Era 29 de agosto de 1993 e a Seleção Brasileira de Carlos Alberto Parreira vinha de tempos de incerteza, para dizer o mínimo. Pouco mais de um mês antes, o Brasil havia sofrido a primeira derrota de sua história em um jogo de eliminatórias para a Copa do Mundo da FIFA: 2 a 0 diante da Bolívia em La Paz. E, uma semana antes, apesar de ter vencido o Equador por 2 a 0, o fez sob um coro de vaias do Morumbi, em São Paulo. Estamos falando, afinal, de um país acostumado a vencer que, àquela época, não vencia um Mundial desde 1970.
“E aí, quando chegamos a Recife, tudo mudou.” Poderia se tratar só de uma frase caseira do pernambucano Ricardo Rocha, zagueiro daquela Seleção, mas há um porém: todos que viveram aquilo concordam com ela. Foi naquele dia que os jogadores brasileiros fizeram pela primeira vez um gesto que se tornaria característico: entrar em campo com as mãos dadas. A vitória por 6 a 0 sobre a mesma Bolívia, num estádio do Arruda lotado de gente e de energia positiva, é apontada unanimemente como o ponto de inflexão na busca do Brasil por seu quarto título mundial no ano seguinte, nos Estados Unidos, e se tornou o melhor exemplo da receptividade pela qual o estado do Nordeste é famoso – tanto com relação à Seleção quanto quem quer que vá visitar suas belas praias.
Pois, apesar de ter jogado em Recife apenas até os 22 anos – no pequeno Santo Amaro e, depois, no Santa Cruz -, Ricardo Rocha nunca deixou de ter sua imagem associada a Pernambuco; de ser um embaixador legítimo do estado no futebol. Até hoje Ricardo tem sua casa em Recife e, ao FIFA.com, explica bem o que a capital pernambucana e sua paixão animada pelo esporte têm de tão especial:
Apesar de não ter atuado no futebol profissional de Pernambuco durante muito tempo, sua figura é tremendamente associada com Recife. O que você, como conhecedor da cidade, recomendaria a quem vem de fora?
Olha, acho que, no geral, são poucos os que têm tanto orgulho de seu estado quanto os pernambucanos. E, vou dizer, não é à toa. (risos) Isto é uma maravilha: têm praias lindas – Porto de Galinhas, que é uma beleza de lugar turístico; a praia dos Carneiros... E ainda muita história: a cidade de Olinda, que é uma joia; o centro de Recife, com o marco zero; toda a história da herança dos holandeses na cidade.
A torcida pernambucana também é famosa por ser das mais apaixonadas pela Seleção Brasileira. É verdade mesmo?
Sem nenhuma dúvida. Sempre que a Seleção vem jogar aqui, todo mundo adora. É um dos lugares mais animados, não só na hora do jogo, mas quanto a tudo que envolve um jogo. Fica sempre um ambiente acolhedor e isso faz diferença, o time se sente à vontade. Eu já falei: a final da Copa do Mundo deveria ser em Recife. Mas desde que o Brasil esteja nela. (risos)
E você participou do episódio mais famoso dessa receptividade pernambucana: o Brasil 6 x 0 Bolívia nas eliminatórias para a Copa do Mundo da FIFA em 1993. Quanta diferença fez a torcida naquele dia?
Só de lembrar eu arrepio. Lembro exatamente daquela cena: a gente entrando no campo, um barulho e uma energia incrível. Aquilo contagia. Basta ver que, após o primeiro tempo, estava 5 x 0 para nós. A torcida foi fundamental. E, na verdade, já havia sido: contra o Paraguai na Copa América de 1989, por exemplo, foi a mesma coisa. Nós nos sentimos tão gratos que, depois de ter sido campeões do mundo, convencemos o pessoal a mudar a rota do voo fretado da volta: em vez de descer diretamente em Brasília, que parassem em Recife. Todo mundo queria agradecer aos pernambucanos pelo apoio naquele momento, que significou a grande virada para o Brasil: de estar em crise, sob críticas, para embalar até virar campeão do mundo.
Como essa paixão se reflete na rivalidade entre os clubes?
Se você pensar nas rivalidades entre clubes no Brasil, quase sempre vai falar de duas grandes equipes na mesma cidade – Atlético Mineiro contra Cruzeiro; Grêmio contra Internacional, etc. Com exceção de São Paulo e Rio de Janeiro, que são enormes, no geral é assim. Mas Recife tem essa característica interessante de ter três times fortes e de torcidas enormes e apaixonadas. Então, é sempre difícil fazer alguma coisa que envolve os três, porque é história demais. (risos) Entre Náutico e Santa Cruz ainda pode haver algum tipo de parceria, mas quando entra o Sport a coisa fica complicada.
Mas qual é a rivalidade mais acirrada?
A rivalidade mais acirrada é essa: todo mundo contra o Sport. (risos) Falo brincando, mas tem um lado de verdade, até porque nas últimas décadas eles foram campeões brasileiros, da Copa do Brasil, além de dominar o Campeonato Pernambucano. Nos últimos 20 estaduais, eles ganharam 12. Esse sucesso acaba os colocando numa posição diferente.
Você acha que a construção da Arena Pernambuco pode ajudar a desenvolver o futebol do estado?
Muito. A arena ficou linda demais. E, mais do que isso, foi uma ideia genial: o fato de tirar o projeto do centro de Recife e levar para uma região que não era urbanizada. Aquilo vai se tornar literalmente uma nova cidade, com todas as moradias que serão construídas. Foi uma mudança de estratégia muito interessante e que vai trazer muito bem para Pernambuco. E não só para o futebol: para a vida.