Mais de 40 dias após a divulgação de estudos da empresa alemã Schlaich, Bergermann und Partner (SBP), que levou à interdição do Engenhão, a Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (Abece) divulgou na noite desta segunda-feira um novo relatório com análise independente de outra companhia. Segundo a inglesa Building Research Establishment Ltd (BRE), que comparou tanto os dados originais de 2004 dos canadenses quanto dos alemães de 2012, os resultados da Rowan Williams Davies & Irwin Inc. (RWDI), do Canadá, são mais críveis do que os da Wacker, outra alemã contratada pela SBP.
- Em face das considerações efetuadas em nosso relatório, acreditamos mais nos resultados dos testes realizados pela RWDI 2004 do que nos resultados dos testes realizados pela Wacker 2012 - diz um trecho do relatório da BRE, ao qual o GLOBOESPORTE.COM teve acesso.
Em 25 páginas, os ingleses põem em dúvida o estudo realizado pelos alemães e que serviu de motivo para a interdição do Engenhão pela prefeitura do Rio de Janeiro. A Abece pede a revisão do relatório da SBP, "considerando-se agora as matrizes de ações devidas ao vento determinadas pelo laboratório canadense RWDI e certificadas pela empresa britânica BRE". A associação brasileira ainda recomenda que sejam seguidos os preceitos do Manual de Manutenção elaborado pelo projetista Flavio D´Alambert, da Alpha Projetos, e pelo Consórcio Engenhão, formado pela Odebrecht e OAS.
Procurado pelo GLOBOESPORTE.COM, o projetista da cobertura se mostrou "ainda mais tranquilo" com o resultado dos estudos dos ingleses, que reavaliaram todas informações dos alemães e dos canadeneses. Na nota, o presidente da empresa RWDI, Anton Davies, do Canadá, reforça que "se o relatório fosse emitido nos dias de hoje, as informações seriam exatamente as mesmas". A nota da Abece ressalta que a tecnologia do túnel de vento foi criada no Canadá com vários dos atuais integrantes da RWDI.
O grande ponto de divergência entre os dois cálculos diz respeito à segurança da estrutura em caso de ventos muito fortes no Rio de Janeiro. Segundo a RWDI, haveria riscos - mas não de colapso - apenas em casos de ventos acima de 115 km/h. O parecer da SBP, no entanto, aponta que já há perigo se os ventos atingirem 63 km/h. Para D´Alambert, o novo relatório deixa clara a falha de avaliação dos alemães. Inclusive, ele cita ventos tão fortes quanto os desta segunda-feira no Rio, que atingiram 90 km/h, sem qualquer registro de dano no Engenhão.
- Fica claro que houve grande equívoco na avaliação da ação do vento, comprovado pelo relatório da certificadora inglesa. Na prática havia algo estranho, pois em pesquisa constatei uma média de 40 eventos anuais com ventos de rajada superiores a 60 km/h, sendo que nos últimos 90 dias foram seis casos na cidade do Rio de Janeiro, tendo no dia 9 de março sido registrado 106 km/hora e no dia de hoje (segunda-feira) 96 km/h. Portanto a conclusão de que o vento considerado no projeto original estava errado não tem fundamento teórico e tampouco prático - diz o projetista da cobertura do Engenhão.
Os ingleses da BRE estimam que houve problemas no relatório desenvolvido pelos alemães e que acabou sendo suficiente para fechar o Engenhão.
"Os resultados deste exercício sugerem que deve ter havido algo errado no método de correlação usado pela Wacker. 1) As cargas da Wacker parecem não ter sido corretamente distribuídas sobre toda a área da cobertura do estádio; 2) A análise da RWDI levou em conta o efeito do vento direcionalmente, enquanto a análise da Wacker não o fez; 3) Um limiar de carga não especificado (e na minha opinião injustificado) foi adicionado aos resultados dos testes da Wacker. Por isso não é surpresa ocorrerem grandes diferenças nos limites de vento", diz outro trecho do estudo inglês.
A BRE não concorda integralmente com o que foi apresentado pelo estudo inicial canadense, mas é sempre mais incisiva nas críticas quando fala da Wacker.
"Tenho um questionamento secundário sobre o relativamente menor modelo em escala usado no teste da RWDI. No que diz respeito ao teste da Wacker, tenho preocupações mais significativas. Falo sobre o fato de o modelo não ter sido testado com os prédios do entorno posicionados", relata outra parte do estudo inglês, referindo-se às maquetes testadas em túnel de vento por canadenses e alemães.
Na abertura do estádio, um Manual de Inspeção e Manutenção foi entregue para uma série de recomendações e pedidos de observação do desempenho da estrutura da cobertura do Engenhão. Em todos itens, havia um pedido de que qualquer percepção de problema o projetista Flavio D´Alambert deveria ser contactado. Porém, isso nunca aconteceu.
- Nunca tive nenhuma solicitação de análise de problemas na estrutura - diz D´Alambert.
Pressa na construção
Apesar de garantir a segurança da estrutura do estádio, o projetista da cobertura admitiu, recentemente, em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, que o estádio foi concluído com o prazo apertado para uso dos jogos Pan-Americanos de 2007.
- A pressa é inimiga da perfeição. Apesar de terem sido tomados todos os cuidados necessários, o ideal era que houvesse um prazo maior para a construção do estádio. O consórcio, quando houve a troca (da Delta para a dupla OAS/Odebrecht), só tinha mais quatro ou cinco meses para entrega - disse D´Alambert no dia 27 de março deste ano, após a interdição do estádio.
Confira, abaixo, a íntegra da carta aberta da Abece.