VP de Relações Especializadas, João Ernesto fala sobre a 'Resposta Histórica'

Terça-feira, 09/04/2013 - 12:41

Em entrevista ao programa Caldeirão Vascaíno, o vice-presidente do Departamento de Relações Especializadas, João Ernesto da Costa Ferreira falou sobre a Resposta Histórica, documento enviado pelo Vasco à Federação de Futebol do Rio de Janeiro a época (AMEA) se recusando a excluir doze atletas negros da equipe vascaína:

“É a mais bela história que um clube possui. Quando me perguntam, quando as pessoas descobrem que o meu segmento no clube é o patrimônio histórico, e logo vem a mente do vascaíno a nossa linda e riquíssima sala de troféus, vez por outra, quando estou na sala de troféus me pergunta quais são os mais belos troféus do Vasco na minha opinião. Então eu costumo dizer, que são dois: a Resposta Histórica de 1924 e o próprio Estádio de São Januário. Por tudo aquilo que eles representaram para o clube e para o vascaíno. Foram dois momentos determinante na consolidação da grandeza do Vasco. Todos sabem que o Vasco, embora tenha sido fundado inicialmente para a prática do remo, por volta de 1915 os associados vascaínos clamavam pela criação de um departamento de esportes terrestres, de futebol propriamente dito, que era um esporte emergente e permeava toda sociedade carioca, toda sociedade brasileira e atraia cada vez mais público para os seus jogos. E esse departamento foi criado no final do ano de 1915, e em 1916 o Vasco já participava de competições oficiais. Primeiramente na 3ª divisão e logo após subiu a 2ª divisão e nela ficou até 1922, quando ganhamos o campeonato da cidade do Rio de Janeiro da 2ª divisão, e obviamente com isso, ascendemos a 1ª divisão em 1923. E em 1923, a maneira como o Vasco ganhou o campeonato, a forma avassaladora de como o Vasco ganhou o campeonato, foi realmente uma mudança de paradigma na maneira de se ver futebol no Rio de Janeiro e consequentemente no Brasil, até porque era a capital federal. O torcedor vascaíno, em sua essência comerciantes e oriundos da colônia portuguesa, eles onde o Vasco fosse a multidão ia atrás. Se o Vasco jogasse no campo do Botafogo, era estádio cheio. Se o Vasco jogasse no campo do Andaraí, era estádio cheio. Se o Vasco jogasse no campo do Bangu, na antiga Rua Ferrer, era estádio cheio. Então as pessoas perguntavam: Que clube é esse? Que pessoas são essas que tomavam de assalto os estádios? Que paixão é essa? E obviamente, era de se esperar, que para um clube que mesclava nas suas equipes elementos da cor branca, negros, mulatos e muitos jogadores vindos das equipes do subúrbio. O próprio goleiro vascaíno a época, Nelson, veio do Engenho de Dentro. O Vasco foi pegar jogadores em Bangu. Então todos se perguntavam que clube era aquele, que se apresentava daquela forma, com aquela pujança. E o Vasco ganha o campeonato de 23 daquela forma espetacular. E isso obviamente suscitou a inveja dos demais clubes. Especialmente os clubes que tinham um viés elitista, fossem eles da Zona Norte ou da Zona Sul. E só havia uma maneira de frear aquela avalanche esportiva que se materializava na cidade do Rio de Janeiro. Então foi criada uma nova federação, a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA) e o Vasco foi convidado a participar. Mas apenas ao Vasco foi imposto uma restrição de que se eliminasse 12 de seus atletas que supostamente tinham ocupação duvidosa. Até porque falávamos de um tempo de amadorismo, ainda que esse amadorismo fosse marrom, ainda que todos soubessem que todos os clubes pagavam aos seus atletas, essa implicância se aplicava apenas ao Vasco. Um clube de colônia, um clube que foi campeão pela primeira vez no Rio de Janeiro possuindo jogadores negros em suas fileiras, e não era só um. Então esse clube extremamente popular não era bem visto pelos elitistas. E essa tentativa de alijar o Vasco do torneio, teve como resposta uma das mais belas páginas da história deste país. Aquilo foi um exemplo dado a sociedade brasileira. Eu ouso dizer que o esporte nunca mais foi o mesmo a partir daquela resposta. Aquela resposta mostrou ao mundo do que eram feitos os vascaínos, a mistura entre portugueses e brasileiros, brancos e negros, letrados e analfabetos. Essa liga, essa massa vascaína mostrou do que eram capazes de fazer. E enfrentaram aquela imposição absurda com uma única carta, uma carta que é um verdadeiro troféu. Ela é um exemplo de concisão, de beleza, de firmeza. Ali mostra o caráter da gente vascaína. Eu sou capaz de afirmar, que toda vez que leio esta carta eu me emociono. Eu me emociono porque eu penso na reunião daquelas pessoas que se sentiram ultrajadas com aquela imposição e a decisão firme de combater essa situação, e a decisão foi materializada na forma de uma carta, uma folha de papel com alguns poucos parágrafos e assinada pelo presidente José Augusto Prestes. O meu avô era de 1896 e faleceu em 1993, até os últimos momentos dos seus 97 anos de vida, ele falava com um indescritível orgulho desta carta e o desdobramento desta carta que foi a construção de São Januário. Então se eu posso dizer qual foi o primeiro grande troféu do Vasco, foi essa carta. Eu digo isso com o maior orgulho e com o sentimento de gratidão a todos aqueles que idealizaram e foram signatários em pensamento, e eu sempre digo em todos os meus textos a eles: Toda honra e toda glória.”

João Ernesto aproveitou ainda para comentar sobre o ínicio da profissionalização no futebol por parte do Vasco:

“A imposição em 1924 era de que o Vasco retirasse de suas fileiras os 12 atletas que teriam ocupação duvidosa, ou seja, recebiam para jogar. Só que todos os outros clubes tinham jogadores nesta situação. O Fluminense tinha um center-half (defensor) chamado Floriano, que depois foi para o América. Floriano foi campeão em 24 pelo Fluminense e campeão em 28 pelo América e depois veio cair em desgraça, quando disseram que ele teria feito corpo-mole na terceira partida decisiva contra o Vasco em 1929, quando nós fomos campeões. Floriano não era cria do Fluminense, ele veio de Minas Gerais e esses jogadores vinham dos outros clubes para receber mais dinheiro. E obviamente que esse movimento que levou a confecção da Resposta Histórica ele veio ter como desdobramento a profissionalização, ainda que nove anos depois. A institucionalização do profissionalismo no futebol brasileiro em 1933. Todos nós sabemos que o Bangu foi o primeiro campeão da Era Profissional. Só que os clubes todos pagavam a um ou outro jogador, e o problema do Vasco é que também, como escrito na Resposta Histórica, esses jogadores foram julgados num tribunal em que eles não tiveram nem acesso, consequentemente, eles não tiveram nem defesa. Isso é dito de uma forma tão bonita na carta: Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa. Isso é de uma beleza sem igual. Só que eles não contavam com a fibra dos vascaínos. Eles não contavam que naquele ano de 24, em função de não aceitar o convite, o Vasco continuou jogando na liga em que estava, claro que não na companhia dos grandes, mas dos pequenos. Só que o que eles não contavam é que mesmo o Vasco jogando na companhia dos chamados pequenos nesse campeonato da Liga Metropolitana de Esportes Terrestres, as rendas do Vasco, em muito eram superiores a muitos daqueles jogos da liga da AMEA. Eles não contavam que o torcedor vascaíno mesmo com o Vasco jogando contra times pequenos encheria os estádios, e as rendas seriam maiores que alguns clássicos na outra liga. Em 1925, eles reformularam o convite ao Vasco, aboliram as restrições, só que tentaram um novo golpe, o de o Vasco não ter estádio, um campo próprio. E acharam que com esta gelada imposição, os vascaínos iriam sucumbir. Mas eles não sabiam com quem estavam se metendo. Eles não sabiam o que aquela gente era capaz de fazer. Certa vez eu li sobre um discurso de um representante do Governo Português, quando dois pescadores portugueses e vascaínos, salvaram a vida de vários associados vascaínos num episódio conhecido como O Naufrágio da Vascaína, um barco que teve problema na travessia Rio-Niterói e alguns vascaínos acabaram perecendo. Só não morreram todos porque esses portugueses lançaram-se ao mar e resgataram a maior parte dos naufragos vascaínos. E na homenagem que esses dois patrícios receberam dos representantes do Rei de Portugal, com aquela enorme platéia a ouvir foi dito que eles tinham a têmpera de uma raça de heróis e uma raça de heróis não degenera. E eles não contavam com isso. E foi essa gente, que se uniu e não teve ajuda de ninguém para erguer o maior estádio da América do Sul, em abril de 1927.”

Fonte: Ao Vasco Tudo