O Rio de Janeiro ganhou um novo "menino do Rio". O atacante francês Thierry Henry, do New York RB, poderia se passar tranquilamente por um carioca. Falante, bom de papo e carregando um sorriso com ar debochado no rosto, o jogador também sabe manter a firmeza quando tem que falar sério. Mas quis o destino que o "menino" conhecesse sua nova paixão nem tão jovem assim. Com 35 anos, aterrissou na Cidade Maravilhosa pela primeira vez na última semana para curtir alguns dias de férias. Foi amor à primeira vista.
A relação com o Rio também é - quase - clubística. Por causa de Romário, Henry passou a ter simpatia pelo Vasco, apesar de ter gaguejado e ponderado as palavras ao completar a afirmação com evidente medo de desapontar os outros "conterrâneos". Não é Nilton Santos, mas pode ser considerado a "Enciclopédia do Futebol Brasileiro" no exterior. Acompanha a Seleção desde 1982 e conhece vários nomes consagrados, inclusive os mais antigos. Fã da música tupiniquim, gosta de se imaginar como um "menino do Rio", por sinal, um clássico de Caetano Veloso, um de seus artistas preferidos. Assim como todo brasileiro, se derrete ao falar de Neymar, sobre quem joga a responsabilidade de conquistar a Copa de 2014.
Na manhã da última sexta-feira, Henry deixou a folga e se dirigiu a uma loja em um shopping na Zona Oeste do Rio de Janeiro para atender o GLOBOESPORTE.COM como um local, bem à vontade. De camiseta e calça jeans, só não estava de bermuda porque a ocasião não permitia. Inquieto, deu trabalho aos que tentavam fotografá-lo e demonstrou encantamento quase obsessivo por uma camisa retrô do Botafogo. Após cada uma das quatro entrevistas que concedeu, levantava-se, olhava alguns calçados, mas logo voltava-se para seu objeto de desejo, sentia o tecido e fazia um comentário elogioso a um membro de sua larga comitiva (quase dez pessoas). Após o fim do compromisso, quando percebeu que a imprensa já havia deixado o estabelecimento, pegou uma cópia e pediu para que um dos assessores a guardasse.
Apesar da identificação instantânea, o francês não teve tanta sorte na cidade. Desde sua chegada, na quarta-feira, até o dia da entrevista, chuva e céu nublado. Como cantaria Adriana Calcanhotto, tudo o que os cariocas não gostam. O mau clima, contudo, não incomodou o visitante ilustre, que sentiu um "feeling" diferente e teve a certeza de que encontrou um novo amor.
- Você é carioca, certo? Isso é legal. Se você está aqui, tem tantas opções, a floresta na cidade, o mar, as montanhas, as pessoas geralmente são amigáveis, sorridentes, curtem a vida. Então seria incrível fazer parte disso e viver aqui. Obviamente tenho uma ligação forte com Londres (onde defendeu o Arsenal por oito anos) e Nova York (onde vive e joga atualmente), mas o Rio é muito legal, tenho que dizer. Estou na cidade há apenas três dias, sei que é cedo, mas sabe quando se tem um bom sentimento sobre algo? Tenho um grande sentimento com esta cidade. Pessoas me diziam que eu tinha que ir ao Brasil. Gilberto Silva, Denilson, Sylvinho, Dani Alves, até o André Santos. Estive com ele recentemente porque estou treinando no Arsenal. Ele sempre me disse que o Brasil é um país incrível. Sempre que jogava contra um jogador brasileiro, todos me diziam que eu deveria ir ao Brasil e agora posso dizer: sim, eles estavam certos.
GLOBOESPORTE.COM: Há uma teoria famosa no Brasil de que você é torcedor do Vasco. O Denilson (atualmente no São Paulo) chegou a dizer que você ficava cantando "Vasco!" para os brasileiros no vestiário do Arsenal. O que há de verdade nesse mito?
HENRY: Eu estava assistindo à final do Mundial de Clubes (de 2000) entre Vasco da Gama e Corinthians e gostei do fato de as torcidas cantarem umas contra as outras e a beleza disso. Por isso eu sempre ficava cantando algumas coisas, especialmente quando o Syvinho estava lá (no Arsenal), Gilberto Silva e Denilson. Eu estava sempre fazendo piada com eles porque sabia que o Denilson era do São Paulo, Sylvinho do Corinthians, Gilberto Silva do Atlético Mineiro, eu sempre brincava com eles. Mas Romário estava jogando no Vasco, eu sempre gostei do Romário, do Ronaldo, então estava torcendo por ele.
Mas há algum clube no Brasil que seja de sua preferência?
Romário jogou pelo Vasco, então... (gagueja, pensa duas vezes e continua) na época eu acompanhava o Campeonato Brasileiro, mas gosto do campeonato, de todos os times e jogadores, as pessoas são apaixonadas o tempo todo por seus times.
Percebi que não parou de olhar para a camisa do Botafogo...
Gosto por ser uma antiga, curto coisas retrô, os laços, é bem legal.
Já que falamos sobre o Vasco, o Juninho, que é um ídolo do clube, vai ser seu companheiro no New York RB. Já o enfrentou ou o viu jogar?
Eu joguei contra ele na Liga dos Campeões. Nunca o enfrentei na França porque quando eu saí (do Monaco), acho que ele chegou (ao Lyon) um pouco depois, mas depois duelamos com nossas seleções, França e Brasil, Lyon contra Barcelona. Ele é incrível, é um profissional incrível. O acompanhei este ano, ele teve uma temporada muito boa. Cobrança de falta para ele é como um pênalti. É uma loucura. Os gols que marca de falta, a pessoa que é, o modo como se comporta... é um grande cara, um grande cara.
Neymar é um jogador sobre o qual todos na Europa estão falando no momento, o que acha dele?
Ele é ótimo. Neymar é especial. Espero que tenha uma grande carreira e parece que vai ter uma muito boa. Que ele possa realizar uma grande Copa do Mundo no Brasil. Ele faz gols incríveis, é rápido... é o tipo de jogador que os torcedores gostam de ver. Acho que mesmo que você não goste do Santos, você tem que gostar do Neymar. É o tipo de jogador que não importa onde jogue, as pessoas sempre vão dizer: Esse cara é bom. Ele pode jogar lá, mas ele é bom. Espero que tenha uma carreira brilhante e que seja bom para a seleção brasileira.
Muitos acreditam que o futuro de Neymar será no Barça. Ele poderia dar certo ao lado de Messi?
Neymar pode jogar, por sua qualidade, em qualquer lugar. Se vai dar certo ou não, eu não sei, não sou o técnico. Neymar tem a capacidade de poder escolher onde quer jogar e essa é a beleza de seu talento e a Copa do Mundo será resultado de seu trabalho. Sim, ele pode jogar no Barcelona. Terá muito sucesso. Eu joguei pelo Barcelona, então se ele for para a Espanha é para onde eu gostaria que ele fosse, porque sei que iria curtir. E o Barça é o maior clube do mundo agora. Não quero lhe dar nenhum conselho, mas como apaixonado pelo Barcelona e nem tanto pelo Real Madrid, eu diria para ele ir para o Barcelona porque vai gostar muito do futebol de lá.
Messi, Iniesta e Cristiano Ronaldo disputam a Bola de Ouro. Os três merecem ser os finalistas? Qual deles você elegeria o vencedor?
Acho que será uma briga entre Iniesta e Messi. Talvez seja meu lado barcelonista falando, mas deveria ficar entre Iniesta e Messi. Iniesta ganhou a Euro de novo (com a Espanha em 2012, conquistando o bi) e jogou bem, mas Messi fez algo que não sei se seria possível fazer (superou o alemão Gerd Müller como o homem que mais fez gols em um ano), mas ele fez, então veremos, mas tem que ser entre os dois.
Há algum brasileiro que te encante mais?
Vocês têm muitos. Se olharmos para a história de vocês, é muito difícil escolher. A primeira Copa que lembro é a de 1986, um time muito bom. O de 82 era muito bom também, se olhar alguns anos antes, você tem Pelé, Garrincha, Sócrates, Carlos Alberto, Falcão, Jairzinho, Didi... depois tem Romário, Ronaldo, Bebeto, Rivaldo, Ronaldinho. Essa é a beleza do seu país, vocês sempre tem jogadores incríveis aparecendo, agora o Neymar. É difícil escolher um, mas, depois de crescido, Romário e Bebeto. Eles faziam uma boa combinação.
Nesta semana o Boateng, do Milan, deixou o campo durante uma partida contra um time da Quarta Divisão italiana por ter sido alvo de atos racistas dos torcedores rivais e o jogo foi cancelado. Essa é a atitude que os jogadores devem ter ou você agiria de outra maneira?
Há um ponto: não estamos no controle das regras. Não podemos punir as pessoas nem fazer nada. Às vezes talvez seja certo, às vezes talvez seja errado, mas você precisa fazer algo para fazer as pessoas entenderem que já chega. Se eu ou algum jogador estivesse no comando, eu poderia te falar, mas não temos controle sobre o que pode acontecer ou sobre o que os jogadores podem fazer. Geralmente você simplesmente joga, mas é assim. As pessoas devem agir, as pessoas que estão no poder. Algo deve ser feito. Como era um amistoso, foi algo bom de se fazer, mas você não vai parar um jogo de Liga dos Campeões. Se alguém faz isso o tempo todo, você sai e o jogo para... desta vez foi bom porque era um amistoso.
Como você gostou tanto do Rio e do Brasil, jogaria e viveria aqui?
Para jogar, não mais, é muito tarde agora. Mas a qualidade de vida aqui é incrível e a forma como as pessoas conseguem tempo para curtir a vida é bem legal. Sei que há lugares e culturas diferentes, ouvi dizer que as pessoas na Bahia são muito calmas (sorri, provavelmente em uma provocação a Daniel Alves, com quem jogou no Barça), você tem que arrumar tempo para conhecer todo o país e vocês têm um país muito grande, mas consigo me ver vivendo aqui.