Histórias de técnicos que mudam o jogo no intervalo se espalham por todos os esportes, mas, trocando a ordem das palavras, técnicos que mudam a história do esporte no intervalo são raros. Quando a seleção brasileira de basquete foi para o vestiário na metade da decisão dos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987, carregava o peso de uma derrota por 14 pontos. As palavras do treinador Ary Vidal a portas fechadas para seus comandados, ainda que tenham sido apenas "voltem lá e joguem", mudaram a trajetória da bola laranja no Brasil. Oscar, Marcel & Cia voltaram, jogaram, reagiram e arrancaram uma medalha de ouro memorável no quintal dos americanos. Não foi o maior feito do basquete verde-amarelo, mas foi o mais emblemático. Lembrado até hoje pelos torcedores, 25 anos depois, o triunfo ganhou uma nota triste nesta segunda-feira. Aos 77 anos, Vidal morreu em sua casa no Rio de Janeiro e transformou em memória mais de meio século de dedicação à modalidade que amava. O enterro será nesta terça-feira, no Cemitério do Caju, na zona norte do Rio de Janeiro.
Portador de problemas renais e cardíacos crônicos, Ary Vidal apresentou um quadro agudo e foi internado em estado grave no dia 23 de outubro do ano passado no Hospital São Lucas. No dia 28 de dezembro, quando completou 77 anos, deixou o CTI e foi transferido para o quarto.
O ouro no Pan de 1987 é a imagem mais marcante da carreira de Ary Vidal, mas outros grandes momentos se enfileiraram desde 1959, quando iniciou os trabalhos de técnico ao assumir o Tijuca Tênis Clube, no Rio. Passou por diversos clubes, incluindo Flamengo, Vasco, Fluminense, Minas e Corinthians de Santa Cruz do Sul, pelo qual foi campeão brasileiro em 1994.
Pela seleção brasileira, o treinador chegou a comandar a equipe feminina, mas por um período curto - em 11 partidas, venceu oito e perdeu três. Na masculina, construiu uma trajetória muito mais sólida, com 124 jogos.
O ponto alto foi a consagração em Indianápolis. Naquela época, os Estados Unidos ainda não usavam os astros da NBA em competições internacionais. Mas o time universitário que defendeu o país em 1987 tinha craques do nível de David Robinson, que mais tarde se tornaria um dos maiores pivôs da liga profissional.
Os donos da casa massacraram o Brasil no primeiro tempo, chegaram a abrir 22 pontos e foram para o intervalo com 14 de vantagem. Àquela altura, a torcida não imaginava que o ouro podia escapar. Mas o time de Vidal voltou endiabrado para a segunda etapa e conseguiu uma virada improvável, quase impossível. Inspirado, Oscar Schmidt foi o cestinha da final com 46 pontos, seguido pelos 31 de Marcel. A choradeira na quadra após a vitória por 120 a 115 está até hoje no imaginário do torcedor brasileiro.
O técnico foi além daquele Pan. Já tinha comandado a seleção no Mundial de 1978, nas Filipinas, quando o Brasil ficou com o terceiro lugar. Depois do título em Indianápolis, levou a equipe às Olimpíadas de Seul-1988 (quinto lugar) e Atlanta-1996 (sexto).
Com problemas de saúde, afastou-se das quadras, mas ensaiou um retorno como diretor técnico do Flamengo em 2009. Mantinha a frequência nos ginásios e recebia homenagens. Uma das mais recentes foi do NBB, que deu o nome de Ary Vidal para o troféu de melhor técnico da temporada.
Por mais que tenha trilhado uma estrada sólida nos clubes e na seleção, a imagem que ficará marcada é a daquele 23 de agosto de 1987, com a festa na quadra em Indianápolis. Vinte e cinco anos, cinco meses e cinco dias depois, não há motivo para festa: o basquete brasileiro fica mais triste.
Fonte: GloboEsporte.com