Antes de um torneio de futevôlei, Gamarra não deixa a bola quicar — nem pergunta sem resposta. O paraguaio, uma referência na zaga, não larga o Rio. Tem casa na Barra da Tijuca, três cavalos na Hípica e uma devoção pela orla. Prester a se tornar avô, Gamarra vê Neymar como uma criança que vai assumir o peso de um Brasil nas costas na Copa de 2014. Fala sobre Adriano, clubes do Rio, a farra que a Gaviões da Fiel faz no Parque São Jorge e detona a violência.
Tudo bem?
Tudo. E como estão os clubes do Rio?
O quê?
Não precisa responder. Sei que estão mal. O Juninho (Pernambucano) alugou a minha casa na Barra. O Vasco se comprometeu a pagar e não fez. E ele arcou. Ah, e o Flamengo acabou de me pagar recentemente.
Você ainda é dono de um clube (Rubio Ñu) no Paraguai?
Sou. O Arce também era. Mas saiu da sociedade quando assumiu a seleção do Paraguai. Hoje, ele está no Cerro Porteño.
Você não quer ser técnico?
Nem pensar. Meu filho não merece isso (risos). Treinador vai muito pelo resultado. É sempre a mesma saída que os dirigentes procuram. É sempre o mesmo culpado. Já vi muito técnico ir embora sem ter culpa. E jogar é muito mais fácil. Eu não tenho a menor vocação. Estou bem onde estou.
E a seleção do Paraguai?
O trabalho foi mal feito. Não misturaram os meninos aos experientes. Erraram. Aí, o argentino lá, o Martino saiu. Ele vinha jogando com 20 jogadores com idade superior a 27 anos durante toda a Eliminatória (2010). Tinha uns com 33. E o Martino (Gerardo) saiu. Não havia mais nada a fazer. Deixou o Arce na furada, na mão. Tanto que agora só tem três jogadores da eliminatória passada.
Tem contato com o Cabañas? Como está ele?
Foi uma repercussão tremenda (tiro na cabeça). Até porque ele era nome certo na África do Sul. O impacto foi grande no futebol, na sociedade. Mas, sendo muito sincero, não era nem para estar vivo com o tiro na cabeça. Ele tenta voltar a jogar, mas não dá. Em alto nível não dá mais.
Para a Copa de 2014, vê alguma seleção favorita?
Espanha, Alemanha. A Inglaterra sempre chega. A Itália é a Itália, muito aplicada. A Holanda joga um futebol diferente. Estão $nível do Brasil e Argentina. O Uruguai não é o mesmo de 2010. Envelheceu. Os países pequenos são diferentes do Brasil, que sempre aparece craque. Quando encerra uma geração complica. Daqui a um tempo, o Paraguai volta. A sub-20 do país é boa.
E o Brasil, especificamente? Está tudo nas costas do Neymar?
Não queria ser o Neymar (risos). Estar com 20, 21 anos e com a pressão de levar uma seleção, um país, nas costas. Ele é uma criança ainda. E todo mundo vai esperar que ele faça a diferença. Que ele tenha inteligência e amadurecimento para se concentrar. Jogar em casa uma Copa do Mun$não é nada fácil.
O Gamarra é cidadão do Rio?
(risos). Comprei uma casa aqui na Barra na época do Flamengo. Confiei e me dei mal. Só recebi dois meses de salário (risos).
Sua filha Macarena é amazona?
Sim. Temos três cavalos na Sociedade Hípica. Mas ela deu um tempo agora por que está grávida. E eu tenho mais três filhos. O Carlos está se profissionalizando agora. É goleiro sub-20 do Cerro Porteno. Luana 10 anos. E a Priscila tem 22 anos. Essa não me incomoda mais, é engenheira.
É impossível não falar do Flamengo..
(risos). Muito bom jogar lá. O grupo me recebeu bem. Juan, Julio Cesar, Adriano.
Por que não fala dos medalhões (Petkovic, Denilson, Alex, Edílson)?
O problema é quando tinha uma falta. O pau comia. Os três (Denílson, Alex e Pet) queriam bater. (risos).
Esse time, em 2000, não deu certo?
Coitado do Leandro Ávila que corria sozinho para marcar. Ninguém marcava. E lá atrás? Toma. Fazíamos dois, levávamos três. Nem o Gamarra segurava (gargalhada).
Era um grupo tumultuado...
Normal. Quando se reúne muitos craques dá nisso. É a vaidade da pessoa. Eu ficava no meu cantinho. Nunca gostei de aparecer.
E a crise financeira que assolou o clube na época com a falência da ISL?
Recebi só dois meses no Flamengo. Ganhei o dinheiro na Justiça agora, 11 anos depois. Isso foi por causa da loucura dos presidentes que passaram pelo Flamengo. O cara está lá na Europa, ganha muito dinheiro. Você nunca imagina que um clube do Brasil vai te comprar e oferecer salário maior do que recebe na Europa. Para o jogador é bom. Ah, lembrei do meu primeiro dia no Flamengo. Um negão, zagueiro da base, se aproximou e disse: Gamarra, você vai ser feliz duas vezes. Ao chegar e ao sair. Eu ri, sem graça, mas ri. E, depois, no caos, não adiantava falar nada. Antes, falava com o presidente (Edmundo Santos Silva), o vice de futebol (Walter Oaquim). Depois... Nós, jogadores, tínhamos estrutura. E os funcionários? Dei muito dinheiro a eles. Alguns não tinham dinheiro para a passagem do ônibus. Mas fui feliz lá.
Você se referiu ao Adriano. Como vê a fase dele?
Eu vi o Adriano começando. Vi a fase Imperador. Não sei o que aconteceu com a vida dele. Mas torço para que volte logo. Que força tem ele (em campo). E financeiramente, com o dia a dia, o dinheiro acaba. Não tem mais entrada, só saída.
Hoje, os garotos ficam ricos muito cedo. Isso é a causa do fim precoce??
Quando eu assinei meu contrato com a Internazionale de Milão, pensei: agora, sim. Estou bem. Tinha 35 anos. E lembro que, com 20 anos, fui ao profissional e isso foi a maior repercussão. Hoje, com 20, já tem dois anos de profissional. E logo faz um contrato de cinco anos com a Europa. Fica milionário. É muito difícil não se deslumbrar. Tem que ter acompanhamento da família. O que é preciso entender é que se ganha muito dinheiro, mas pode se gastar todo rapidamente.
Como vê a violência no estádio? Teve agora o caso do garoto Kevin, morto por sinalizador atirado pela torcida do Corinthians?
Lá em São Paulo, é Corinthians, Santos, Palmeiras... No Paraguai, é Cerro, Deportivo Luqeño, Olimpia... Não é fácil, não. Vê esse caso agora da Gaviões. O clube fica prejudicado. Mas na minha época, quando jogava lá, os torcedores entravam no Parque São Jorge como queriam. Tive uma época difícil lá. O Vandelei havia demitido o Marcelinho, queridinho da Fiel.. Eu era o capitão, eles vieram falar comigo.
Os clubes, jogadores, treinadores são coniventes. Há relatos de que até dão dinheiro para receber aplausos, ter apoio...
Tem treinador e jogador que faz isso mesmo. Mas no começo as diretorias incentivaram isso. Agora é incontrolável. O policiamento tem que ser mais forte. O cara que estiver bebendo, cheirando, não pode entrar no estádio. Já foi pego em briga, muito menos. Isso é brincadeira. Brigam até entre eles.
E a violência em campo?
A violência em campo se deve à falta de recurso do jogador. O pessoal se acostumou com o discurso de que zagueiro precisa bater, ser xerifão, ter que atropelar. Quando eu jogava, eu não queria brigar com o atacante. Sempre tentei jogar na bola. Mas olha os zagueiros do Brasil melhoraram muito. Veio a safra do Lucio, Juan. Passaram a jogar fora do Brasil. Agora, tem Thiago Silva, David Luiz...
Qual o melhor jogador do mundo?
Messi. Mas, olha, esse ano o Cristiano Ronaldo está jogando muito.
Qual o atacante mais difícil que marcou?
Depende do dia (risos). Mas o pior é quando vai enfrentar times lá do Recife, do interior. Você não conhece o adversário. Isso complica. Nos outros, conhecidos, você vê o vídeo, sabe como é.
Fonte: Extra Online