São Januário, que já foi o maior estádio da América do Sul, hoje sofre com exigências para sediar clássicos

Sábado, 30/03/2013 - 00:24

O torcedor que hoje acompanha as discussões em torno da viabilidade de se realizar clássicos em São Januário talvez perca as referências do que este estádio já representou não só para o futebol brasileiro e sul-americano, mas para a cultura nacional. Cenário de páginas históricas do futebol e da política brasileira, foi palco da antológica exibição de um coral de 40 mil vozes regidas pelo maestro Heitor Villa-Lobos e até do desfile oficial das escolas de samba do carnaval de 1945. Patrimônio do Rio, São Januário viu mudar o público que frequenta estádios de futebol e, com isto, as exigências de segurança. A capacidade de público caiu a mais da metade. A séria crise financeira do Vasco limita investimentos. Tendo embaixo do braço um projeto de uma arena moderna, o clube reluta em pôr dinheiro em obras para atender às exigências de órgãos públicos para liberar mais lugares no estádio.

São Januário nasceu do idealismo e da luta contra o preconceito. Nos anos 1920, como argumento para rejeitar o Vasco na nova liga recém-criada, os demais grandes argumentaram que o rival não tinha estádio em condições. Os vascaínos fizeram o maior da América do Sul. Compraram o terreno em 1925 e inauguraram São Januário em 1927. Nos anos 1940, Getúlio Vargas fazia seus discursos do Dia do Trabalho nas tribunas do estádio. Foi lá que anunciou a Consolidação das Leis do Trabalho, em 1940. Até 1950, com a inauguração do Maracanã, São Januário era a casa da seleção brasileira, como no título Sul-Americano de 1949. Em 1978, um Vasco x Londrina recebeu 40.209 pagantes. Quase 30 anos antes, um jogo contra o Arsenal, da Inglaterra, teria reunido 60 mil. São Januário já foi palco de final de Libertadores, em 1998: 36 mil vascaínos viram o jogo com o Barcelona de Guayaquil.

Mas, no mundo moderno, reunir multidões não era mais tão simples. A prova veio da pior forma. Em 1985, três jovens morreram em tumultos na entrada do show do grupo Menudo, sucesso da época, que teria atraído 130 mil pessoas. Até que, em 2000, na final da Copa João Havelange, o alambrado não resistiu a uma confusão na arquibancada tomada por 32 mil pessoas, embora até hoje se acredite que havia bem mais gente.

Veio o Estatuto do Torcedor, em 2003. Com ele, a exigência de que estádios com mais de 20 mil lugares devessem ter sistema de monitoramento com câmeras, além de assistência médica e número de ambulâncias proporcional ao público. Para não precisar investir no novo aparato, o Vasco baixou a capacidade do estádio para 18 mil lugares. Em 2009, já com o monitoramento instalado, a capacidade foi novamente ampliada para 24 mil lugares. A esta altura, o problema era outro. Num estádio antigo, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros exigem ampliação dos portões, dos túneis de escoamento e outras medidas para liberar uma capacidade de público maior. Em 2011, após tumultos nas fases anteriores da Copa do Brasil, o próprio Vasco limitou a capacidade para a decisão do torneio em 20.500 pessoas. Hoje, São Januário está liberado para 18 mil vascaínos e 2 mil visitantes num setor específico, isolado na arquibancada, abaixo das cabines de rádio.

— Há uma vistoria anual, e, de uns anos para cá, o poder público vem ampliando as exigências. Mas com a questão financeira do Vasco e com o projeto da arena, não tem por que mexer em alguns pontos agora. São coisas que exigem reforma, investimentos — explica Manoel Santos, vice de patrimônio do Vasco. — Em geral, as exigências da polícia e dos bombeiros dizem respeito a acessibilidade, entrada e evacuação do estádio, além de venda de ingressos. Até o monitoramento a nossa gestão encontrou sucateado. Recuperamos, mas precisa ser melhorado também.

Mas nem tudo é culpa só do estádio. Se São Januário tinha de ter mudado mais, o comportamento do público teria de ter mudado menos. Tentativas de clássicos de forte rivalidade com mais de 10% de visitantes resultaram em problemas. Em 1992, com o Maracanã fechado, São Januário recebeu os dois jogos com o Flamengo pelo Estadual. Houve conflitos em ambos, o mais grave na Taça Rio. Agora, a Polícia Militar sinaliza com a possibilidade de clássicos do Brasileiro no estádio. Na competição, ao contrário do Estadual, os clássicos têm mando de campo, e é possível ceder só 10% dos ingressos a visitantes, condição estabelecida pela PM. Caso contrário, num estádio cercado por ruas estreitas e sem uma setorização que permita a divisão meio a meio, seria preciso uma operação de guerra para dar segurança. Mesmo assim, em 2005, um Vasco x Flamengo pelo Brasileiro, com só 10% de rubro-negros, teve tentativa de invasão ao portão onde o ônibus do Flamengo entraria, gás de pimenta e bombas na arquibancada.

Vista aérea de São Januário


O presidente Juscelino Kubitschek desfila em torno do campo de São Januário na comemoração do Dia do Trabalho, em 1957


Fonte: O Globo