Juvenal Juvêncio é durão no comando de seus jogadores, diretores e funcionários de clube. Não à toa é chamado de "ditador" por alguns. Mas ele diz não se importar. O presidente do São Paulo tem orgulho do que chama de "condução à mão de ferro". Nas entrevistas e conversas informais, no entanto, o cartola também expõe um outro lado: o de contador de causos.
Sem revelar a idade, mas beirando os 80 anos, o dirigente esbanja bom humor e dá detalhes dos bastidores das suas passagens nos diferentes cargos que ocupou no Morumbi.
Para justificar a decisão de não trazer de volta Lugano e Josué, dois jogadores consagrados com o uniforme são-paulino, por exemplo, o dirigente lembra o caos que viveu para controlar Adriano, o Imperador. Definindo o atacante como um cara “que pensa melhor com os pés do que com a cabeça”, Juvenal revela, inclusive, que recentemente recebeu uma ligação de Adriano pedindo para voltar ao São Paulo.
O dirigente também trata de polêmicas além dos muros do Morumbi. Ele fala sobre a torcida para que Ricardo Teixeira morresse. Lembra dos pedidos abusivos da Fifa para o Morumbi atender às necessidades da Copa. A conversa cai no tema Itaquerão, estádio do Corinthians que receberá o jogo inaugural do Mundial, honraria que Juvenal queria para a casa tricolor mas que hoje, diz ele, abre mão: "Estou muito feliz de não estar na Copa!"
Confira a segunda parte da entrevista de Juvenal ao UOL Esporte ou acompanhe em vídeo as principais respostas:
UOL Esporte: O Josué disse que queria deixar a Alemanha e voltar para o São Paulo, mas ele acertou com o Atlético-MG. Como o senhor viu isso?
Juvenal Juvêncio: O futebol é muito difícil. Eu citaria um exemplo para vocês. Eu tive várias indagações fortes sobre a volta do Lugano, não é? Tem uma imagem, o Lugano, pôxa, o Lugano! Hoje (última quinta-feira), não ontem, hoje de manhã, soube que ele saiu do PSG, foi para o Málaga, ganhando o mesmo salário, que é alto. Lugano jogou sete partidas como titular e já está há três no banco. Então a gente precisa ter muito cuidado com essas emoções do futebol. Nós fomos buscar o Cicinho lá na Roma. Fomos jogar em Mirassol. Mas o estádio não estava muito adequado e passei no meio da torcida para ir ao local onde assistimos ao jogo. Uma parte não são-paulina me xingava, mas tinha o outro lado são-paulino que dizia uníssona: Cicinho! Eu estava com o João Paulo [de Jesus Lopes, vice-presidente de futebol] do lado e disse: ‘não é possível que só nós estamos certos. Faz um contrato de seis meses, coisa pequena, para a gente ver’. Não aconteceu nada. Mas o Cicinho declarou que estava devendo, que enganou o São Paulo. Ele diz que em vez de jogar bola, foi atrás de outras coisas. Precisa de muito cuidado com a emoção. Eu estou citando alguém que é sagrado para o são-paulino, com razão, mas que não veio: o Lugano, que hoje está no banco no Málaga, que não é uma grande expressão do futebol europeu.
UOL Esporte: E o Josué?
Juvenal Juvêncio: Eu fiquei sabendo ontem que ele voltou para o Atlético-MG, me disseram. O que eu faço da análise? Eu fui buscar ele lá atrás (em 2004), é uma bela figura, foi na época. Faltava um ano para terminar o contrato [com o São Paulo] e ele era assessorado por um rapaz de Goiás. E ele não queria que o Josué fosse embora [para a Europa]. Aí os alemães procuram, falam que querem levar o Josué, mas ele não está querendo, porque queria esperar seis meses para fazer um pré-contrato que o São Paulo não ia ganhar nada. E eu fui falar com o Josué. Falei: ‘Josué, você acabou de ir para a Copa América, você tem o tamanho que você tem. Os alemães querem jogador assim (gesticula um sinal de altura) e você é assim (sinaliza uma pessoa de baixa estatura). Tem uma coisa na vida que chama oportunidade. Você foi para a Copa América e fez uma coisa que não faz. Gol! Conversa com os alemães e veja o que eles pagam’. No dia seguinte eu o chamei para a salinha e falei: ‘e aí? O que aconteceu?’ E ele: ‘Doutor, eu vou ficar rico’ (risos)! Então falei: 'pega a sua malinha e vai embora. Avisa o treinador que você vai embora'. As emoções do futebol migram. O Josué mostrou no Morumbi uma posição especial, mas ele migrou. Foi até capitão da equipe daquele tamanho. E agora vai para Minas. Ele está correto. O nosso meio de campo está bem posto. Acho natural.
UOL Esporte: Por falar em meio-campo, vocês querem renovar com Denílson? Já estão conversando sobre isso?
Juvenal Juvêncio: Não estamos ainda. Lá eu falo com o Dick Law, que está no Arsenal, bom diretor. A renovação foi difícil, mas no meio do ano vamos conversar com o Dick, para ver se tem o interesse. Precisamos acertar. Ele é jovem, criado em casa, tem todos indicadores, vendemos ele numa oportunidade lá fora que ele estava sem perspectiva, trouxemos de volta, estamos caminhando bem com ele.
UOL Esporte: Recentemente, seu elenco viveu algumas crises internas. Como você administra isso?
Juvenal Juvêncio: Veja só. Na verdade, a gente vê aqui com tranquilidade e segurança. Porque temos um jeito de tratar isso muito fortemente, muito seguramente. Esse negócio de disciplina, para nós...ela acaba e o cara sai. Você pode verificar ultimamente. Não temos problemas de disciplina. Eles são enquadrados, sem bravatas, barulhos ou questiúnculas. Se não leu a cartilha, sai fora. Lembro-me, aqui, do Adriano, que vocês sabem que é difícil. E eu tive uma prosa com ele. ‘Vem cá, você está na Itália, está rico! Tem um enorme prestígio, tem seus carrões, suas moçoilas, você tem tudo, mas aqui você tem que entender que eu vou te pagar R$ 100 mil, porque você tem 36 milhões de euros e você não precisa disso. E eu vou te recompor. Se eu pudesse te trancar 30 dias, eu ia com você para o jogo e ia ganhar a partida. Não vou conseguir, mas, presta atenção. Você não acredita no que eu falo porque esse é seu perfil, a sua inteligência é menor do que seu futebol e você não vai aceitar o que eu estou falando. Eu me sinto na obrigação de dizer’. Não demorou uns dias e ele aprontou! Achei o Gilmar [Rinaldi, ex-procurador de Adriano] e ele inventou umas historinhas de que estava no apartamento trancado. Eu disse: ‘dá um jeito. Hoje é sexta, e quero ele às 8h da manhã no CT da Barra Funda’. Um pouco antes das 8h eu estava lá. Ele chegou. Eu dei um papel e falei 'assina aí! Não precisa nem ler. É multa, 40% do salário e o que está escrito aí está certo'. E ele assinou e disse que queria explicar. E eu falei: 'Não! Você não vai explicar. Vai explicar para o seus colegas'. Levei para o vestiário, mostrei para os colegas. 'Agora fala!' Ele pediu desculpas, se emocionou, ok! E aí levei ele e ele perguntou ‘onde nós vamos?’. Eu respondi: 'agora você vai falar com a imprensa!' Ele disse: ‘Pô, mas com a imprensa?’ E logo disse: ‘Sim! Com a imprensa’. Ele foi, se emocionou, chorou, treinou e contou a história. E eu falei para ele que iria jogar no domingo contra o Mirassol, e ele correu como uma fera e não sei o quê. E quando ele foi embora, ele me procurou. Fora esse defeito grave que ele tem, ele tem momentos maravilhosos. Fomos desclassificados [na Libertadores], gol do Washington no Maracanã. E ele disse que não dava mais. E eu disse: ‘Ô, Adriano, você não vai dar certo! Porque se você passou pelo São Paulo e teve esse percalço, fora daqui você não vai dar certo, porque tem uma linha que te controla razoavelmente. Os outros não têm essa postura. Creia nisso. E muito menos na Itália!' Infelizmente, foi o que aconteceu. Foi para lá, não deu certo. Foi para o Flamengo, não deu. Para o Corinthians e não deu. Ele não gosta que eu fale isso, mas ele me telefonou querendo uma nova chance. E eu falei: ‘Não! Você deixou uma marca positiva em campo, mas deixou uma negativa com os parceiros. Tem dia que você treinou aí e eles não sabiam se você estava...... Se você tinha dormido à noite’.
UOL Esporte: De lá para cá, teve outra vez que você precisou intervir diretamente no vestiário?
Juvenal Juvêncio: Teve aquele que está no Vasco, o Zé Roberto?
UOL Esporte: Carlos Alberto.
Juvenal Juvêncio: Carlos Alberto! E com aquele que veio da França (Fábio Santos). Brigaram à noite e no dia seguinte eu mandei embora! Você vê, tem coisas no futebol... O comportamento do Alex Silva, que é um p... jogador. De repente... (faz sinal de negativo). É a cabeça, né? Não tem jeito, né? Esse rapaz que está lá, o Diego Tardelli. Eu falava para ele, seus pés pensam melhor que a cabeça. Sabe jogar, tal, mas a cabeça... Por isso o futebol tem muito isso, o dirigente tem que ter muito autoridade e não pode ser torcedor. O atleta usa a internet, está informado, hoje vai pra a seleção, Europa, se encontra com o cara da seleção no alojamento. Aquela instrução se permeia. Hoje há uma simbologia, um entendimento forte. E se [o jogador] percebe que ele é dirigente-torcedor, danou-se! Danou-se! A hora que ganha o jogo, ele fala 'olha o meu reajuste!' Então, essa é a vida do futebol.
UOL Esporte: Como você analisa o Ney Franco em relação ao mercado de técnicos?
Juvenal Juvêncio: O técnico no Brasil quer ganhar R$ 700 mil. Quando fui presidente aqui pela primeira vez, o técnico ganhava um terço do melhor salário. É uma meta! Quando eu voltei, o técnico estava equiparando ao atleta. O grave não é querer R$ 700 mil. O grave é quem paga. Como eu não sei, não descobri a mágica. Você vai no Rio, os clubes grandes têm uma tabelinha, que diz que paga 700 pau! E aí vem o auxiliar, o irmão, o primo, um deles. Pode ir atrás que é isso! E eles falam: ‘tem um preparador físico formidável!’ E vem mais um. ‘Olha o fisioterapeuta, que é formidável! Foi campeão, da escola tal’. Uma mentirada! E põe mais um. E a premiação para o técnico é dupla ou tripla. E o prêmio se for campeão? Não vai ter sobrevida, eles não vão viver, vão morrer!
UOL Esporte: Você fala sempre que os clubes... (interrupção)
Juvenal Juvêncio: O Cuca tinha um irmão lá, daqui a pouco, na hora do almoço (horário aproximado da realização da entrevista), na folga, fazia jogo de futebol com os funcionários. Um dia eu vi aquilo e cancelei. Fechei aquele negócio. Eu disse ‘nada disso, pode parar!’. Saía pau, dava soco! Tá louco! Funcionário aqui não pode falar com jogador. Funcionário come lá, jogador come aqui. A comida é a mesma, mas não come junto! E como você vai achar alguém assim tão bom como o Ney Franco?
UOL Esporte: Você fala sempre que os clubes vão quebrar por pagarem muito...
Juvenal Juvêncio: Outro dia estávamos numa reunião na CBF. E eu vejo o Petraglia (presidente do Atlético-PR) do outro lado da mesa falar para [Roberto] Dinamite, que estava do meu lado. ‘Dinamite, eu colecionei as suas figurinhas como centroavante’. Foi algo simpático. Eu olhava para ele, e ele estava todo sorridente, natural porque enquanto jogava, o dirigente ali, colecionava um álbum de figurinha dele. Mas aí eu não resisti e eu falei. “Dinamite, vocês vão quebrar!’ Ah, eu não resisti. ‘Roberto, o Petraglia colecionava figurinha sua quando jogador! Pergunta hoje se ele coleciona como presidente do Vasco!' Isso muda. Mudou, ele está do outro lado... Penando! E ontem perdeu técnico (Gaúcho), mandou o técnico embora. Quanto custou isso? Foram embora, tem que pagar. Se o contrato não for bem feito, geralmente não é, tem de desembolsar o dinheiro que não tem. Mas tem de, amanhã, pegar outro. E não tem como. Quebra! Quebra! Sempre tem uma sexta-feira na vida. O dirigente tem de ter muito juízo. Precisa, sobretudo, rezar, porque, se não rezar, morre.
UOL Esporte: Por falar em CBF, como é sua relação com o Marin?
Juvenal Juvêncio: É boa. Eu dei aquela colocação, para ele parar de pagar (salário para RicardoTeixeira, antecessor de Marin como presidente da CBF). Fui forte e, segundo informações, ele parou de pagar. O São Paulo quer ficar um pouco mais afastado disso, quer tocar a nossa vida, não quer entrar nisso, não.
UOL Esporte: O São Paulo foi muito prejudicado pelo Ricardo Teixeira?
Juvenal Juvêncio: Foi totalmente, né? O Ricardo Teixeira é um cara muito maldoso. Ele tinha uma coisa que ele dizia lá na seleção: ‘O São Paulo é o único que pode me atropelar, o Juvenal quer ser presidente da CBF’. E ele dizia que já derrotou todos os inimigos e só faltava eu. Embora eu tenha tido uma conversa com ele na Gávea, uma vez que me chamou no restaurante, escondido. A conversa não começava e eu tinha lido numa revista que ele gostava de gado de leite. Esses caras ricos.... Tinha umas vacas que ele falava os nomes. Aí ele quieto, não podia comer direito porque estava com diabetes e eu torcendo para ver se ele morria, mas ele estava vivo lá! E eu falei: ‘Ricardo, você fica encrencando com a gente, somos um dos mais importantes do país. Você fica no exterior, leva o Alexandre (secretário de Teixeira na CBF) e fica lá. Nada contra, mas tudo bem. Você vai ter de explicar que é contra o São Paulo, que somos três vezes campeões do mundo, isso não é inteligente’. E ele disse: ‘Não, tudo bem, vou te arrumar o jogo da Bolívia!’. E eu disse, 'está ótimo'. No fim, ele teve de ir embora do Brasil. Não foi nem de linha aérea. Um avião magnífico. Em aviões de carreira, quando você quer ver lá fora, você puxa e fecha a janelinha. Lá não! Tentei puxar e fechar, mas não. Tem um botão moderníssimo (risos)! Mas o Ricardo não gostava da gente, queria fazer estádio na Marginal, estádio particular, para aproveitar a Copa que você fura zoneamento, facilita tudo, mobilidade que custa, mas que o governo que põe [dinheiro]. Ele queria fazer o estádio multiuso, para show, para espetáculo. E eu falei: ‘Você não vai fazer isso. Me dá o meu pedaço que eu vou desmanchar o seu bolo!’. Mas ele era muito forte. E juntou com o [secretário-gerial da Fifa] Jerome Valcke e nos colocou para fora.
UOL Esporte: Você ainda acha que a Copa pode trazer algum benefício para você?
Juvenal Juvêncio: Não, não espero não. Eu vou te contar que eles queriam que eu derrubasse o estádio, esse sacrossanto belíssimo que está aqui (apontando para a janela com vista para o Morumbi). Ele tem três pavimentos, queriam um só. E que tirasse a pista. Eles queriam que eu fizesse um camarote enorme, avançado, onde o [presidente da Fifa, Joseph] Blatter ficaria, para que toda a mídia visse o jogo, mas veria o Blatter. E eu disse não! E eu vou dizer uma coisa que as pessoas não acatarão como verdade, mas é um fato. Estou muito feliz de não estar na Copa! Estou fazendo coisas lindíssimas por aí, adequada a um futebol moderno. O estádio está superavitário. Me dá R$ 40 milhões por ano. Em 2003, dava R$ 2 milhões. Estou muito bem, Ricardo já foi embora. Vendeu a vaca estrela, o boi fubá. Quando saiu no jornal que ele tinha vendido a vaca eu pensei que é porque a vaca foi para o brejo (gargalhadas)! E o cara era cheio de dinheiro. Sabia quantos quilos de leite dava a vaca e quando vendeu aquilo... Eu falei! Você vendeu seu alazão! É a ultima coisa que você faz.
UOL Esporte: Falando em Copa, você tem acompanhado as obras do Itaquerão? O Corinthians diz que falta dinheiro. Como você vê isso? O estádio corre algum risco?
Juvenal Juvêncio: A informação que eu tenho é a da imprensa. Não tenho nenhuma outra, a imprensa nos diz que tem dificuldade por causa de um empréstimo do BNDES, que exige um agente repassador, e os bancos dizem que não fazem negócio diretamente com o clube, não é? Mas eu tenho impressão que isso daí se resolva. Não sei a fórmula, mas vai se resolver.
UOL Esporte: Em 2014, acaba seu mandato. Você vai deixar o cargo?
Juvenal Juvêncio: Vou deixar o cargo!
UOL Esporte: Já escolheu seu sucessor?
Juvenal Juvêncio: Não, não. Isso daí, honestamente, eu nem pensei. Mas vou deixar o cargo, sim. Acabou!
Fonte: UOL