Às vésperas da estreia no Campeonato Brasileiro, poucas pessoas têm tantos motivos para sorrir em São Januário como Baiano. O volante de 20 anos, apesar da personalidade introvertida e de ainda estar buscando seu espaço entre os profissionais, está "todo feliz, todo bobo", como definiu Cássio Barros, ex-lateral-esquerdo do Vasco que treinava o jogador no infantil até o fim de 2011. De lá para cá, sem clichê algum, tudo mudou na vida de Fabrício Santos de Jesus. A começar pelo nome. "Gato" assumido no início do ano passado, Baiano deixou de ser Heitor, saiu do infantil praticamente direto para o profissional, refez os ligamentos do joelho, ficou sem contrato, assinou novo contrato, mudou de casa e, finalmente, retomou a vida de Fabrício Santos de Jesus, aquela que deixou para trás quando saiu de Camacan, na Bahia.
A história do garoto que chegou, em 2007, "magrelo, magricelo, só tinha pernas compridas" - na descrição da lembrança do técnico Cássio, hoje no juvenil do Vasco - começou a mudar com a conquista do Campeonato Sul-Americano sub-15 no Uruguai. Na geração de cinco vascaínos - que tinha Mosquito, Foguete, dois que já deixaram o Vasco, além de Índio e Danilo -, Baiano se destacava tanto que quando voltou do título continental atraiu uma proposta rara entre garotos de tão pouca idade.
Foi outro ex-jogador do Vasco quem viu pela primeira vez o garoto do interior da Bahia esmorecer. Um dos empresários do jogador, junto com Dudu Quintanilha, irmão do ex-volante Luisinho, Bismarck, meia-atacante do time de São Januário e da seleção brasileira na década de 1990, levou uma proposta que, segundo informou o diretor executivo de futebol René Simões, era de 3,5 milhões de euros - cerca de R$ 10 milhões, para o futebol italiano. A notícia, no entanto, fez com que o jogador resolvesse abrir o jogo.
- Fomos até o Baiano, contamos a ele que tinha uma proposta de um grupo de investidores e ele começou a chorar. Disse que não aguentava mais aquilo e nos contou do "gato" - lembra Bismarck, que, junto ao Vasco, cuidou de toda uma nova documentação do jogador.
Morador do antigo alojamento de São Januário, que foi desativado após a transferências dos garotos para o centro de treinamento de Itaguaí, Baiano teve que recomeçar a vida longe da família, sem ninguém por perto. As únicas companhias eram alguns amigos de Vasco, mais os representantes dele.
- Ele é sozinho aqui, né, a mãe dele, a família, todos continuam na cidade dele. Queremos até trazer a mãe para cá, mas ainda não foi possível. Nos fins de semana, ele ia para minha casa, ficava na piscina, curtia uma praia - conta Dudu Quintanilha.
Até um contrato da Nike, fornecedora de material esportivo, Baiano já tinha com apenas 15 anos - que, na verdade, já era 19. Agora, na vitrine do profissional do Vasco, ele já voltou a ser observado pela multinacional americana, embora ainda não tenha nada assinado. Mas antes de voltar à vida normal de atleta, ele passou por um novo obstáculo. Poucas semanas depois de regularizar toda sua situação com o clube, com a papelada de jogador, com o serviço militar e até com a Polícia - Baiano teve que assinar confissão de falsidade ideológica na 17ª DP de São Cristóvão -, o jogador foi treinar nos juniores. Era o último ano na categoria sub-20 e restavam poucos meses de contrato. Num dos primeiros treinamentos, quando já chamava a atenção e estava para receber oportunidade do ex-treinador dos juniores Galdino, uma entrada forte colocou novamente sua carreira em risco. Resultado: um rompimento de ligamento cruzado e seis meses fora do futebol. E Baiano ficaria sem contrato pouco tempo depois de revelar a farsa do "gato".
Bismarck, Dudu e Cássio, que até hoje é um melhores amigos de Baiano, teve que pedir para o jogador não largar tudo e ir embora do Vasco. Antes mesmo da lesão, um sentimento já passava pela cabeça do jogador vascaíno.
- Ele tinha vergonha do que fez. Queria ir embora e vivia me pedindo desculpas - lembra Cássio, que vê um futuro promissor para Baiano.
- Ele não sentiu muita diferença do infantil para os juniores, tinha o mesmo desempenho. Isso já chamou a atenção. Por ser forte, ter passada larga e bom passe, ele toma conta ali do meio de campo. Tem uma capacidade física impressionante - diz o ex-técnico de Baiano.
Com 75 kg em 1.76m, Baiano hoje é um dos atletas mais fortes do elenco principal. Desde que assumiu a falsa identidade, ele teve acompanhamento psicológico e fez todo o tratamento fisioterápico no Vasco, além de um complemento à parte. O bom padrão físico o ajudou na recuperação. A musculatura começou a ser desenvolvida ainda no infantil. A diferença do jogador - mais velho que a maioria em quatro anos à época - para os adversários de outros times começou a ficar cada dia mais notável.
- Quando a gente pegava time pequeno, que geralmente são menos preparados, a diferença ficava absurda. O pessoal dos outros times reclamava - conta Cássio.
Recuperado da lesão no início deste ano, Baiano passou a ser observado pelo profissional. Foi chamado para compor o grupo e já viajou para Juiz de Fora, na intertemporada, e agora segue dentro do plantel para o Campeonato Brasileiro. "Adotado" pelo volante Sandro Silva, titular da posição, o jogador já impressiona nos treinamentos. Em trombadas, acaba levando a melhor até com os mais experientes. Outro dia, em dividida com Carlos Alberto, que gosta de usar o corpo no contato direto com adversários, ficou de pé e ouviu uma brincadeira:
- Que é isso?! Você é de madeira?! - brincou o jogador do Vasco.
De carne e osso, com seus 20 anos de idade e o mesmo nome de nascimento que a mãe colocou, Baiano se transformou em exemplo para outros garotos do clube, que passam por tantas dificuldades até chegarem perto do sonho de ganhar o mundo com a bola nos pés. Outro dia, em seu Facebook, ele dizia que não era, mas tentava ser o filho mais perfeito da mãe Lícia. Escreveu também que queria dar o seu sorriso para não deixar a mãe chorar e nem se aborrecer. No dia 17, após um treino em São Januário, com a foto publicada no site do clube, ao efetuar um passe, ele se inspirou numa música:
"Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar no sonho que se tem. Ou que seus planos nunca vão dar certo. Ou que você nunca vai ser alguém...", escreveu Baiano, com um trecho da banda Legião Urbana.
Ainda sem uma chance para estrear, o jogador, depois de tanta coisa que sofreu, não perde a esperança de dias melhores. Como na sequência da música do ex-conjunto de Renato Russo, colocada em sua página pessoal no Facebook:
- Muito bom dia! Ê, chuvinha, é preciso muito mais para estragar meu dia...