Carlos Alberto Lancetta foi muito franco nesta entrevista. Critica dirigentes e clubes que fizeram Botafogo, Flamengo e Fluminense largarem o Atletismo; e critica políticos que querem a demolição do Estádio Célio de Barros. Também critica o continuísmo político em federações e confederações esportivas. Leia abaixo.
ER: Pode nos contar um pouco de sua tragetória até assumir a presidência da Federação de Atletismo do Estado do Rio de Janeiro?
CAL: Fui atleta de 1962 à 1972. Competi pelo Bangu Atlético Clube, pelo Botafogo de Futebol e Regatas e pelo Grêmio Esportivo Arte e Instrução, onde comecei a minha carreira de técnico após ter concluído o curso de Educação Física. Participei como técnico olímpico em Montreal 1976 e Moscou 1980. Participei ainda de três Campeonatos Mundiais (Düsseldorf 1977, Cidade do México 1979 e Roma 1981), além de participar também como técnico brasileiro em três Universíades (Sófia 1977, Cidade do México 1979 e Bucareste 1981). Ainda como terinador fui heptacampeão brasileiro como técnico chefe da equipe da A. A. U. Gama Filho. Assumi a presidência da FARJ em Janeiro de 2005 e atualmente estou iniciando o terceiro e último mandato porque sou radicalmente contra o continuísmo nas entidades de administração esportiva.
ER: Como você vê hoje o Atletismo no Rio?
CAL: Vejo-o em estado desesperador. Os governos federal, estadual e municipal não entendem absolutamente nada sobre políticas públicas para o esporte. O maior exemplo disto é a demolição do único estádio de atletismo do nosso estado (estádio Célio de Barros) e a impossibilidade de utilização do estádio Olímpico João Havelange para a prática do Atletismo.
ER: Quase não se houve falar em Atletismo no interior do estado. Há pistas no interior? Como é o desenvolvimento dos atletas no interior?
CAL: São muito poucas. A FARJ, através do Projeto Circuito Fluminense de Corrida Rústica e Caminhada, tenta levar o atletismo à cidades do interior do nosso estado. Estamos na terceira edição do projeto. No primeiro momento beneficiamos dez cidades do interior, no segundo momento doze cidades e este ano pretendemos finalizar atendendo a quinze cidades do interior. De que consta o projeto? De capacitação dos professores da municipalidade; de competição de crianças da rede municipal; de caminhada para pessoas da 3ª idade; de Corrida Rústica para toda a população local e entorno.
ER: Há muitos corredores de rua no Rio de Janeiro mas a grande maioria é amadora. Como levar os jovens corredores para o esporte?
CAL: Através de iniciativas voltadas para a prática do atletismo através das unidades escolares. A prática de todos os esportes começa nas escolas.
ER: Há algum saudosismo da época em que os clubes de futebol eram fortes no esporte?
CAL: Sim. Eu mesmo sou produto disto. Comecei no Bangu e competi durante quase 10 anos pelo Botafogo de Futebol e Regatas, que me propiciou bolsa de estudo, assistência médica, odontológica e pequena ajuda financeira.
ER: O Atletismo é o esporte que mais dá medalhas olímpicas. Mesmo assim, os chamados clubes olímpicos do Rio, abandonaram o Atletismo para investir em outros esportes que dão menos ouros. Referimo-nos principalmente aos clubes de futebol e ao Tijuca Tênis Clube. Como a FARJ vê isso?
CAL: A FARJ foi fundada em 1938 e tem como clubes fundadores o Vasco da Gama, Botafogo, Flamengo, Fluminense e o América, todos times de camisa e lamentavelmente hoje, só o Clube de Regatas do Vasco da Gama se mantém filiado.
ER: Existe algum projeto de trazer Botafogo, Flamengo e Fluminense de volta ao esporte? Há conversas com os dirigentes destes clubes?
CAL: Não, pelo contrário. O Botafogo de Futebol e Regatas se desfiliou na gestão do presidente Bebeto de Freitas; o Flamengo na gestão da presidente Patrícia Amorim; e o Fluminense na gestão do esporte amador do professor René Machado. Todos estes são oriundos do esporte amador e conhecem profundamente a necessidade de apoio técnico e financeiro ao esporte de base que tem em disputa nos Jogos Olímpicos 141 medalhas.
ER: O Vasco da Gama tem um projeto de construir uma Arena em Sâo Januário, o Flamengo quer revitalizar toda sua sede na Gávea e o Fluminense estuda projetos sobre o que fazer com seu estádio de futebol depois que seu Centro de Treinamento ficar pronto. A FARJ está atenta a estas mudanças? Perguntamos isso, pois seria uma forma das pistas de atletismo serem reconstruídas nestas clubes...
CAL: Estamos atentos a tudo que se refere ao atletismo, porém descrentes com os nossos dirigentes e políticos e desportivos (COB e CBAt).
ER: Após os Jogos Pan-Americanos de 2007, o Botafogo arrendou o Engenhão e praticamente fechou as instalações de Atletismo para atletas. A FARJ solicitou e solicita as instalações do Botafogo para treino dos atletas ou nunca houve esta tentativa?
CAL: Sim, na época o então prefeito César Maia ofereceu à CBAt, para a instalação de um Centro Nacional de Treinamento, a pista externa do Engenhão, e na ocasião o então presidente da CBAt, Roberto Gesta de Melo, disse a ele que não havia interesse por falta de recursos financeiros para a manutenção. Pasmem: na ocasião, na confederação circulavam recursos em torno de R$ 18 milhões por ano!
ER: Quando o Botafogo alugou o Engenhão, houve um movimento interno do clube e até externo para que o Botafogo votasse a ter escolinha e time de Atletismo mas não foi para frente. O clube alegou que seria muito custoso. Contratar técnicos e professores já tendo todo o material de treinamento é tão caro assim?
CAL: Sim, mas lamentavelmente, tanto o presidente Bebeto de Freitas, como o presidente Mauricio Assumpção, não deram a devida atenção aos pedidos do Departamento de Esporte Amador do Clube. Participamos de algumas reuniões com os dirigentes anteriores e mais recentemente com o professor Miguel Ângelo da Luz.
ER: Quem se destaca no Atletismo do Rio acaba se transferindo para São Paulo para equipes com patrocinadores mais fortes que brigam pelo título do Troféu Brasil. O que se pode fazer para manter estes atletas no Rio?
CAL: Sim, o Rio de Janeiro é sem dúvida o maior celeiro de atletas de velocidade e saltos do nosso país. Porém aqui não temos as condições necessárias para mantê-los. Lei da oferta e da procura. Quem dá mais leva o atleta de melhor qualidade.
12) A Prefeitura do Rio promete construir um novo estádio de Atletismo no lugar do Célio de Barros. A FARJ acredita nisso? No caso do Autódromo, até hoje a nova pista não saiu do papel e a antiga foi demolida...
CAL: Não acredito em nada que seja prometido pelos governantes atuais. O nosso governador Sergio Cabral prometeu-nos que o Célio de Barros não seria demolido para posteriormente afirmar que se isso acontecesse primeiramente seria construído um novo estádio e agora surpreendentemente o secretário da Casa Civil, Régis Fischer, disse que a empresa vencedora da licitação do Maracanã se obrigará a construir o novo estádio num prazo de 30 meses. Portanto, somente em março de 2016 é que teremos supostamente um espaço para treinamento e competições na cidade Olímpica do Rio de Janeiro. Parabéns aos nobres governantes pelo arrojado planejamento estratégico elaborado para o esporte de nossa cidade. Parabéns também ao COB e à CBAt pela conivência de aceitar passivamente tamanho absurdo.
ER: Existe alguma chance do Célio de Barros ser poupado?
CAL: A única chance prometida pelo secretário da Casa Civil Regis Fischer, através do atual secretário de Esporte e Lazer André Lazaroni, é que possamos retirar todo o nosso material de treinamento e competição antes de que o estádio seja implodido (cabe ressaltar que possuímos no interior do Célio de Barros equipamentos com valor estimado de aproximadamente 1 milhão de reais, adquiridos pelo governo federal por ocasião do Pan-americano de 2007, que foram repassados pelo COB à CBAt e que eu Carlos Alberto Lancetta – presidente da FARJ - sou o fiel depositário).
ER: Como é a relação da FARJ com a Confederação Brasileira de Atletismo?
CAL: Atualmente muito boa. De janeiro para cá, porém sempre fiz questão de ser oposição aos 27 anos de ditadura do então antigo presidente. Sou radicalmente contrário ao nepotismo, ao corporativismo e a favorecimentos outros que sempre resultavam no aliciamento das federações nas assembléias promovidas pela confederação. Por tudo isso nunca fiz parte do clã (feudo) governante, embora tenha sido treinador olímpico, atleta de destaque e administrador esportivo com sucesso.
ER: Os governos Federal, Estadual e Municipal, têm feito algo pelo Atletismo do Rio visando as Olimpíadas de 2016?
CAL: Não, absolutamente nada. E o exemplo disso é o tratamento que está sendo dado ao atletismo no primeiro ano do ciclo olímpico para 2016.
ER: Deseja deixar um recado final?
CAL: Lamentar que infelizmente faremos festa, no atletismo, para que atletas de outros países sejam beneficiados através de conquistas nas competições que terão em disputa 141 medalhas olímpicas.
Fonte: Blog Esporte Rio