. Antes, elas ocorriam duas, três vezes por ano. Este ano, aconteceu uma (12 a 16 de março, quando foram removidas 72 toneladas de peixes mortos pela Comlurb, um pouco menos do que as 86,8 toneladas recolhidas de 26 de fevereiro e 1º de março de 2010). Outra questão que me preocupa é o assoreamento da Lagoa. Para 2016, vão precisar dragar o trecho da raia de remo e canoagem, que não tem os três metros de profundidade necessários.
Amônia é detectada em 11 pontos
Outro relatório — feito em março pela Fundação Rio Águas e anexado ao documento Comissão de Saneamento — assinala 11 pontos que apontaram contaminação por amônia (sinal de presença de urina). Em cada um deles, foram colhidas 20 amostras. As situações mais graves foram identificadas no trecho do Canal do Jardim de Alah, próximo à Avenida Ataulfo de Paiva, e na Borges de Medeiros, junto à saída do Rio dos Macacos.
— Quem diz que a Lagoa não recebe esgoto está mentindo. A Lagoa é um ecossistema vulnerável, que precisa de controle permanente, além de um plano de contingenciamento quando o oxigênio se aproximar do zero. Mas é inegável que o termo de ajustamento de conduta, firmado entre o Ministério Público, a Cedae e a prefeitura, trouxe ganhos. A Cedae recuperou troncos coletores e elevatórias (oito) da região — afirma o biólogo Mário Moscatelli.
Já o diretor de Produção e Grande Operação da Cedae, Jorge Briard, garante que em tempo seco (sem chuva) a galeria de cintura (instalada nos trechos onde havia histórico de despejo de esgoto irregularmente em galerias pluviais ou problemas em tubulações de recalque da companhia) tem conseguido direcionar eventuais lançamento de detritos para a rede da Cedae, que deságua no emissário de Ipanema. Um novo trecho da galeria está sendo implantado ao longo do Canal do Jardim de Alah.
— Trabalhamos com prevenção e vistoria. Mas podem acontecer exceções. O saneamento é uma luta diária — afirma Briard.
E os resíduos que flutuam na Lagoa? Não são poucos. A Comlurb remove diariamente cerca de mil quilos de lixo flutuante e de plantas aquáticas do espelho d’água ou presos nas margens da Lagoa. Ou seja: 27 a 30 toneladas/mês.
Além de prefeitura e estado, o grupo EBX, de Eike Batista, também atuou no Projeto Lagoa Limpa, de setembro de 2008 a dezembro de 2012. No total, investiu R$ 23 milhões, em iniciativas como a criação do Centro de Controle Operacional de Esgoto — que promove filmagens e limpeza de redes —, a retirada de 28 mil metros cúbicos de sedimentos e a dragagem de 97.300 metros cúbicos da Lagoa.
A EBX financiou ainda estudos para a implantação de um sistema alternativo de troca de água entre a Lagoa e o mar. A construção do chamado projeto de dutos afogados (prevê a instalação de quatro grandes tubos submersos) está estimada em R$ 40 milhões. Em fase de licenciamento ambiental no Instituto Estadual do Ambiente (Inea), ele precisará de um ano para ser executado. A prefeitura pretende licitar a obra no segundo semestre. É mais uma iniciativa que tem por objetivo atender o compromisso, firmado pelo Rio junto ao Comitê Olímpico Internacional (COI), de melhorar a qualidade da água e a capacidade de dragagem da Lagoa até os Jogos de 2016.
Fonte: Extra Online