Remo: Marcello Neves, técnico do Vasco: 'Aproveitamos peneiras de outros esportes'

Segunda-feira, 25/02/2013 - 06:24

No país do futebol, o esporte olímpico nunca escapa do rebaixamento. Outrora celeiros de atletas de ponta para seleções brasileiras de diferentes esportes, os quatro grandes clubes do Rio hoje pagam o alto preço de más gestões ao longo dos anos e sofrem com a falta de patrocínio da iniciativa privada para investir em modalidades que poderiam trazer medalhas para o Brasil nos Jogos de 2016. Camisas que despertam a paixão de milhões de torcedores em todo o território nacional, em muitos casos não são suficientes para assegurar o mínimo de apoio fora das quatro linhas.

O famoso lema “craque o Flamengo faz em casa” já se aplicou também a outros esportes. Nos Jogos de Seul-1988, por exemplo, 38 dos 170 atletas da delegação brasileira olímpica treinavam na Gávea e defendiam as cores do rubro-negro. Ex-atleta do basquete e novo vice-presidente de esportes olímpicos do clube, Alexandre Póvoa, o Pocotó, relembra meados dos anos 80, quando o privilégio de conviver com ídolos na Gávea não se resumia a assistir aos treinos de Zico, Júnior & cia.

— Eu jogava no time de basquete e me lembro de ficar fazendo duplinha de vôlei com o Nalbert, depois do treino. A gente ia para a piscina e lá estavam o Ricardo Prado, a Patrícia Amorim nadando. Passava na ginástica, tinha a Luíza Parente. Nosso time de basquete em 1984 tinha Marquinhos, Nilo, Carioquinha e o Marcelo Vido, que hoje é nosso diretor de esportes olímpicos, todos na seleção — relembra ele. — A gente quer recuperar o antigo Flamengo. Alguns esportes, como o basquete, têm visibilidade e você ainda consegue vender. Mas em outros casos é impossível. E, em se tratando de Flamengo, para fazer qualquer equipe tem de ser para disputar título. Porque, em se tratando de Flamengo, a cobrança é sempre a mesma.

Hoje, o clube mantém na Gávea escolinhas ou equipes de nove modalidades olímpicas (basquete, polo aquático, nado sincronizado, remo, judô, natação, vôlei, ginástica artística e tênis). No alto rendimento, as dificuldades vão além dos portões do clube. Por conta do incêndio no ginásio e do despejo da ginástica artística para a demolição do Velódromo, os atletas do masculino, como Diego Hypolito, foram treinar no Pinheiros (SP), enquanto as mulheres, entre elas Daniele Hypolito e Jade Barbosa, estão em Três Rios. Já a piscina principal está interditada desde o início do mês. Por ela, vazavam mais de 6 mil litros d’água diariamente, segundo Póvoa, por falta de manutenção. No basquete, líder do NBB, os atrasos de salário chegaram a três meses e, graças a um patrocínio recém-fechado, que vai durar apenas até o fim do NBB, dois deles já foram pagos.

Mas o futuro ainda é incerto para quem está na base de uma pirâmide que tem o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) concentrando a maior fatia dos milhões de recursos públicos, em especial os da Lei Piva, e repartindo o bolo com as confederações.

— O esporte olímpico não consegue fazer receita suficiente para se manter. E não estou falando em lucro, mas em pagar suas despesas, pessoal, professores, material. Hoje, os grandes patrocinadores dos esportes olímpicos são estatais. Então, o dinheiro não vem para os clubes. Para no COB e nas confederações. Mas quem forma o atleta? Não são eles, com certeza. São os clubes, que não são beneficiados por esses recursos. É um equívoco de filosofia, um erro categórico. Eu ouço falar que o COB vai investir na prática esportiva nas escolas, em Jogos Escolares... Mas as escolas públicas têm equipamento para isso? Têm equipamento de natação, com supervisão, para fazer isso? A maioria dos atletas que se sobressaem nos jogos escolares, intercolegiais, são atletas federados — desabafa o presidente do Botafogo, Maurício Assumpção.— Infelizmente, o modelo é centralizador. Ele não contempla quem é formador de atletas.

Ignorados pela cúpula dos esportes olímpicos, os clubes do Rio não são apenas vítimas nesse roteiro de exclusão. Por conta de dívidas com o Governo Federal, Flamengo, Fluminense, Vasco e Botafogo não têm a Certidão Negativa de Débito (CND), obrigatória para qualquer entidade que queira ter projetos aprovados através da Lei de Incentivo ao Esporte. A exceção entre os que mais investem no esporte olímpico no Rio é o Tijuca Tênis Clube, que também capta recursos estaduais e municipais. Mesmo assim, o clube só consegue ter equipe de alto rendimento no basquete adulto, que disputa o NBB.

— O problema é que, no Rio, as empresas geralmente só querem investir em clubes de futebol. Não adianta trazer atleta de nome e não pagar. Nesse caso prefiro manter os que estão aqui. Mas a dificuldade é grande. Tínhamos aqui a Lara Teixeira e as gêmeas (Bianca e Branca Feres), do nado sincronizado, formadas aqui. Só que ela vai competir com quem? Aí, vem a confederação e marca evento em Belém. Como banco essa despesa?

Ex-gerente de esportes olímpicos de Flamengo e Botafogo e hoje à frente do basquete do Tijuca, o técnico Miguel Ângelo da Luz ressalta que a falta de concorrência de alto nível dificulta a formação de equipes competitivas no Rio:

— Ao contrário de São Paulo, o interior do Rio é muito pobre. Na verdade, os clubes daqui precisam abrir os olhos para essa questão dos incentivos federais. É esse o caminho.

De mãos atadas para buscar recursos do governo, os quatro grandes tentam encontrar outras formas também de melhorar suas instalações. O Flamengo vai receber a delegação dos Estados Unidos durante os Jogos de 2016, e o Fluminense tenta seguir o mesmo caminho.

— Nos inscrevemos para receber delegações esportivas visando às Olimpíadas de 2016. Já começamos a conversar com a Holanda, mas eles apresentaram um projeto que seria inviável. Por isso, vamos fazer outra reunião em março. É uma grande oportunidade que o Fluminense terá de montar uma estrutura mais moderna — afirma René Machado, superintendente de esportes olímpicos do tricolor.

Em São Januário, o esporte olímpico naufragou recentemente, com a interdição do parque aquático do clube, que já recebeu até etapa de Copa do Mundo de piscina curta. Por estatuto e nos versos do hino clube, o remo é imortal. Mas, ante a escassez de perspectivas futuras, até convencer jovens a remar tem sido difícil.

— Aproveitamos peneiras de outros esportes. Como precisamos de pessoas altas, vou a peneiras de vôlei do clube e convido para o remo os que não são aprovados — admite Marcello Neves, técnico de remo do Vasco, antes de alertar para a triste mentalidade vigente. — O importante é ver os esportes olímpicos não como estorvo, mas como a possibilidade de o clube ser campeão noutros esportes.

Remando. Vinícius Marques (esquerda) e Matheus Souza, do Vasco: sem dinheiro, clube mal consegue atrair jovens


Fonte: O Globo