Não é possível abordar de maneira completa o basquete do Vasco sem falar em Luiz Brasília. São 43 anos ininterruptos no clube - ao qual chegou com 15 anos de idade -, passando, sobretudo, pelas funções de atleta e treinador. Como jogador, conquistou o incrível número de nove Campeonatos Estaduais com a camisa vascaína na categoria principal (1976, 1978, 1979, 1980, 1981, 1983, 1987, 1989 e 1992, ano em que se aposentou sendo campeão), além de diversos outros títulos. Como treinador, o máximo que conseguiu no adulto foi um vice-campeonato; entretanto, ganhou diversos títulos estaduais como técnico nas categorias de base. Enfim, com tantos anos de abnegação e serviços prestados ao Gigante da Colina, a relação entre o clube e Brasília se tornou tão forte que o mesmo afirma, com os olhos marejados:
- A minha vida é aqui no Vasco. Se acabar é como se tirassem uma parte de mim, uma parte da minha vida. Eu não sei viver sem o Vasco. Tanto que se eu sair do Vasco eu não arrumo emprego em lugar nenhum. Se eu tirar a camisa, embaixo estará a pele Vasco. Todo mundo me conhece como Luiz Brasília do Vasco. Não adianta eu tentar arrumar emprego em Flamengo, Botafogo, ninguém vai querer me dar emprego. Meu nome já está associado à essa instituição, que a gente aprendeu a gostar e realmente ultimamente não deixa a gente muito alegre, mas com esperança sempre. De que melhore, de que um dia a gente volte a ter as glórias que a gente teve no passado.
Embora triste com a fase triste atual do basquetebol vascaíno e diga que, infelizmente, atualmente só relembremos o passado, o atual treinador das categorias de base e supervisor da modalidade afirma que sempre manterá o otimismo. Ele ainda trabalha diariamente, principalmente dando treinos para a garotada. Brasília recebeu muito bem o "CRVG - Em Todos os Esportes", parceiro do site SuperVasco, e a equipe da Rede Só Dá Vasco no departamento de basquetebol, localizado em uma das salas do ginásio principal, que encontra-se interditado desde dezembro de 2011 - o que é, inclusive, uma das grandes preocupações do nosso entrevistado. A sala, com diversos pôsteres de títulos e troféus, possui um ambiente nostálgico que, embora deixe uma ponta de tristeza com a fase atual do esporte no clube, revigora as nossas esperanças de que, com a força que tem, o basquete do Gigante da Colina voltará aos áureos tempos. As histórias de Brasília dentro do Vasco são tantas, que o próprio afirma:
- Eu amo isso aqui, a minha vida está aqui dentro. Se acabar, se eu sair, minha vida foi embora. Eu tenho passagens no Vasco que eu posso escrever um livro. Até já pensei nisso, sentar, começar a escrever contos. Eu vou escrever um livro. Tantas glórias, derrotas também. Tanta história que eu tenho no Vasco, no basquete.
Confira a entrevista que fizemos com Luiz Brasília, uma verdadeira lenda viva do Club de Regatas Vasco da Gama.
Chegada ao Vasco
“Eu cheguei ao Vasco em 1970, eu morava em Brasília (por isso o nome). Eu jogava futebol de campo, dente de leite, e vim para jogar no Fluminense. A minha família jogava basquete, mas eu não gostava, eu gostava de futebol. Chegando ao Rio, eu fui ao Fluminense um dia. Fiquei a tarde toda esperando o responsável sair, o porteiro falou que ele iria sair por ali. Eu, garoto, cheio de esperança, fiquei esperando a tarde inteira e o cara não apareceu. No outro dia de manhã eu voltei, só que era outro porteiro. Ele falou que o cara não saiu por aqui, sai lá por trás na saída dos carros. Aquilo me revoltou de tal maneira que eu peguei a carta e rasguei e joguei fora. Fui pra casa. Meu irmão (Paulo Brasília), que jogava basquete, um dia treinando no colégio foi visto por um jogador do Vasco que o trouxe pro clube. Aquele negócio, a família toda Vasco, meu irmão jogando no Vasco, eu tentei arrumar uma boca pra jogar futebol. E um dia eu fui vê-lo jogar basquete. Meu pai era militar, saia 15h do quartel, e fomos vê-lo treinar. De repente eu arrumava uma boca no futebol. Cheguei ao Vasco, deslumbrado, sempre foi meu sonho. Só que é muito complicado você jogar futebol no Vasco, tem seus trâmites. Não é igual ao basquete, que é mais tranquilo. Cheguei aqui e o treinador do basquete me descartou dizendo que eu era muito magro. Eu era alto, mas muito magro. Mas eu sabia jogar, eu era obrigado a jogar basquete em Brasília a manhã toda pra de tarde poder jogar futebol. Eu não posso ver um cara falar que eu não posso jogar. Eu comecei a treinar, treinar e treinar. Os treinos das categorias de base eram à tarde. Eu saía da escola às 18h e a 1ª divisão (adulto) estava começando a treinar. Eu ficava ali no meio, vendo os caras, pegando a bola. Nessa época, houve uma debandada pra Goiás, um time levou metade do nosso time. Eu ficava ali no meio deles, quando tinha treino eu ficava olhando jogada. Chegava em casa, desenhava, via para onde teria que correr. E aprendi. E uma vez o técnico, José Pereira, me chamou pra completar um treinamento. Eu sabia jogar, comecei, completei em alguns dias. Fui treinando, e comecei a fazer parte do time principal do Vasco sem jogar nas divisões de base, com 15 anos. Teve uma viagem pra Cabo Frio no verão para a qual ele me chamou - Jogos Abertos de Cabo Frio. Lá eu me destaquei e ganhei meu espaço.”
Títulos como jogador
“Foram vários. De primeira divisão, foram nove. Fora Dalbosco, Ivan Raposo, Taça Brasil, vários torneios internacionais tradicionais com o Vasco. Como treinador, campeão de mirim, pré-mirim, infantil, infanto, juvenil. Só não fui do adulto. Perdi a final que eu dirigi contra o Flamengo. Eu comecei no adulto e depois treinar as divisões de baixo, assim como foi também na carreira como jogador, quando já comecei no adulto.”
Algum especial pra destacar
“O título de mirim de 2001. Esse título foi especial como técnico. Porque esse titulo ninguém acreditava. O Vasco tinha acabado de montar esse time em 1999 e nunca tinha tido essa categoria. Fomos vice-campeões e, logo depois, campeões. Foi titulo que ninguém acreditava, o Vasco era 7ª, 8ª força, se classificou em oitavo. Jogou contra o primeiro. Ganhamos do 2º também e decididos contra o Fluminense, que era a 3ª força. De oitavo, o time foi campeão.”
Estadual de 76
“Jogaram o quadrangular final nós (com a última vaga), Mackenzie, Municipal e Flamengo. A tabela foi dirigida pro primeiro jogo ser Vasco x Flamengo e a final ser Flamengo x Municipal, as duas maiores forças. Jogou Vasco x Flamengo, e o Vasco ganhou. Nesse jogo eu não estava, porque meu irmão casou em Natal no mesmo dia. E o Vasco, como sabia das condições, não quis dar o dinheiro pra que eu voltasse de avião pra jogar. Só que o Vasco ganhou, inclusive o Fernando lima, ex vice-presidente, foi o jogo da vida dele. Vasco ganhou do timaço do Flamengo com um time azarão. Tiveram que mudar a tabela toda. O 2º seria Vasco x Municipal, para o último jogo ser contra o Mackenzie pra decidirem Flamengo x Municipal. Só que com a nossa vitória tiveram que mudar a tabela toda, e o Vasco ganhou do Mackenzie pra jogar a final numa sexta-feira contra o timaço do Municipal. O Vasco só ganhou por causa da camisa. O Maracanãzinho lotado era Vasco, e a torcida do Municipal era namorada, pai, mãe. Tinha, sei lá, 30 pessoas torcendo pelo Municipal, e 3, 4 mil torcendo pelo Vasco. Aquele jogo nós ganhamos com a camisa, por causa da força da torcida do Vasco. Por causa do nosso ímpeto. Os caras se assustaram.”
“No 2º jogo contra Mackenzie. Estavam ganhando o jogo, o Vasco perdendo de 1 ponto. Dois lances livres pro Luizinho bater. Acertou o primeiro, e quando ia bater o segundo jogaram da torcida uma bola de papel no garrafão. O cara do Mackenzie que estava pro rebote se abaixou pra pegar. O Luisinho bateu no aro, o reboteiro do Mackenzie desatento, eu peguei o rebote, fiz a cesta com um tapinha e ganhamos o jogo. Depois fomos campeões contra o Municipal graças à força da nossa torcida. Jogadores do Municipal não conseguiam jogar, ficavam bobos, nunca tinham visto aquilo. Realmente ganhamos aquele jogo na torcida.”
Responsabilidade social ao trabalhar com crianças e adolescentes
“Pela nossa região aqui, e nisso eu me envaideço muito de ter tirado muitas crianças, que hoje em dia são pai de família, advogado, professor de Educação Física. Enfim, encaminhados na vida. Essa é a minha grande vaidade. Porque não foram poucos não. Foram muitos, muitos, muitos daqui a comunidade da Barreira, do Tuiuti. Gente que é pai de família. Tem uns que ainda continuam aqui, mas encaminhados na vida graças a essa inclusão que nós tivemos. Porque o garoto que vem pra cá muitas vezes não tem base nenhuma de educação, de respeito. Até porque não tem isso, não vê isso dentro de casa. Ai ele aprende, respeito, educação, hierarquia dentro do basquete do Vasco. E isso aí a gente tem que elevar muito o nome do Vasco, o nome de um cara chamado Jose Luiz Velho, antigo diretor nosso. Essa hierarquia sempre foi respeitada dentro do basquete do Vasco. A título de disciplina, de educação. Você não vê um jogador de basquete do Vasco tirar a camisa no meio da quadra. É proibido, é um desrespeito á torcida, à instituição. Isso não é futebol. Futebol o cara tira, joga. Basquete não tira. Pode reparar isso. Nenhum jogador do Vasco tira a camisa dentro cada quadra, não é permitido. São esses detalhezinhos. Você não vê nenhum jogador nosso sair e chutar o banco, rodar com a mão. Porque desde pequenininho eles são educados a não ter esse tipo de atitude. Então isso, se você vem batendo em cima disso da educação, com certeza ele vai levar pra vida pessoal dele. Dar ‘boa tarde’, ‘bom dia’, cumprimentar, ser educado.”
Como é viver áureos e maus tempos
“Desde o inicio o basquete do Vasco oscilou. Momentos muito bons, momentos ruins. Não tão ruins como agora, porque até nos momentos ruins nós tínhamos as nossas equipes adultas formadas. Nessa ultima decadência de agora que tivemos, acho que o basquete foi sufocado. Não vou nem dizer a nível de incentivo, nada disso. Nós perdemos o ginásio, que era uma referencia nossa. Para você ter uma ideia, no ano passado nós tínhamos jogadores que nunca vieram a São Januário. Bem ou mal, os caras só vestiam a camisa, mas não incorporavam o clube Vasco porque não viviam dentro do clube. Esse glamour de antes de um clássico no futebol São Januário estar cheio, você passar e as pessoas te conhecerem. Isso também pesa muito, você perde a identidade com o clube. Quando há anos atrás as quadras externas ao ginásio foram feitas, a escolinha, que era de graça, passou a ser paga. E, na nossa região, uma escolinha paga, por mais barata que seja, é cara. Então passamos de 105 passou a ter seis atletas. Isso tudo influencia lá na frente, no rendimento das equipes. Da quantidade você tira a qualidade. Quando você trabalha com 100, 200 alunos você vai achar, 3, 4, 5, 6 atletas que serão trabalhados para futuramente formarem as equipes. Tendo a escolinha de graça, o aluno pode escolher o desporto que fará. Quando é pago, quem decide previamente o esporte é quem paga. No Vasco, escolherá provavelmente futebol profissional, não vai querer que venha aqui pra brincar. Se escolher o voleibol, vai querer que seja voleibol profissional. Está pagando... Então, quando era de graça as pessoas já vinham direcionadas àquele esporte. Então estava muito mais fácil você fazer um universo de jogadores. Agora às vezes chegam atletas sem condições. Quando nós perdemos as quadras com a reforma e depois, agora, perdemos o ginásio, pra nós foi um tiro. Só não foi um enterro porque ainda tem gente que gosta. E ainda tem o nome Vasco da Gama.”
Como é trabalhar na base sem o espelho de um time adulto?
“Muito ruim. Fizemos uma peneira recentemente aqui com 130 integrantes no nosso evento. O Flamengo fez a mesma peneira em dezembro e colocou 1500. Porque o Flamengo tem time espelho: o time adulto. Em 2000, fizemos essa peneira aqui e colocamos mil e tantos. Todo mundo queria jogar no Vasco. Os jogadores dos próprios clubes queriam jogar aqui, porque queriam fazer parte dessa equipe. Em 1999, 2000, ganhamos tudo. Você pode ver [aponta para os pôsteres]. De pré-mirim, mirim, infantil, infanto, juvenil e adulto. Ganhamos tudo. Porque tinha uma estrutura montada muito boa. Então tinha o espelho, o craque. O Charles Byrd ia ao vestiário dos jogos do infantil, ele ia aos treinos, ensinava o garoto a bater bola. Isso motivava. Porque, bem ou mal, o cara é um ídolo. E ele, além de ser um cara simpático, dado, gostava disso, ele era uma referência. E ele participava, ele gostava de ver os jogos dos garotos, de ir aos vestiários, de falar com os muleques. E daí nós tínhamos boas gerações.”
Resta um pingo de otimismo mesmo diante de tantas dificuldades?
“Sempre! Em mim, sempre. A minha vida é aqui no Vasco. Se acabar é como se tirassem uma parte de mim, uma parte da minha vida. Eu não sei viver sem o Vasco. Tanto que se eu sair do Vasco eu não arrumo emprego em lugar nenhum. Se eu tirar a camisa, embaixo estará a pele Vasco. Todo mundo me conhece como Luiz Brasília do Vasco. Não adianta eu tentar arrumar emprego em Flamengo, Botafogo, ninguém vai querer me dar emprego. Meu nome já está associado a essa instituição, que a gente aprendeu a gostar e realmente ultimamente não deixa a gente muito alegre, mas com esperança sempre. De que melhore, de que um dia a gente volte a ter as glórias que a gente teve no passado.”
Título invicto do pré-mirim em 2012
“Em 2012 conseguimos fazer um time de pré-mirim que foi campeão invicto sem nada, sem ter nada. Sem material humano, quadra pra treinar, ginásio. E conseguimos fazer um time que vai ser campeão neste ano de novo, não vamos perder. Desse time do pré-mirim eu federei cedo dois garotos. O Thiaguinho, que é o expoente do time - não falo craque porque é muito pequenininho, mas destaque -, eu federei com sete anos. Houve críticas, foram até no Fórum da Juventude, deram parte. Com sete anos o garoto não poderia jogar com gente de 10, 12, 14 anos. Quando eu federei eles, eu fiz isso justamente pra estarem em contato com esses mais velhos. Não é só chegar e entrar no time, tem que ter o mínimo de conhecimento de quem está contigo, se ambientar. Hoje em dia todo mundo fala ‘como joga esse garoto’. Se for ver no passado, desde sete anos ele joga com garoto de 13, garoto de 14 anos. Ele foi 3º cestinha do sub-14 em 2012 com apenas 10 anos. Então por ai você vê. Ele já está acostumado com isso. Ele, o Igor, o Matheus são os carros-chefes desse time pré-mirim. Time este que em 2013 é pré-mirim de novo. Se o Vasco conseguir mantê-los... Porque teve muito assédio aos pais dos garotos. O Thiaguinho mora aqui do lado, é Vasco, então é mais fácil. O Igor também não sai porque o irmão teve uma experiência de sair pro Tijuca, teve uma experiência ruim e voltou. Então, pela amizade, pelo nosso trabalho, nós conseguimos manter esse time pré-mirim. Como o time é bom, tem outros jogadores de pré-mirim que querem vir jogar aqui. Eu quero jogar onde? No time que ganhou. Qual time que ganhou? O Vasco. Quero jogar com esses garotos destaques. Está cheio de garoto de pré-mirim querendo jogar aqui, jogador do Botafogo, do Municipal. Então o time vai ser bem mais forte neste ano. Os anos vão passando e os meninos vão subindo de categoria. Você vai levando essa massa, se mantiver, claro. Pra isso, tem que melhorar a estrutura. Só o ginásio já é um grande passo. Claro que um vale-transporte, uma alimentação, melhor ainda. A propósito, nessa minha história eu tive muito jogador que não tinha tomado café da manhã. Aí eu tinha que pegar do meu bolso e comprar um negócio. E muitos outros problemas que enfrentamos no Vasco. Só quem trabalha, quem vive o dia a dia, pode entender.”
Falar sobre o fato de pessoas identificadas com o clube trabalharem nele
“O que me entristece é que a memória é muito curta. Então se amanhã ou depois tem uma reformulação não vão querer saber se eu tenho 43 anos de Vasco, que eu dei o sangue pelo Vasco. Eles não vão querer saber disso. Vão querer saber de fazer uma reformulação e botar gente aqui que ganhe muito menos e não tenha identificação com o clube, que hoje está aqui e outro dia está lá, que depois de amanhã está em outro clube, do que pessoas que têm identidade com o Vasco. A memória deles me preocupa.”
Fernando Lima, décadas de Vasco e vice-presidente de quadra e salão na época áurea do nosso basquete
“O Fernando pra mim é bem difícil falar porque eu o conheci como jogador, como diretor e principalmente como amigo. O Fernando foi um grande amigo meu, está junto comigo desde o meu começo aqui. Ele passou por essas fases pelas quais eu não passei. Começou como jogador comigo, o pai dele é uma pessoa maravilhosa, o senhor Luiz Alijó de Lima, que era conselheiro do clube. O Fernando começou comigo jogando, depois passou a ser diretor, veio a ser vice-presidente, com méritos brilhantes, uma pessoa que aprendeu e conviveu com o basquete e soube tirar disso proveito pra ter o sucesso que teve, pra montar as grandes equipes que ele montou, pra gerir essa máquina do basquete. Ele só não foi mais além porque não era uma pessoa ambiciosa. Se ele fosse ambicioso e quisesse, de repente ele podia até ser da federação, da confederação, podia estar mais além. Ele que não quis, porque ele sempre também foi Vasco, sempre foi Vasco, ele não quis sair. Mas o que ele fez pelo Vasco, o que eu aprendi com ele, o entrosamento, é difícil eu falar, porque é uma pessoa que eu gosto muito, vou falar com o sentimento, não com razão. Mas é um grande amigo, um grande irmão, tenho nem o que falar dele.”
NOTA DOS ENTREVISTADORES: Veja duas entrevistas recentes feitas com Fernando Lima, uma do blog Cesta Vascaína e outra do site SempreVasco: http://cestavascaina.tumblr.com/post/25505612396/entrevista-com-fernando-lima e http://www.semprevasco.com/conteudo/conteudo.php?id=1276
Pessoas importantes no basquete do Vasco
“José Luiz Velho é uma pessoa muito importante pro basquete do Vasco, e para outros clubes também. Ele conseguiu manter o corpo de treinadores, como eu e o Cristiano. E outros que já saíram, o Márcio, que está no Flamengo, o próprio Miguel Ângelo da Luz, que era daqui. Ele manteve essa estrutura, ele corria atrás, ele é uma pessoa muito importante pro Vasco. O Fernando também aprendeu muito com ele no seu trajeto pra ser diretor e vice-presidente. Outra pessoa é Emanuel Bomfim, um treinador que deu uma nova cara ao Vasco na época, mesclou os garotos com o pessoal mais experiente, reformulando o basquete. O falecido José Pereira também deu muita contribuição ao Vasco. Dessa nova geração pra cá, tenho a citar Flor Melendez. A vinda dele pro Vasco foi o que fez com que o clube tivesse uma nova mentalidade de organizar o esporte, mudar o evento. Ele se reunia com todos os treinadores uma vez por semana, tanto do pré-mirim quanto da primeira divisão. Ele supervisionava os treinos para ver, ficava lá, olha lá, chamava, orientava, ele selecionava o atleta que ele queria para aquela filosofia de primeira divisão. Então os atletas nossos era direcionados já para aquilo que ele iria pedir lá em cima. Então acho que ele foi um diferencial atual. O Helio Rubens tinha um time na mão, e quando você tem o time na mão e tem o dom da palavra, aconteceu o que aconteceu.”
Altos investimentos no projeto olímpico e posteriores reflexos
“Eu acho que se fez o investimento e teve os resultados. Não teve como mantê-los. Acho que os investimentos que foram feitos tiveram resultados. Não vou te dizer que todos foram certos, a gente está vendo hoje em dia que nem todos foram corretos. Uns foram feitos por ganância, outros até por muito amor e querendo que o Vasco fosse uma superpotência, sem os pés no chão. Acho que esse tipo de coisa foi feito no ímpeto de querer que o Vasco fosse uma potência mundial e nacional. E aí de repente botaram os pés pelos mãos e o projeto não foi em frente. Mas seria o projeto que qualquer clube sonhava. Você vê que na olimpíada de 2000 o Vasco colocou mais atletas do que muitos países. Você tem todos esses dados. Então o projeto era muito bom, de repente faltou gerir, não foi tratado com a atenção que tinha que ter, a delicadeza que tinha que ter."
2013 do basquete, o que dá pra projetar?
“Hoje em dia sinceramente nada. Se você me perguntar hoje o que iremos disputar, eu não sei. Dia 19 de fevereiro tem a reunião da federação pra fazer a tabela de jogos. E hoje em dia o Vasco está inscrito, mas não está apto a disputar o campeonato, em virtude das dívidas com a FBERJ. Você me pergunta: vai disputar? Eu não sei. Eu estou trabalhando, treinando minha equipe toda segunda e quarta e sexta na Associação [de Basquetebol de Veteranos do Rio de Janeiro – ABVRJ -, localizada na Praça da Bandeira, no centro da cidade do Rio de Janeiro], estou preparando o time pra jogar. Se vai jogar ou não, tem que falar com vice-presidente, diretor, alguém mais em cima. A gente vê muita coisa errada e vê que o déficit do Vasco não vem do esporte olímpico, que tanta glória deu ao Vasco. Tantos jogadores que colocaram o nome do Vasco no alto em futsal, basquete, natação etc. Não é o esporte olímpico que onera o clube. Os custos são uma gota d'água no oceano. As equipes de basquete iam sendo preparadas desde a escolinha e iam subindo ganhando: pré-mirim, mirim, infantil...”
"A reunião da federação de basquete é dia 19 de fevereiro, quando lançam a tabela. Hoje em dia o Vasco está inscrito, mas não apto a jogar. A gente não sabe de nada. Se vai ter os campeonatos, se não vai ter. Eu dou treino todos os dias, estou dando treino normalmente. Nós temos todas as equipes treinando pro campeonato, que a gente não sabe se vai ter. O que eu acho maior sacanagem com o profissional e com o jogador. Porque dia 19 sai a tabela. Se eles jogarmos, os jogadores, coitados, não conseguem mais se encaixar em outros clubes. Então, vai fazer o quê?"
Como era jogar com Maracanãzinho lotado?
“Muito bom. Era Maracanãzinho lotado, aquele calor, a torcida gritando. Você vê as fotos [aponta para os pôsteres]: Maracanãzinho sempre cheio. O Vasco lotava ginásio, ganhava, a torcida confiava. Era ginásio sempre lotado. Hoje em dia falta um incentivo pra garotada ter identificação com o clube, com a história do clube, usar melhor as sedes, que são excelentes fontes de renda. São Januário, que não tem nada nesse sentido, Calabouço, Sede Náutica.”
Conversas com o Alberto Bial para formar time adulto
“Esse time do Ceará era para estar com a camisa do Vasco. Sinceramente, eu não participei das reuniões. E se eu falar alguma coisa eu estaria sendo leviano, porque eu realmente não sei, não participei.”
O que a torcida do Vasco que gosta e acompanha os esportes olímpicos pode fazer pra ajudar nessa má fase?
“Eu acho que um movimento seria bom. Um movimento não só de sites, mas um movimento dos vascaínos. De quem viveu a época boa. O Vasco não é um São Caetano, um Atlético-PR, que não têm nome, não têm torcida. O Flamengo é rival, mas a gente sabe disso: onde for jogar, em qualquer esporte, bota milhares de pessoas. O Vasco a mesma coisa. O Flamengo com esse time de basquete, o Vasco entrando vai levar porrada. No dia em que o Vasco voltar a ter um timaço, ninguém ganha de Vasco e Flamengo no Brasil. Eu jogava com Maracanãzinho cheio só com torcida do Vasco. Você vê no futebol, não tem outro clube igual. Vasco e Flamengo jogando em qualquer lugar do Brasil vai lotar. Quando eu jogava, eu viajei várias vezes porque uma prefeitura iria inaugurar um ginásio e fazia uma pesquisa pra ver qual jogo colocar. Ganhava Vasco x Flamengo.”
“Os esportes olímpicos, as pessoas têm interesse nisso. Não é só futebol. Quer ver uma coisa... Eu joguei numa época em que o time de futebol do Vasco era fraco, e o basquete levava muito mais gente pro estádio do que o futebol. Maracanãzinho era lotado para ver o Vasco jogar. O basquete levava muito mais torcedores do que o próprio futebol.”
História da quase saída pro Riachuelo
“Não sei o ano exatamente, mas eu iria sair do Vasco. Meu irmão, que era do Vasco, saiu pro Riachuelo, clube do Rio de Janeiro. Ofereceram uma grana pra ele e ele aceitou. No dia da apresentação dele meu pai tomou uma cerveja lá e falou pros caras que eu iria também. Nunca eles iriam imaginar que iriam me tirar do Vasco, eles se encheram de esperança de que eu fosse. Vieram encher meu saco. Eu pedi uma coisa absurda pra não dizer 'não vou'. Eu pedi uma coisa que na época era absurda, eu tinha 16 anos. Eu pedi um carro e um milhão de cruzeiros, era muito dinheiro. Os caras ficaram de estudar. Eu falei 'os caras não vai aceitar; ou vão me chamar de maluco ou dizer que não'. Passou uma semana e na semana seguinte eu soube pelo meu irmão que os caras iam lá em casa pra acertar. E isso o pessoal do Vasco soube, vazou. Eu ganhava 200 cruzeiros do Vasco na época. Eu fiquei naquela, será que os caras vão fazer isso? Na quarta-feira que eu vim treinar aqui, todo mundo sabia que eu iria sair, vieram me falar. Aumentaram meu salário pra 600. Era muita diferença. Me falaram 'não vão te pagar o ano todo', não interessa. Se os caras me pagarem quatro, cinco meses é o que eu vou ganhar o ano todo aqui. Os caras ainda vão dar o carro. Era muleque, queria nem saber. Aí eu encontrei o pai do Fernando - Luiz Alijó de Lima -, naquele corredorzinho que sai do departamento infanto-juvenil. Eu estava chegando à quadra pra treinar, ele estava saindo. Ele virou pra mim e disse 'E aí, Brasília, soube que você vai sair'. Eu falei assim: 'Eu vou, recebi uma proposta muito boa, o Vasco não quer...'. Contei a história a ele do que estava acontecendo. Ele virou pra mim e falou assim: 'Eles vão te dar um carro alienado'. Eu nem sabia o que significava 'alienado'. 'A hora que eles vão te pagar eles vão e pegam o carro'. 'E segundo, o que o mais importante: se você sair daqui e chegar à Penha e falar que joga no Riachuelo, ninguém vai saber o que é. Se sair daqui e for lá pro interior do Amazonas e falar que joga no Vasco, você pode ser uma merda, pode ser o pior jogador do Vasco, mas todo mundo vai te respeitar'. As palavras dele pra mim no corredor. Eu fiquei parado, pensei 'tem razão'. Ele falou assim: 'Eu te dou mais 200 do meu bolso, tu fica?'. Ele me quebrou, falando 'tu fica?'. Eu falei 'pô, seu Luiz, vamos ver’. 'Vamos ver, não', retrucou, 'ou vai ou fica'. 'Tá bom, eu fico, então aperta minha mão. Fechado, então.'. Saí daqui, cheguei em casa, eu abro a porta de casa, tinha um bolo de dinheiro, documento do carro e a chave. Eu entrei, olhei, dei boa noite. Na minha casa, a gente tinha o hábito de quando sair e chegar em casa falar com a minha mãe. Ela estava na cozinha, serviu café pros caras. Dei boa noite, passei direto. Falei com a minha mãe, falei parado, pensei 'o que eu faço agora?'. Mãe é uma coisa... Falei 'mãe, acertei com o Vasco, eu não vou sair'. Ela: 'tem certeza', eu respondi 'tenho'. Os caras trouxeram dinheiro, trouxeram carro, minha mãe já viu o carro, 'está tudo como tu pediu; como é que eu vou falar com os caras agora?'. Minha mãe perguntou se era a última palavra, eu disse que era. Ela falou: 'Vou falar com os caras. Fica aí, já vou indo'. Minha mãe chegou, os caras levaram o envelope. Ela chegou e falou 'tenho uma notícia pra vocês'. Pegou o envelope, abriu, botou a grana lá dentro, passou aquele dinheirão todo no envelope, dobrou. 'Sinto muito, mas meu filho vai continuar no Vasco'. Deu o envelope para o cara, foi pra porta e abriu a porta. Ficou esperando.”
"Eu amo isso aqui, a minha vida está aqui dentro. Se acabar, se eu sair, minha vida foi embora. Eu tenho passagens no Vasco que eu posso escrever um livro. Até já pensei nisso, sentar, começar a escrever contos. Eu vou escrever um livro. Tantas glórias, derrotas também. Tanta história que eu tenho no Vasco, no basquete, essas histórias bestas. Essa da minha mãe é fenomenal. Teve uma guerra em casa, fiquei seis meses sem falar com meu pai. Mas fiquei no Vasco, e era muito feliz. Ganhando bem menos. Era muito dinheiro, uma pilha de dinheiro. O que pesou muito foi o que o pai do Fernando me falou: 'Se você sair daqui e for pro Amazonas e falar que joga no Vasco, todo mundo vai te aceitar. Se você falar na Penha que joga no Riachuelo, ninguém sabe onde é’. Isso aí que pesou bastante. Hoje em dia não há amor à camisa."
Orçamento do basquete em 2013 e situação financeira
"Nada, zero. Eu perdi jogador pro Tijuca pra ganhar trinta reais por semana. Não veio verba da Eletrobras [N.T.: previsto em contrato]".
"Como procurar patrocínio se você não tem um ginásio pra botar uma placa, pra estampar na parece o patrocinador? Como? Treinamos e jogamos na ABVRJ [Associação de Basquetebol de Veteranos do Rio de Janeiro, localizado na Praça da Bandeira, centro da cidade do Rio de Janeiro/RJ], você acha que eu vou chegar com uma placa pra colocar na parede? O cara vai querer um também. Não está errado, nós não temos aonde divulgar. Não temos nem a certidão negativa pra buscar recursos a partir de incentivo fiscal."
O que deve ser feito para termos uma base boa e posteriormente pensarmos em time adulto?
“Ginásio, primeiramente ginásio. Eu não falo só do basquete não, o futsal também caiu muito porque perdeu o ginásio, teve que jogar lá fora. Pior é ter que alugar quadra. Primeiro de tudo pro Vasco voltar a ser o coração infantil que está lá você tem que ter o ginásio, a referência. Investimento, essas coisas todas, vem depois. Você tem que ter condição de oferecer o espaço pra uma propaganda, uma faixa. Fazer alguma coisa no ginásio do Vasco. Eu não posso oferecer a quadra dos outros, da Associação, não posso oferecer a parede da Associação de maneira nenhuma. Eles vão querer uma parte também. Então, hoje em dia é necessário estruturar as diretorias de base, saber quem é quem, quem manda aonde. E depois começar oferecendo o espaço físico. Antigamente o basquete treinava de 14h às 20h. Treinava mirim, infantil, até o adulto. Nesse horário o ginásio era do basquete. Terça e quinta do futsal. Hoje em dia tem o vôlei também, mas o Vasco não tem espaço físico pra isso. É o que eu falei das quadras lá fora. Houve um equívoco, porque o que se gastou lá se gasta mais um pouquinho fazia três ginásios, numa época em que o Vasco tinha uma condição, tinha patrocínio. Para renascer, precisamos ter o espelho, ter o apoio. No princípio, ter um espaço físico, uma estrutura boa para a direção das categorias de base, sabendo quem manda aonde (diretor de basquete é diretor de basquete, não uma pessoa mandando em tudo). Então, partindo daí acho que a gente pode renascer das cinzas.”
“O esporte olímpico do Vasco precisa das pessoas certas nos lugares certos. Tem que ter diretor de basquete que viva o basquete, diretor de vôlei que viva o vôlei, de futsal que viva o futsal. Não pode botar uma pessoa pra mandar em tudo. O vice-presidente de quadra e salão precisa colocar as pessoas certas nos lugares certos, pra você vivenciar aquilo. É como a gente ter um jornal e eu querer mandar em tudo. É humanamente impossível. Então você tem que ter os lugares pras pessoas que vivenciam aqueles problemas, para poder solucionar. Hoje em dia o basquete não tem ninguém. Tenho eu aqui, sentado. A minha função hoje é treinador, eu estou supervisor, mas eu sou treinador. Eu até gosto de fazer a função de supervisor, mas eu sou treinador. Mas eu sou o único elo do basquete com o diretor.”
“Hoje em dia você tem que fazer um trabalho muito complexo. Se você chegar aqui e me oferecer agora R$ 1 milhão por mês pra gente fazer um time eu não vou aceitar. Sabe por quê? Porque eu não vou construir um prédio num poço de areia. Eu tenho que reformular a base primeiro, fazer equipes fortes no infantil, no infanto-juvenil. Pra municiar daqui a dois anos o time de cima. Vamos ter que fazer um trabalho de seleção durante um ano no mercado. Então, se você falar ‘te dou 1 milhão pra gente fazer um time agora’, sabe o que vai acontecer? Eu vou gastar teu dinheiro e a gente não vai ganhar nada. Por quê? Porque todos os jogadores de nível estão compromissados com os outros clubes. Vai pegar só quem sobrou, quem sobrou do Flamengo, quem sobrou do Brasília, a gente vai fazer uma colcha de retalhos. E não vai ganhar. Você faz uma base, pega o dinheiro, estrutura a base, faz um time de juvenil forte, traz os jogadores do infanto-juvenil também fortes. No ano que vem, no meio do campeonato do NBB, já vai contactando os caras que você quer que venha: ‘toma o meu cartão, quando acabar o campeonato me procura pra gente conversar’. Os caras querem dinheiro, e tem cara que gosta de mudar. Aí sim, você pega os caras que você fez contato, fecha, junta com os do juvenil, vai lá fora, traz mais dois americanos, um argentino, traz uns dois estrangeiros, mete no time. O Vasco tem a obrigação de render, aposto com você. Agora, não é de imediato. De imediato você não vai conseguir tirar o Marquinhos do Flamengo, por exemplo. Os caras já estão fechados com seus clubes. De imediato é você convencer os caras de que o esporte olímpico do Vasco não pode acabar. Franca, Brasília têm time de base, os caras levam jogadores de base fortes. O Nenê, quando foi vendido, o dinheiro recebido pelo Vasco pagou o salário dos funcionários que estava muitos meses atrasado. Então, esse investimento tem retorno. Se você investir, trabalhar, cuidar, tem retorno. No Vasco, o momento atual é do esporte olímpico, a olimpíada. Vamos fazer o Vasco Olímpico, que você possa emprestar a piscina, o campo, o ginásio pra países treinares. O Flamengo, por exemplo, está reformando o ginásio pra seleção do Canadá treinar.”
“Se deixarem a gente faz [o basquete voltar à boa fase]. Eu pelo menos tenho vontade de voltar a fazer tudo isso. E trabalho pra isso. Aquela coisa, a gente sem o mínimo apoio, sem material humano. A gente não tem preparador físico. Tem jogo do basquete às vezes em que a gente sai bem do jogo, e no decorrer vai caindo, caindo, caindo... Não tem preparador físico, não tem acompanhamento que tem que ter. Eu tenho todas as categorias, do pré-mirim ao juvenil. Outros clubes oferecem um colégio, um curso de inglês. Bota na ponta do lápis e vê quanto dá tudo isso.”