No dia 23 de agosto de 2012, Paulo Sérgio de Jesus Júnior, o Danette, um dos membros da linha ofensiva do Vasco Patriotas - time de futebol americano do clube de São Januário -, perdeu seu pai. Oito dias depois, ainda muito abalado, o tackle de 1,95m e 130kg saiu correndo da igreja onde foi realizada a missa de sétimo dia para não perder a viagem de ônibus de 17 horas até Jaraguá do Sul (SC), local da partida contra o Jaraguá Breakers, pela Liga Touchdown, principal competição de futebol americano do país.
O amor do gerente comercial de uma empresa de colchões por seu clube de coração e à modalidade que pratica não se compara ao que ele sente pelo pai. Porém, mesmo que de uma maneira torta, a dedicação e o comprometimento desse "garoto" de 35 anos acabaram recompensados com a classificação para a decisão da competição, contra o Corinthians Sreamrollers, neste sábado, às 17h (de Brasília), no Estádio Santa Cruz, em Ribeirão Preto (SP).
A história de Paulo Sérgio é apenas mais uma entre tantas que os jogadores vascaínos têm para abrilhantar a campanha invicta da equipe até a grande final. Das sete vitórias conquistadas na temporada regular, quatro foram fora de casa. Além das centenas de pancadas e cicatrizes costuradas ao longo dessa jornada, que cruzou três estados diferentes, os gigantes cariocas tiveram de encarar 84 horas a bordo de ônibus desconfortáveis e quentes para chegarem à final do torneio, que na sua quarta edição contou com 18 participantes, dois a mais que na temporada passada.
- Por enquanto não tem outro jeito, mas já estamos acostumados. Essa é a parte ruim, mas todos nós amamos o esporte que praticamos e temos a esperança de um dia ver nossa modalidade valorizada no país. Nossa geração começou essa briga e não vai desistir jamais. É como criar um filho e vê-lo crescer - afirmou o vascaíno Paulo Sérgio de Jesus Júnior.
Atual campeão, o Corinthians vive uma realidade menos dolorosa. Dono da melhor campanha da temporada regular com as mesmas sete vitórias do clube carioca, mas com um saldo melhor, a equipe não chega a usufruir da estrutura oferecida pelo clube aos campeões da Taça Libertadores, mas conta com o melhor quarterback (lançador) da liga, o americano K.C. Frost, o melhor running back (corredor), o brasileiro com nome de argentino Passarela; um garoto propaganda de peso, como o ator Alexandre Frota; e alguns patrocinadores importantes.
Já o desafiante Vasco, sem recursos para bancar as viagens de avião e sem o apoio do clube, que cede apenas o nome e um campo society em São Januário uma vez por semana para os treinos, se apóia na ajuda de Sérgio, dono do Bar Pavão Azul, em Copacabana. Vascaíno fanático, o comerciante se sensibilizou com o drama e a entrega de alguns de seus clientes assíduos e resolveu bancar a "aventura".
- Ele pagou duas viagens inteiras e ainda ajudou com os gastos de uma terceira. Mesmo assim nosso custo é muito grande. Cada jogo em casa custa R$ 4 mil, e fora, R$ 7 mil. Recebemos uma quantia de R$ 20 mil da Liga Touchdown, que cada time tem direito, mas isso não é suficiente. Além de arrecadarmos dinheiro com vendas de camisas do time, muitas vezes temos que contribuir com R$ 30 ou R$ 50 para custear nossas viagens. Fazemos isso por amor e jogamos com o coração, porque ninguém ganha nada - revelou Gabriel Mendes, ex-jogador de futebol americano de praia do Botafogo Reptiles, de 2001 a 2009, e treinador do Vasco Patriotas há uma temporada.
Mas as despesas não param por ai. Além do custos com as viagens, os jogadores desembolsam cerca de R$ 1 mil em equipamentos, que envolve o sholder pad - uma espécie de armadura ou proteção -, capacete e chuteira de travas.
Auxiliar de serviços gerais, Sérgio da Silva Oliveira, o Negão, é um dos que mais passaram aperto para chegar à tão sonhada decisão. Morador do Jacaré, um dos titulares da linha ofensiva vascaína sofre com a falta de dinheiro e muitas vezes sequer consegue sair de casa para treinar.
- Já perdi muito treino devido aos tiroteios na minha comunidade, e às vezes tenho que pedir carona em ônibus ou caminhão porque não tenho dinheiro da passagem para ir treinar. Mas a gente sempre dá um jeito. Como eu não tenho dinheiro para comprar o equipamento, uso capacete emprestado de outros jogadores do time. Mas faço tudo isso por amor ao esporte e pelo prazer de jogar ao lado dos meus amigos - afirmou o jogador de 27 anos.
Se não possuem os mesmos recursos do time paulista, que está invicto há 26 partidas, os vice-campeões de 2010 prometem dar o sangue em campo para avançar as jardas necessárias e transformar esse roteiro de drama e superação em uma história dourada na vida real.
- Mesmo com toda essa diferença de estrutura, temos condições de ganhar do Corinthians dentro de campo. Temos uma defesa muito boa e uma linha ofensiva que talvez seja a melhor do país. E o mais importante, somos amigos - completou Danette, que além da morte do pai, teve de superar cinco microfraturas, três lesões de ligamento e um luxação no pé esquerdo, que o deixou fora de combate por mais de um mês, para ter a oportunidade de homenagear seu Paulo Sérgio neste sábado, em Ribeirão Preto.