A postura tranquila de Paulo Autuori, tanto à beira do campo quanto nos treinamentos que comanda, contrasta com seus posicionamentos contundentes acerca da realidade do futebol brasileiro. Com quase 38 anos de experiência, o treinador do Vasco se sente seguro para propor uma nova maneira de pensar o futebol cruz-maltino e o esporte como um todo.
Em entrevista exclusiva realizada pelo site do Vasco após o treino do último sábado (07/04), no CEFAN,no ar na VascoTV desta terça-feira(09), às 23h no Esporte Interativo, Paulo Autuori fez um balanço da carreira, deu opiniões sobre diversos assuntos e sintetizou: precisamos transformar a realidade do Gigante da Colina.
Nascido no Rio de Janeiro, Autuori começou a carreira na Portuguesa da Ilha do Governador. As primeiras chances como técnico vieram em Portugal, no final da década de 1980. A partir daí, o treinador rodou o mundo: entre idas e vindas do Brasil, passou também por Peru, Japão e Qatar. O trabalho gerou frutos e um currículo invejável, com dois títulos de Libertadores, um Mundial, um Brasileiro, Campeonato Peruano, dentre outros. Mesmo assim, motivação não falta.
- O que fiz já passou, preciso continuar fazendo. Tenho muito a provar ainda, não para os outros, mas para mim mesmo. Agora me vejo com um grande compromisso pela frente. A cada dia que posso viver, me sinto obrigado a terminá-lo melhor do que acordei, como ser humano e profissional. E essa vontade que me faz estar sempre motivado e nunca me acomodar.
Cidadão do mundo, Autuori relatou que jamais teve problemas por ser um treinador brasileiro atuando em outros países. Por isso, acredita que a vinda de pessoas de outros locais poderia ser benéfica para o futebol tupiniquim.
- Competência não tem nacionalidade. Não podemos fechar a porta para treinadores estrangeiros. Nós somos melhores treinadores? Não somos, quem é que julga isso? Vários técnicos estrangeiros estiveram aqui no passado e fizeram excelentes trabalhos.
É comum no futebol brasileiro o emprego de um vocabulário típico. Expressões como “fechar a casinha” e “encaixar a marcação”, além do emprego do vocativo “professor” para chamar os técnicos fazem parte do cotidiano do mundo da bola. Saindo do lugar comum, o treinador do Vasco pediu, já no seu primeiro dia de trabalho, para não ser chamado de professor, por conta de certa vulgarização da nobre profissão e do valor que deve ser dado às pessoas pelo que são, e não pelo título que carregam.
- Com relação a “encaixar a marcação” e “fechar a casinha”, me posiciono contra porque nós paramos um pouco no tempo, por acharmos que já sabemos tudo. E paramos de fazer coisas que taticamente o futebol brasileiro sempre fez, como marcação a zona, apoios, coberturas. Estamos descaracterizando o futebol brasileiro. Prova disso é a falta de meias e laterais, que sempre tivemos em abundância. Isso tem a ver com a formação dos atletas.
Do alto dos seus 56 anos, boa parte deles vividos no meio futebolístico, Autuori fala com saudade de um tempo em que os jogadores eram formados nas ruas, disputando as tradicionais peladas. Romântico, credita a falta de criatividade geral do futebol brasileiro ao fim do jogo nos campos baldios e espaços improvisados, marca do esporte bretão na nossa terra.
- É na chamada golden age, entre 6 e 12 anos, que nós desenvolvemos o espírito do jogador. Infelizmente o futebol de rua acabou. Era ali que se desenvolvia o gosto pelos gols. As partidas terminavam em 12, quer dizer, tinha que fazer gol. Não tinha juiz, então você tinha que dialogar e não podia afinar, existia rivalidade. Era ali que se fazia o espírito. E nessa idade hoje em dia, os jogadores vão pra academia fazer parte física. Isso não existe, o futebol tem que ser lúdico.
Com uma visão de mundo muito clara e objetiva, Autuori acredita que o Vasco precisa desenvolver seu futebol com integração dos mais jovens a equipe profissional, da mesma maneira que grandes equipes do futebol europeu tem feito, notadamente o Barcelona. Ao lado de René Simões, diretor executivo de futebol e Ricardo Gomes, diretor técnico, o treinador será peça chave nesse processo. Sobre o atual momento do Vasco, ele é taxativo:
- Precisamos viver e transformar a realidade desse clube. Ninguém vive de esperança. Conheço e respeito a história do Vasco, e amelhor maneira de mostrar isso é ser franco nas horas de dificuldade. Vamos encará-las de frente e saber que esses momentos turbulentos vão passar, o importante é criar uma estabilidade. E isso será feito.
Autuori prefere não estipular prazos para que seu trabalho dê frutos. Acredita que esta prática foi uma das responsáveis pelo atraso do futebol carioca em relação a outras praças, principalmente em termos estruturais. Seu desejo é discutir os conceitos usados no futebol vascaíno, uma nova visão para o esporte. E, sobretudo, dar alegrias a imensa torcida bem feliz.
Fonte: Site oficial do Vasco