Se em 2011 Ricardo Gomes pode considerar que nasceu de novo, 2013 é encarado como seu renascimento profissional. Após quase dois anos se recuperando de um acidente vascular cerebral sofrido à beira do campo quando era treinador do Vasco, ele retornou a São Januário para atuar como diretor técnico. Assim, a pré-temporada da equipe, realizada em Pinheiral (RJ), serviu para que ele colocasse fim à angústia sentida no tempo em que foi impedido de fazer o que mais gostava.
Durante duas semanas de trabalho na cidade do Sul Fluminense foi possível ver Ricardo Gomes presente no gramado a todo tempo, mas sempre como observador dos treinos comandados por Gaúcho. Mesmo assim era comum em algum momento conversar a sós com um atleta, transmitindo orientações pontuais.
Trabalhar como diretor técnico é uma novidade na trajetória pessoal de Ricardo Gomes, mas não algo novo em sua vivência profissional. Na década de 90, ainda como capitão da Seleção Brasileira, o então zagueiro trabalhou com a dupla Parreira e Zagallo, sendo o Velho Lobo o coordenador técnico da equipe. Mesmo deixando claro que não se pode comparar com o maior detentor de títulos da Seleção, Ricardo Gomes afirma que tem os ensinamentos de Zagallo como lições a serem colocadas em prática no Vasco.
Obstinado em se recuperar totalmente das sequelas deixadas pelo AVC, Ricardo Gomes projeta que daqui a cerca de dois anos trabalhará novamente como treinador. No entanto, em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM mostra que estar novamente dentro do campo, independentemente da função, representa o cumprimento de sua principal meta.
- Minha recuperação tinha um objetivo: voltar ao futebol.
GLOBOESPORTE.COM: Como foi a primeira experiência de diretor técnico durante uma partida, no amistoso contra o Ajax? De que forma funcionou sua parceria com Gaúcho?
Ricardo Gomes: Meu trabalho é mais durante a semana do que no jogo. Como diretor técnico eu tenho responsabilidade pelos resultados, mas o Gaúcho tem total liberdade e conhecimento para exercer sua função de treinador. Estamos sempre trocando ideias, conversamos sobre a parte tática e sobre jogadores. Quando faço a avaliação de alguém que pode vir para o Vasco, falo com ele, e vice-versa. É um trabalho de consenso para o bem do Vasco. Nós conversamos e ele executa no campo. Se vai ser bom ou não, isso será visto pela torcida. O clube vive um momento difícil, mas é uma fase. O Vasco é muito mais do que isso. Estamos trabalhando para que o Vasco passe por tudo sem grandes perdas, mas ao mesmo tempo sem deixar de lado a sua responsabilidade. Sabemos que todos querem vitórias e títulos.
Durante as duas semanas de pré-temporada foi comum vê-lo conversando individualmente com alguns jogadores no campo, seja antes ou depois dos treinos. É algo que também está inserido no seu trabalho?
Sim, mas eu passo 99% do meu tempo com o Gaúcho e 1% com os jogadores. Gaúcho e eu tomamos café da manhã, almoçamos e jantamos reunidos falando o tempo todo do Vasco. Futebol não é a coisa mais importante do mundo, mas é o nosso trabalho. O Gaúcho tem mais de 40 anos de Vasco e, assim, conhece muito o clube. Eu tenho uma boa experiência no futebol e vou ajudá-lo para tenha muito sucesso.
Em algum momento você pensa em se juntar ao Gaúcho no banco de reservas ou seguirá acompanhado as partidas de uma cabine?
Diretor técnico é uma coisa, treinador é outra. Não vou ficar longe da minha responsabilidade na semana de trabalho. Depois, no jogo, o Gaúcho vai fazer e faz bem feito. Quem toma as decisões na partida é o Gaúcho, mas converso com ele durante toda a semana. Todos aqui querem os bons resultados para o Vasco.
Como jogador, você integrou a Seleção Brasileira com um formato semelhante ao utilizado pelo Vasco atualmente. Carlos Alberto Parreira era o treinador e Zagallo era o diretor (coordenador) técnico. Sem querer comparar as pessoas, mas essa experiência de alguma maneira guia seu atual momento?
O Zagallo chegou a esse cargo só com alguns títulos de frente (risos). Parreira e Zagallo começaram a trabalhar juntos em 1970, então realmente é uma outra história. Além disso, o Zagallo participava mais no campo com o Parreira, eram quase uma pessoa só. Na minha função dificilmente eu vou fazer isso em São Januário. Aqui na pré-temporada é diferente, mas lá eu não estarei mais vestido de treinador. Durante a semana vou observar os treinos e depois vou conversar com o Gaúcho.
Mas o que mais chamou sua atenção no trabalho de Zagallo naquela época?
Ele é um cara que transmitia confiança para os jogadores. Falava pouco, mas com sua experiência monstruosa, o que ele falava nós fazíamos. Não somente em relação aos jogos, mas principalmente ao comportamento do atleta no dia a dia. O Zagallo sempre reverenciou o futebol, mas lembrou que era preciso seguir regras. Se o jogador não cumprisse, poderia ir bem num dia, mas no outro já não conseguiria. Ele batia o tempo todo nessa tecla. Conhecia muito de futebol, então dava uns toques no Parreira, mas no dia a dia ele insistia na importância do futebol para nós, para o Brasil e nas regras que era preciso seguir para fazer bem feito.
Esses ensinamentos de alguma maneira norteiam sua forma de conduzir o trabalho no Vasco?
Claro, isso é importantíssimo. No clube isso é mais fácil, porque você convive mais com os jogadores. Na Seleção o grupo se reúne em alguns momentos. Aqui nós temos mais contato com os atletas. Mas é uma grande lição.
Você nunca escondeu que o cargo de diretor técnico é temporário e que seu desejo é voltar a ser treinador. Já tem ideia de quando isso poderia acontecer?
Estou muito satisfeito com a minha recuperação, mas não tenho nenhuma certeza em relação a isso. Acho que vai demorar mais um ano e meio, dois anos para voltar como treinador. É um sentimento meu, não tem nenhuma evidência científica. Acho que vai demorar esse tempo para zerar tudo. Ainda preciso recuperar a voz e ainda tenho alguma dificuldade no lado direito.
Para você, ficar sem trabalhar era uma grande angústia, mesmo envolvido com todo o trabalho de recuperação após o AVC. Agora com o retorno ao dia a dia do Vasco sente-se aliviado?
Lógico. Minha recuperação tinha um objetivo: voltar ao futebol. Eu gosto muito de fazer isso, e quando você gosta, consequentemente tem mais vontade. Caso contrário eu não teria essa recuperação.
E sua família? Depois de retorno ao trabalho ela se mostra preocupada com sua rotina, que pode ser estressante?
Apesar do estresse do futebol, o meu problema teve uma ligação mais herediária do que um problema relativo ao jogo. Acho que não existe outro caso de um treinador que passou por esse problema durante uma partida (risos). Além disso, sempre ouvi que não era um treinador estressado. Tudo foi porque demorei a perceber a chegada da hipertensão. Essa foi minha negligência. Se tivesse tomado os remédios não teria passado por isso.
Depois de tudo o que aconteceu, como você enxerga sua relação com o Vasco?
Quando cheguei ao clube (em janeiro de 2011) sofri uma resistência pela minha história com o Fluminense. Isso foi diminuindo e zerou depois de dois meses, até mesmo antes do título da Copa do Brasil. A única coisa da qual não abro mão é o respeito, e neste caso, o respeito à instituição. Cheguei ao Fluminense com 12 anos e saí com 23, não posso esquecer que cresci lá. Mas quando cheguei ao Vasco procurei conhecer as pessoas, o clube e busquei o melhor para a instituição. Todos foram vendo que eu não jogava para a galera, eu queria somente o bem do Vasco. Então tive esse reconhecimento. Além disso, houve o título e depois o AVC. Aí, tive apoio da torcida, de gente que eu conhecia e que eu não conhecia. Se não fosse por isso, eu não estaria aqui. Na minha cabeça, nunca vou esquecer o Fluminense e nem o Vasco. Se eu sair daqui amanhã isso vai ser ad eternum.
É possível então definir sua relação com o Vasco?
Não vou definir, mas digo que ela é excelente. Seja com diretoria ou com a torcida. No entanto, sei que ela precisa ser regada com bons resultados.
Fonte: GloboEsporte.com