Gaúcho: 'Há muito anos que eu venho esperando por isso'

Sábado, 09/03/2013 - 09:00

Você já chupou laranja com quem? De forma boleira e bem carioca, Gaúcho tem um verdadeiro pomar de histórias para contar. Experiência adquirida no mundo do futebol que, de certa forma, serve como defesa para quem ainda tem dúvidas sobre seu trabalho como treinador do Cruz-Maltino.

– Eu falo assim: “Como é que o cara pode falar alguma coisa comigo se ele não chupou uma laranja no vestiário com o Tostão, como eu chupei? Com Silva Batuta, Andrada, Fidélis... Eu joguei com esses caras aos 17 anos. Depois trabalhei como treinador em vários clubes”. Não sou novo, não comecei ontem – desabafa o comandante.

As histórias de Gaúcho como atleta são bem mais conhecidas pelos torcedores. Ele defendeu o Vasco por anos e anos e ganhou títulos ao lado de craques como Roberto Dinamite, por exemplo. À beira do campo, porém, ele ainda não conseguiu o reconhecimento que tanto espera.

No cargo de treinador, Gaúcho rodou o Brasil e o mundo, até que voltou ao Vasco em 2009 à convite do amigo e presidente Roberto Dinamite. Trabalhou na base e foi interino do profissional por diversas vezes nesses três últimos anos. Aguardou pacientemente por uma oportunidade de ser efetivado no cargo. Chance essa que apareceu no fim de 2012, justamente quando pensava em desistir do sonho e respirar novos ares.

Às vésperas de sua primeira decisão na Colina como treinador, Gaúcho começa a ver alguns rótulos caírem e conta ao LANCE!Net o sentimento para o clássico deste domingo.

Antes da semifinal contra o Fluminense, você dizia que era um dos principais momentos de sua carreira. O que dizer então para essa final?

Há muito anos que eu venho esperando por isso. Hoje está tudo aí, acontecendo. É um momento especial, estou dando tudo o que tenho de conhecimento para que possamos ter um domingo especial.

As críticas ainda o incomodam? Como você trabalha isso?

Tenho muitos anos nisso, falo sempre que comecei a ser profissional de futebol com dez anos de idade. Depois comecei a ter contato com profissional com 17 anos. E eu sempre negociei muito bem isso. Nunca passei por qualquer problema de dúvida sobre a minha competência, meu trabalho. Era jogador, depois técnico. Sei que o torcedor vai ser exigente sempre. O torcedor vai para o estádio para ver o time dele vencer, ele não vai para o estádio para ver desgraça. Eu joguei em vários clubes, fui campeão em vários lugares, tive o privilégio de ficar aqui dentro desse clube muitos anos, então, são coisas que você passa a fazer diariamente e sabe que tem esse compromisso. Então eu vivi isso aí sempre com muita tranquilidade.

Mas em algum momento você duvidou que fosse conseguir treinar o Vasco, como sempre quis...

Sinceramente, tive propostas de vários lugares. Já tinha uma carreira de técnico. Vivo como treinador há 25 anos, não era um iniciante. Mas tinha aquele rótulo: feito na casa, foi jogador daqui, foi assistente, amigo do presidente... Criaram um monte de situações, mas eu sempre negociei com muita tranquilidade. Amigo do presidente eu não vou deixar de ser nunca. Ele começou comigo, tenho uma grande amizade mesmo e não adianta eu falar de forma diferente. Em 2008 o Roberto pediu para eu fazer um trabalho na base e eu retornei ao Vasco. No final do ano passado recebi proposta do Nacional do Uruguai, viajei a Montevidéu. Estive lá porque já estava tudo marcado, mas disse para as pessoas que ia firmar o compromisso com o Vasco e as coisas foram acontecendo, com uma pressão muito grande em relação a crise e o momento que o clube estava atravessando.

Certa vez você comentou que foi um dos primeiros do Brasil a tirar os pontas do time e jogar com dois atacantes. Como foi isso?

Foi em 1990 no Bonsucesso. Ninguém no Brasil jogava com dois atacantes, jogava sempre com ponta aberto. Eu fui a primeira pessoa a colocar dois homens por dentro e jogando como se fosse ala. Depois eu trouxe isso para o Vasco no time de juniores e nós ganhamos tudo, com Jardel e Valdir. O próprio Edmundo atuou um pouco assim comigo. Depois levei também essa formação para o América-MG, jogamos com Alex Mineiro, Evanilson, Irênio e fomos vice-campeões mineiros em 1995. Depois fiz isso no Atlético Mineiro, que ficou em quinto lugar no Brasileiro.

Como foi sua passagem pelo futebol do exterior? Talvez por isso seu trabalho como técnico seja menos conhecido.

Fiquei muito tempo fora e aí o nome sai do mercado. Voltei para o Brasil, no Americano, em 2002, ganhei a Taça Guanabara e esperava continuar aqui, mas não apareceu nada interessante no sentido de grana. No Brasil às vezes se trabalha 12 meses e recebe cinco ou seis. Então retornei para o mundo árabe. Estava formando meus filhos na faculdade, gastos muito grandes, então tinha de fazer dinheiro. Dei uma parada na carreira e quando voltei em 2008 falei: “Agora vou cuidar de mim”. E estou aí tentando virar técnico de futebol (risos).

Como você vê o tratamento com os técnicos no Brasil?

É muito massacrado. Existem muitos comentários a respeito de treinador e a primeira coisa que taxam o cara é de burro. É uma coisa de muita emoção para falar sobre uma coisa que tem muita razão. No futebol é muito difícil ter uma conclusão. Só quem botou o material lá de jogo sabe como é complicado. O cara tem que ter sofrido dentro do campo para poder falar alguma coisa parecida. A bola vem com chuva, com sol, ela bate aqui, bate ali. É muito difícil e, infelizmente, o treinador é quem paga o preço. No Brasil qualquer um fala de futebol. Agora, falar profissionalmente do futebol é difícil pra caramba.

Você tem forte ligação com o Vasco mas também defendeu o Botafogo, rival desta final...

Sinceramente, como jogador, jovem, eu não queria sair. Passei dez anos recebendo proposta para sair e não me vendiam. Acho que foi até para o meu bem. Não vou reclamar porque graças a Deus o futebol e o Vasco me deram bastante coisa. Naquele momento sai daqui por problemas de renovação de contrato. Voltei para o Sul, joguei no Grêmio e de lá fui para o Botafogo, onde fiquei três anos. As coisas aconteceram assim. Foi uma fase maravilhosa, fui cogitado para a Seleção de 82, para a Copa do Mundo. Tivemos um time que ficou em terceiro lugar no Brasileiro, perdemos aquele jogo lá para o São Paulo, de 3 a 2. Foi uma vergonha aquilo. Sempre fui profissional, como jogador, fui campeão em vários estados. Fui campeão pernambucano, paranaense, amazonense, gaúcho, carioca. Tenho muito orgulho.

Pelo Botafogo precisou marcar seu amigo Dinamite?

Começamos juntos, concentramos muitas vezes aqui embaixo dessa arquibancada e temos muitos títulos. Era um baita de um jogador. Ele falava claramente para a gente no campo: segura um lá que eu vou dar o meu jeito aqui. E geralmente as coisas aconteciam. Foi um prazer muito grande marcar o Roberto. E o legal é que joguei do outro lado, no Botafogo, e nunca perdi para o Vasco, e joguei no Vasco, contra o Botafogo, e nunca perdi. Então eu estava invicto nisso.

Foi mais difícil marcar o Dinamite ou o Zico?

Os dois. E eu marquei literalmente os dois mesmo. O Zico eu marcava numa época em que jogava de volante. Era o camisa 5 e marcava o 10. E o Roberto eu marquei como zagueiro. Já estava lá atrás. Eram dois jogadores fora de série.

Com tantos anos de Rio de Janeiro, você está mais para carioca do que para gaúcho, não? Pelas gírias, pela forma de falar...

Dos 60 anos que eu tenho, são 43, 44 aqui no Rio. Não tem como pensar diferente. Casei com carioca, vivo com uma carioca, tenho filhos cariocas, minha vida é carioca, eu sou carioca.

Você sempre gostou de trabalhar com jovens. Como é o trato no dia a dia?

Quando eu chamo o cara para uma conversa ele sabe que não vai ter curva, como a gente fala na nossa linguagem. Não vai ter mentira, vai ser a real do futebol. Essas coisas todas são do dia a dia. Só vai ter o conforto quando acabar o jogo. Acabou o jogo é assim: minha missão foi cumprida vou embora para casa. Na quarta- feira começa de novo, no domingo de novo. É uma coisa que só se tira do corpo quando para de jogar futebol. É isso tudo que passo para os garotos diariamente.

Por falar em jovem, o Bernardo, pelo que vem jogando, reconquistou de vez esse espaço de titular do time?

Bernardo é o titular do Vasco, não tem como tirar ele desse foco. É um jogador que está sendo muito útil, está fazendo gols, participando bem do jogo. É uma pessoa importante dentro do grupo e temos um time que tem várias peças participando. Isso é importante, temos um grupo muito bom.

Na semifinal você colocou Dakson e Romário e a dupla fez o gol de empate no primeiro toque. Técnico também tem estrela...

Aquilo foi uma mexida de Deus. O homem maior lá de cima olhou por mim e disse: “Faz isso”. Eu fiz e deu certo. Na hora você tem segundos para resolver e esse pedido no teu ouvido de “faz isso” é coisa lá de cima.



Fonte: Lancenet