Gaúcho se tornou um andarillho do futebol quando pendurou as chuteiras e decidiu ser treinador, em 1985. Foram quase 20 clubes, quatro países diferentes e 32 títulos, segundo suas contas, entre categorias de base e profissional. Aos olhos dos desconfiados torcedores cariocas, sua carreira não decolou. Mas o estigma de time pequeno pode estar prestes a acabar. Quando a bola rolar para Vasco x Fluminense, neste sábado, às 18h30m, no Engenhão, essa busca pela identidade terá um novo momento, sonha o quase sessentão.
Um detalhe, porém, é indiscutível: sua história está fortemente ligada a São Januário, onde morou embaixo da arquibancada na adolescência e passou quase duas décadas. Por isso, nada mais justo que a principal chance ocorra no clube onde viveu as maiores alegrias. A semifinal da Taça Guamabara representa uma espécie de prova de sua capacidade.
- Essas mudanças me atrapalharam no Brasil, porque a gente perde a identidade. Fica muito tempo fora e acham que você não é treinador. Tenho títulos em vários lugares, mas sei que preciso provar minha competência a todo momento. Nunca fui de usar isso, estou dentro de uma mídia diferente. Se procurar sobre o Gaúcho, vão rastrear muita coisa boa aí. Só que algumas pessoas não sabem do motivo das decisões e da fragilidade de cada um - ressalta.
Pai de quatro filhos adultos e casado com Rosimere há 34 anos, Gaúcho argumenta que precisava ter certeza do salário em dia, algo que no Brasil até hoje não é possível prever.
- Tive que pensar na segurança dos meus filhos, não podia viver em crise e não queria mexer nos meus bens toda hora que pintasse um problema. Sair do país por 12 meses era a certeza de que eu iria voltar com 12 meses pagos (risos). Não podia ficar sem produzir. Depois, tudo se estabilizou, defini minha vida e posso escolher com mais calma. Aceitei o convite do Roberto (Dinamite, presidente) para tocar o projeto no Vasco em 2009. E ele está me trazendo reconhecimento, momentos bons como esse - aponta.
Espelho de um time campeão
Em tese, o desafio mais recente que caiu em suas mãos está longe de ser simples e assustaria a muitos profissionais no mercado. Calejado quando o assunto é o Cruz-Maltino, ele assegura que já passou por situações piores do que o caos financeiro que a diretoria atravessa e não pensa duas vezes em traçar um paralelo entre o grupo atual e o time campeão brasileiro de 1974, do qual fez parte, que também foi composto por apostas.
- O time de 74 é o exemplo. Vieram jogadores de times pequenos, como Moisés, Renê, Alfinete. Era uma equipe barata, de muita seriedade e trabalho. Não só no discurso. O compromisso era grande, jogávamos no limite, dávamos a vida. E não tinha como ser diferente se quiséssemos ganhar, porque o salário atrasava três, quatro meses. A atitude positiva que esse grupo de hoje tem me dá orgulho e me faz lembrar disso tudo - diz.
Naquele campeonato, o Vasco jamais foi tratado como um dos favoritos e superou um Cruzeiro repleto de estrelas na final. Os destaques cariocas eram o goleiro argentino Andrada, Ademir e Dinamite, que tinha apenas 20 anos. O gol do título, no Maracanã, foi marcado por Jorginho Carvoeiro, de 21. Agora, Gaúcho cita que deu a primeira sequência para Dedé, em 2010, e encaixou Abuda como titular na cabeça de área. Sua ambição é fazer a garotada, como Luan, Marlone, Jhon Cley e Guilherme renderam o que se espera.
Para tornar o fim de semana ainda mais especial, o técnico completa 60 anos no domingo e espera o presente que nunca teve da bola mesmo com tanto tempo de dedicação.
- Geralmente é no meio do campeonato, seja carioca ou brasileiro. Não é título, é só uma classificação para a final em jgo. Teria mais 90 minutsos, mas essa vitória valeria muito.
Entrosamento com Ricardo Gomes
A expectativa que envolveu a reformulação do Vasco (que trouxe 12 nomes diferentes e perdeu ou dispensou 18 em relação à última temporada) também teve a ver com a engrenagem inédita que formou com Ricardo Gomes na função de diretor técnico - em tese, seu superior. Gaúcho jura que praticamente não há divergência porque os conceitos são muito parecidos e celebra a parceria saudável e produtiva para o clube até então.
- Não tinha como dar errado no aspecto do trabalho. Somos duas pessoas experientes nesse assunto, com muito tempo de futebol. Nunca fui de ficar preso como auxiliar e fui premiado com a oportunidade de participar desse retorno do Ricardo. Pensamos parecido. Ou seja, escutamos mais do que falamos. Tudo passa por nós dois e por outras pessoas que vivem o Vasco há muito tempo. Às vezes é até engraçado: vejo que ele teve uma ideia, ou ao contrário, e digo "não fala, não, que eu vou escrever o que é aqui". E bate - diverte-se.
A recuperação do chefe só não é mais inspiradora que a figura do pai, Augusto Losada, que foi jogador amador e chegou a ser preso político por militar durante a ditatura ao lado dos irmãos Antônio e José, no Rio Grande do Sul, e com a companhia de Dilma Rousseff, uma das líderes do movimento sindicalista. O contato com a família, especialmente quando foi para o Rio, aos 16 anos, passou a ser escasso e eventualmente ocorria sob disfarces.
Nas quatro linhas, o time de ídolos é extenso: em sua posição original de volante, Carlos Alberto (ex-Botafogo) e Clodoaldo (ex-Santos). No banco de reservas, nomes lendários como Oswaldo Brandão, Paulinho de Almeida, Oto Glória, Tim e Ênio Andrade.
Gaúcho 'tirou' os filhos da bola
A família também tinha o esporte como prioridade, tanto que três dos quatro filhos se interessaram pela carreira. Thiago, de 34 anos, e Diego, de 26, jogaram pelos juniores sob a observação do pai, no Americano e no Boavista, respectivamente, mas foram desencorajados pelo próprio Gaúcho, que até via futuro, mas entendia que os dois poderiam peregrinar por times fracos e desperdiçar os estudos que tiveram. Ambos largaram a bola e integram a comissão técnica de times nas Ilhas Cayman e nos Emirados Árabes. Bianca está com 32 anos, é formada em educação física e fisioterapeuta e possui uma clínica na Tijuca, bairro da Zona Norte do Rio. O caçula, Roberto, tem 19 e já cursa nutrição.
- O grande lance é aquele pulo para você saber o que vai ser. Se sobe bem (para o profissional), pode dar certo e estourar. Se não, vai sofrer em clubes pequenos e acaba perdendo tempo. Aconselhei a irem por outro caminho. Tinham carro na garagem, geladeira cheia, dei tudo o que eu podia. Aí já viu, né? Não tinha necessidade - admitiu.
Vendo a cria longe de casa, o treinador não sente saudade de explorar o mundo, embora reforce que não se arrepende das escolhas que o fizeram ser um rosto relativamente pouco conhecido em sua terra. Por outro lado, cheio de saúde, não descarta voos mais altos, seja pelo Vasco ou no estangeiro mais uma vez e avisa que só deve parar aos 70 anos.
- Não penso em sair agora, mas quero trabalhar mais dez anos, me sinto bem para isso. Tenho cuidado com minha saúde e minha vida. Estou sempre em uma pelada, em atividade. Esses 60 anos que eu vou fazer não estão me dizendo nada (risos) - desdenha, com humor.