Da primeira explosão à despedida ao lado de Zico, Roberto Dinamite fez história no Maracanã. Segundo maior artilheiro do estádio, atrás apenas do Galinho, o hoje presidente do clube de São Januário traçou com gols seu caminho no futebol. Fez cinco na vitória vascaína por 5 a 2 sobre o Corinthians, em 1980, logo após voltar de passagem frustrante pelo Barcelona; marcou 27 vezes em 27 jogos diante do Flamengo; é o principal goleador de todos os tempos do Campeonato Brasileiro; e assinou pinturas como o gol que marcou nos 2 a 1 sobre o Botafogo em 1976, após dar lençol em Osmar. Lance que ele admite: ‘Se botar para repetir, não vou fazer’.
O DIA: O que você lembra daquele Vasco 5 a 2 sobre o Corinthians em 1980?
Roberto Dinamite: O Corinthians tinha Sócrates, Caçapava, Wladimir, Amaral, que era da Seleção. Na minha cabeça não tinha nem como pensar. Voltar (do Barcelona) no Maracanã, primeiro jogo, 5 a 2, cinco gols... E lembro que teve preliminar Flamengo e Bangu, e a torcida do Flamengo foi para o lado da do Corinthians. Acho que o Corinthians fez 1 a 0. Fizemos um, dois, três, quatro... Aí teve gol de pênalti do Sócrates... É aquele dia que (suspiro)... Nem que você acorde e pense: ‘Hoje vai ser’. Mesma coisa esse lance (aponta para foto do lençol em Osmar, do Botafogo, em 1976). Se me botar para repetir com qualquer jogador, não vou fazer.
Qual é o seu grande momento no Maracanã?
Foram vários. Joguei júnior, juvenil no Maracanã, mas o ponto de partida foi a primeira vez que joguei pelo profissional contra o Internacional. Desse jogo que surgiu o apelido Dinamite. Fiz um gol com um chute forte de fora da área, e o Jornal dos Sports deu: ‘Garoto-Dinamite explodiu’. Gols marcantes de início de carreira, de uma vitória, o lençol (no Osmar), cinco gols no Corinthians... É uma história legal. Está aí, viva. Comecei ali no juvenil e encerrei ali, aos 38. O grande momento para mim, como centroavante, goleador, que é único, de alegria, é a reação, quando saio em direção à torcida. A explosão de alegria minha e do torcedor do Vasco no momento de um gol. Foi o que marcou. Eu não era nenhuma Brastemp, não era um jogador tecnicamente do nível de Zico e Reinaldo, mas eu fazia gol.
Quando fez o gol na estreia contra o Internacional, era possível prever o que vinha pela frente?
Não. As pessoas que me viram criança jamais projetariam algo no futebol para mim. Tive problemas de saúde. Mas antes de eu nascer já estava acontecendo uma história. Meu pai conheceu a minha mãe na beira de um campo de futebol. Minha mãe era torcedora de um time, e meu pai era goleiro do outro. Tem alguma coisa a ver. Cada um tem uma missão, e a minha era jogar futebol. O Maracanã para mim era sempre novo. O ritual era o mesmo. Antes do jogo ficava no Setor 4, depois ia para o vestiário, fazia aquecimento, massagem, vinha o momento de entrar, boca do túnel, cada um fala uma mensagem... Mas para mim cada jogo era uma coisa nova.
Qual era o seu adversário favorito?
Clássico Vasco x Fluminense, por exemplo, a gente perdia mais. A gente só foi superar isso nos anos 1990. Eu já estava encerrando e as outras gerações conseguiram melhorar isso. Acho que fui o jogador que mais jogou Vasco x Flamengo e que mais gols fez (27 jogos e 27 gols). O Botafogo era o contrário do Fluminense. A gente jogava mal, daqui a pouco fazia um gol e ganhava o jogo. Sou grato por tudo que aconteceu. Eram grandes adversários, tinham grandes equipes. As de 1974, 76 e 77 foram as melhores equipes que eu joguei no Vasco nesses anos todos. Nos anos 1980, em 86 e 87, também joguei em outra grande equipe. Mas conquistei títulos com equipes teoricamente mais fracas, sempre nesse duelo, desde a base até começando no profissional com o Zico. O que ele representava para o Flamengo, eu representava para o Vasco.
O que você gostaria de esquecer?
Esquecer, não. Se for para escolher, vou falar das derrotas. Mas há derrotas que são tão grandes, tão importantes... Lembro de uma na final do Carioca, Vasco e Flamengo, em 1981, o Flamengo tinha aquele time fantástico também. A gente precisava vencer três vezes. Venceu duas. Na terceira, com empate teria prorrogação. Coincidiu com a morte do Coutinho. Fiz gols, um no final, aos 44. Não conquistamos o título, mas teve um sabor tão bom ter calado um pouco a torcida do Flamengo que faz barulho no Maracanã. Está tudo na minha cabeça. Vai ficar até a minha partida aqui dessa terra. Mas posso dizer que tive muito mais coisas positivas do que negativas. Sou muito grato ao Vasco e ao Maracanã por ter jogado, crescido ali e chegado a essa condição de jogador, de ídolo e de artilheiro.
Do que você sente saudade do Maracanã?
Do Maracanã com mais de 100 mil pessoas e eu marcar um gol numa partida importante, de conquista, ou num jogo que fica gravado na sua cabeça e na do torcedor. Aquela coisa do dever cumprido. Fiz, e fiz bem. Isso me dá orgulho e com certeza para a minha família e os meus amigos vai ficar que fiz parte da história desse Maracanã. Isso ninguém tira. Obrigado, Maracanã!
O que você sentiu na despedida no Maracanã contra o La Coruña?
Foi um dia que mexeu muito comigo emocionalmente. Não dormi legal. Tive febre. Fiquei muito para dentro. Meu filho está com 20 anos. Entrei com ele no colo. Foi uma data muito especial. Não pela despedida, mas por ter ao meu lado um cara que foi adversário, rival, me tirava o bicho, e no dia estava ali de forma especial, vestindo a camisa do maior rival dele, mas num gesto de grandeza. O Maracanã me proporcionou isso. Eu o admirava, mas isso me dava forças para tentar vencer o time dele. Nunca precisei falar mal do Zico para a gente ter ali 100 mil pessoas.
Como foi fazer esse convite para o Zico?
Eu só vestiria a camisa do Flamengo dentro de uma situação dessa. Isso mostra a grandeza do homem, do atleta, do chefe de família. Nós temos que saber separar um pouco e ao mesmo tempo mostrar essa grandeza de ser humano que é o Zico. Ninguém foi mais adversário e ninguém lutou mais pelo sucesso dos nossos clubes do que nós dois, desde as categorias de base. Mas nem por isso nos tornamos inimigos e violentos.
Como deputado, como você tem acompanhado a obra do Maracanã?
Eu faço parte da Comissão de Esporte da Assembleia. Acho que a história do Maracanã vai estar dentro de cada um de nós. É um monumento que está ali, de cimento, mas que pulsa. Mas hoje o torcedor brasileiro precisa ter um estádio em condições de atendê-lo melhor. Acho, como deputado, que é um custo alto, bastante elevado. Mas acho que ficou ainda um pouco da paixão desse Maracanã, que vai estar com uma roupagem nova, mas alguma coisa do antigo vai ter. O Brasil merecia o Maracanã e os outros estádios.