Aguardava com muita expectativa por esse trabalho desenvolvido pelo pessoal da área de crédito do Itaú/BBA, não só pela sua qualidade, mas principalmente por mostrar como o mercado financeiro enxerga nossos clubes. O Itaú BBA, como definido em seu site, é o banco de atacado, investimentos e tesouraria institucional do Grupo Itaú Unibanco, um dos maiores conglomerados financeiros do mundo. É interessante notar que esse braço do conglomerado só trabalha com empresas com faturamento acima de 150 milhões de reais, valor que pode ser considerado um gatilho a partir do qual uma empresa passa a ter um volume de recursos que não só suporta como exige o emprego das melhores e mais eficientes e sofisticadas ferramentas financeiras disponíveis no mercado. Dentro desse valor já se enquadram alguns de nossos clubes, com outros a caminho no correr desse ano e do vindouro. Achei oportuno mencionar isso para dar uma ideia da dimensão financeira que essas instituições esportivas já possuem e, mesmo assim, continuam a ser administradas mais pela paixão do que pela razão.
Na introdução desse trabalho há um trecho que vou transcrever e que define com clareza a importância da boa gestão para os clubes, sintetizando a própria razão de ser desse OCE, pontos que venho colocando nos posts ano após ano:
“De uns tempos para cá, acredita-se que desde a Lei Pelé, a partir de quando os clubes de futebol passaram a disponibilizar balanços oficialmente, os torcedores foram incorporando novos itens à discussão futebolística. Agora, além dos elencos e seus títulos, os torcedores também celebram os melhores contratos com a TV, os bons patrocínios de camisa, a venda de um jogador por valor recorde, e por fim, os bons resultados econômico-financeiros. O torcedor passou a entender que uma boa saúde financeira dos clubes é o que permitirá a formação de bons times e, naturalmente, times vencedores. Mais que isto, está claro que a boa saúde financeira permitirá aos clubes pensarem a longo prazo e, por que não?, se perpetuarem como clubes grandes de fato.”
Muitas vezes o torcedor não percebe que o que realmente importa é menos uma conquista esporádica, por mais fantástica e por mais alegria que ela proporcione, e muito mais a perpetuação de um clube como uma grande instituição de fato. Um título pode custar caro demais em termos de futuro.
Com esse estudo, acredito que fechamos um 2012 extremamente rico em análises e levantamentos, desde os mais simples e despojados de minha própria autoria, até os mais completos e abrangentes, desenvolvidos pelos profissionais da BDO, Mazars, Pluri e agora Itaú BBA, dando ao leitor do OCE uma imagem tão completa quanto diversificada sobre a situação e desempenho financeiros de nossos clubes.
Considerações preliminares
Esse trabalho nasceu graças à paixão pelo futebol que têm os profissionais do banco e pelo acompanhamento da realidade dos mesmos através dos balanços. Por sinal, a equipe de profissionais adotou a mesma postura que eu costumo empregar nesses estudos que têm por base os balanços anuais: informações públicas e disponibilidade dos balanços nos sites oficiais, sem recorrer aos clubes para informações ou esclarecimento de dúvidas.
Da mesma forma que ocorre com o pessoal das empresas de consultoria e auditoria e mais ainda comigo mesmo, os analistas depararam com inúmeras dificuldades e muitas idas e vindas na elaboração do estudo, provocadas pela falta de padronização nas informações (apesar de haver uma norma contábil regendo os registros financeiros nos balanços dos clubes) e pelas diferentes interpretações que os clubes dão para lançamentos idênticos.
Houve o entendimento de que não valeria a pena traçar comparações com os clubes europeus, principalmente em função das grandes disparidades econômicas e esportivas entre os clubes, assim como das economias nacionais. O trabalho, portanto, ficou restrito aos 16 clubes entre os 20 que disputaram a Série A 2012 do Campeonato Brasileiro.
Um ponto importante, uma pausa para um pouco de bom humor e uma informação exclusiva para o leitor do OCE: a equipe de analistas responsável por esse estudo é formada por um cruzeirense, um gremista, um palmeirense, um são-paulino e quatro corintianos.
E antes de entrarmos no estudo propriamente dito, três observações:
- os trechos transcritos da análise estão entre aspas;
- dentro deles, os trechos em negrito são destaques feitos por mim, no sentido de chamar a atenção do leitor para pontos que considero relevantes ou que sintetizam uma determinada situação;
- minha opinião e outras observações estão expressas, portanto, nos trechos sem aspas;
- as análises sobre Botafogo e Fluminense são prejudicadas pelo fato das movimentações financeiras desses dois clubes não refletirem a realidade; o Botafogo por ter uma companhia à parte recebendo receitas e pagando custos e despesas que seriam do clube, o mesmo ocorrendo com o Fluminense por meio da parceria com a Unimed.
Receitas
“O ano de 2011 foi bastante positivo no tocante às receitas dos clubes avaliados, que apresentaram um crescimento médio de 29,7% sobre 2010. Destaques para Santos (+62%), Vasco (+63%), Flamengo (+43%) e Corinthians (+36%). Alguns clubes tiveram desempenho bem abaixo dessa média, como Grêmio (+3%), Atlético Mineiro (+8%) e São Paulo (+15%). O valor da receita bruta dos 16 clubes foi de 1,9 bilhão de reais contra 1,4 bilhão em 2010.”
As receitas brutas de 2010 foram de R$ 1.484 milhões, e cresceram 29,7%, atingindo R$ 1.925 milhões em 2011
“O ponto forte desse crescimento das receitas foi a assinatura dos novos contratos de cessão de direitos de transmissão, que a cada ano aumentam sua participação no bolo de Receitas – cerca de 36% das receitas veio da TV, contra 18% de patrocínios e 15% da negociação de direitos federativos. A exceção foi o São Paulo, que conseguiu agregar receita relevante através do aluguel do seu estádio, o Morumbi, que responde por 18% das receitas do clube.
Observa-se que há concentração de receitas em poucos clubes – em 2010 os cinco clubes de maior receita tinham 53% do total e em 2011 este número aumentou para 54,4% – com uma alteração nos componentes do grupo. Em 2010 ele era formado por Corinthians, Flamengo, Internacional, São Paulo e Palmeiras, que em 2011 foi substituído pelo Santos, positivamente impactado pelo título da Libertadores e sua presença no Mundial de Clubes.”
Custos & Despesas
Os analistas do Itaú BBA encontraram dificuldades nessas duas áreas, pois a composição e descrição dos diversos itens de despesas deixam muito a desejar em boa parte dos balanços.
“Um ponto importante a destacar é que os custos cresceram menos que as receitas. A soma de custos e despesas cresceu, de forma consolidada, 17% em 2011. O maior destaque foi o Palmeiras, que teve redução de 20% nestes itens, enquanto que Figueirense (+91%), Coritiba (+68%), Santos (+40%) e Botafogo (+32%) foram os que apresentaram maiores crescimentos nos custos e despesas. Aqui é o reflexo do aumento nas receitas, que possibilitou aumentar salários de atletas.”
Investimentos
Esse é um ponto em que o estudo Itaú BBA apresenta algumas diferenças em relação a outros trabalhos que os leitores já conhecem: a análise separada dos investimentos, com informações muito interessantes para o torcedor, valendo uma olhada mais demorada e um pouco de reflexão a respeito.
“Investimento é um dos pilares de sustentação de um clube, em conjunto com a conquista de títulos. Em tese, deveriam andar juntos e terem correlação direta – mais investimentos, mais títulos – mas na prática isto ainda não é verdade. De qualquer forma, se não é, deveria ser a principal fonte de aplicação de recursos de um clube.
Como investimentos classificamos a Formação de Elenco profissional (aquisição de atletas e renovação de contratos), Formação de Atletas (investimento nas Categorias de Base) e investimento em Ativo Fixo (instalações).
É natural imaginar que um clube que investe sua geração de caixa nestes 3 itens tende a ter melhor desempenho esportivo. Mas, como estamos falando de Futebol, isto nem sempre é verdade no curto prazo. Afinal, mesmo com um elenco mais modesto em termos de custos, uma estrutura menos sofisticada ou até nenhuma presença de jogadores formados na Base, um clube pode ser Campeão. Faz parte da beleza do esporte.
Contudo, há de se acreditar que, no longo prazo, os clubes que tiverem melhor estrutura física – Centros de Treinamento – tendem a atrair melhores atletas, dada a boa condição de trabalho. Além disso, e principalmente, os clubes que conseguirem formar mais atletas tendem a gastar menos dinheiro em contratações e ainda podem obter bom retorno financeiro com a venda dos direitos desses atletas. A equação é simples.
Neste sentido, os clubes que mais investiram no futebol Brasileiro em 2010 e 2011 foram São Paulo e Corinthians. E se em 2010 rivalizaram com o Palmeiras – São Paulo (R$ 60 milhões), Corinthians (R$ 45 milhões) e Palmeiras (R$ 48 milhões) – em 2011 a diferença foi gritante: São Paulo e Corinthians investiram quase R$ 100 milhões cada um, enquanto o Internacional, terceiro clube que mais investiu, fez R$ 40 milhões. Em 2010 ambos responderam por 34% do total de Investimentos (de R$ 316 milhões), e em 2011 este número saltou para 40% (de R$ 476 milhões). Alguns destaques:
i) São Paulo e Santos são os clubes que mais investem na formação de Categorias de Base;
ii) São Paulo e Corinthians são os que mais investem em Estrutura;
iii) em 2011, São Paulo e Corinthians foram os clubes que mais investiram em Formação de Elenco.”
Dívidas
Em relação às dívidas dos clubes a análise do Itaú BBA constatou a validade de uma velha máxima: dívida em si não é ruim. Apesar de verdadeira, não deixa de ser perigosa, o que é destacado pela própria análise.
“Apesar do aumento das Receitas e da redução nos Custos, os clubes cresceram suas Dívidas Bancárias em 24%. Em 2010 a Dívida Bancária Líquida dos clubes era de R$ 609 milhões e subiu para R$ 754 milhões em 2011. O aspecto positivo é que agora elas estão associadas a investimentos em ativos fixos e formação de elenco*, e distanciam-se daquelas dívidas necessárias para bancar o dia-a-dia do futebol, e que não tem retorno claro. Quando o clube investe, ainda que com dívida cara, está aumentando ativos que geram valor, seja em estádios, centros de treinamento, formação de suas categorias de base ou na contratação de atletas. Uma ação importante que os clubes têm tomado é a de buscar fontes de financiamento menos onerosas que os Bancos.
Em geral, optam por adiantar receitas de Patrocinadores e Cotas de contratos de transmissão com a TV. Mas é preciso ressaltar que, se de um lado são recursos mais baratos que aqueles tomados em Bancos, por outro significa que Receitas que deveriam compor o caixa em 2012, 2013 ou até 2014, foram utilizadas em 2011. Logo, podem fazer falta mais para frente. O que mitiga isto é continuar crescendo as receitas, melhorando os contratos. Enquanto a bicicleta roda, tudo se acerta. Mas uma queda nos valores desses contratos significará dificuldades para os clubes que se financiam mais fortemente desta forma.
Dentro dos financiamentos “tradicionais”, ou seja, através de Bancos, os clubes que tiveram maior acréscimo de Dívida Bancária foram Coritiba (+92%), Fluminense (+59%), São Paulo (49%), Grêmio (+43%) e Vasco (31%). Os destaques positivos foram o Internacional, que não tinha dívidas em 2010 e passou a ter ainda mais caixa (R$ 31 MM), Corinthians (-19%) e Santos (-17%).
Entre os financiadores conhecidos, o Banco BMG aumentou sua presença, concentrando em 2011 59% das dívidas bancárias, ante 42% em 2010, quando já era o maior financiador. É importante ressaltar que, geralmente, quando se fala em Dívida de Clube de Futebol, costuma-se incluir passivos com Tributos e a Timemania. Sendo pragmáticos, a Timemania não é exigível sob o ponto-de-vista de Caixa do clube, pois é amortizada com os recursos gerados pela aposta da loteria. Além disso, os tributos parcelados têm prazo de pagamento bastante alongado, o que diminui o impacto sobre os clubes. Por isso entendemos que, para falar em Dívida de Clube de Futebol, temos que excluir estes itens, o que torna mais realista a situação de caixa.”
Particularmente, eu considero um risco o crescimento das dívidas junto aos bancos, ainda mais quando praticadas com um custo muito elevado. Como vimos em 2011 em post desse OCE (“Como o mundo das finanças enxerga o futebol”), nossos clubes têm baixa bancabilidade, o que ajuda a entender a forte concentração de dívidas em instituições consideradas como segunda linha no mercado, como é o caso dos bancos BMG, BIC e Industrial. No caso desses dois últimos o total devido caiu bastante em 2011 em relação a 2010. Ao mesmo tempo é estranha a forte concentração em um só banco, o que pode ser entendido, em parte, pela presença dessa entidade, o BMG, em operações ligadas às negociações de direitos federativos de atletas e também à sua forte presença como patrocinador em grande número de clubes durante os últimos anos. Essa situação foi abordada no post “Patrocínio ou Balcão de Negócios”, em janeiro desse ano, além de mencionada em muitos outros.
Liquidez e Eventos Subsequentes – dois alertas a serem considerados
Juntei aqui dois pontos que o estudo abordou separadamente. Em cada um deles encontramos um sinal de risco, algo a exigir cuidados presentes e futuros.
“Um indicativo de “tranquilidade” da gestão financeira é a posição de Liquidez, medida através do Capital Circulante Líquido (CCL), que é a diferença entre Ativos de Curto Prazo e Passivos de Curto Prazo. Resumida e simploriamente, isso significa o que o clube tem a receber menos o que tem a pagar no curto prazo. Neste quesito os clubes vão muito mal. Todos os times possuem CCL negativo, o que significa que devem mais que o que tem a receber, e o cenário piorou em 2011. Isto significa que os financiamentos tem sido tomado em prazos mais curtos e a aplicação dos recursos em ativos de prazo mais longo. O que vimos foi o aumento expressivo nos Investimentos em Permanente, que são os elencos e estruturas fixas (centros de treinamento e estádios). O retorno é de longo prazo, mas as dívidas precisam ser pagas no curto prazo. Resultado disso é uma gestão mais “nervosa” do dia-a-dia.”
“No outro item da análise, os Eventos Subsequentes, os Balanços mostraram uma movimentação expressiva nos Ativos e Passivos, que representa o novo contrato dos Direitos de Transmissão de Televisão do Campeonato Brasileiro. Não houve uniformidade na contabilização, mas a maioria optou por lançar Ativos e Passivos de mesmo montante, representando os valores a receber e a performance a executar desses contratos. Para muitos casos não houve entrada de caixa, e é certo que haverá forte incremento de caixa nos próximos anos, mas alguns clubes já se utilizaram dessa fonte. Isto significa que alguns clubes sacrificaram o caixa no final do ano, se endividaram para montagem dos elencos de 2012, contando com esta nova receita.”
Avaliação do Futebol Brasileiro Pelos Resultados de 2011
O estudo do Itaú BBA termina com uma avaliação geral positiva, apesar dos pontos negativos e de risco apontados em seu decorrer. Essa visão se coaduna perfeitamente com o que temos observado no decorrer dos últimos anos: apesar dos muitos problemas, a gestão do nosso futebol vem evoluindo. Lentamente, é verdade, o que já é muito melhor que nada. Como disse no início, é muito interessante para os clubes e para os torcedores ter conhecimento dessa visão de profissionais do mundo das finanças a respeito desse outro mundo que nos é tão caro, o mundo da bola.
“O Futebol Brasileiro apresentou evolução em termos econômico-financeiros em 2011. Há movimentos muito positivos e interessantes, ao mesmo tempo em que vemos motivos de preocupação de médio prazo.
Positivamente, as receitas com Futebol continuam crescendo, especialmente com Patrocinadores, mas substancialmente com Cotas de Direitos Televisivos dos Campeonatos. Isto possibilita aos clubes aumentarem seus custos e despesas diretas com o Futebol, resultando em mais contratações e melhores salários. Consequentemente, melhores elencos e campeonatos, esportivamente falando.
Um aspecto positivo foi o aumento nos Investimentos, especialmente em formação de elenco – reflexo da condição citada acima – e nas Categorias de Base. Neste item, fundamental para o desempenho de longo prazo dos clubes a custos mais acessíveis, apenas poucos clubes tem atuado de forma relevante, com destaque para São Paulo e Santos. Outro destaque, mas pelo investimento em estrutura de centro de treinamentos, é o Corinthians, que junto com o São Paulo são os clubes que melhor vêm se preparando em termos de estrutura.
Outro importante movimento foi o equacionamento dos passivos tributários, fiscais e trabalhistas. Em alguns casos, especialmente nos times do Rio de Janeiro, vimos acertos com a Justiça, reduzindo estas dívidas.
Também salientamos que os clubes dependem cada vez menos das Receitas com vendas de Atletas, e tem buscado diversificar a entrada de caixa, seja via exploração dos seus estádios, seja via projetos consistentes de Sócios-Torcedores. Ainda há muito a caminhar, mas alguns clubes já iniciaram a trilha.
Negativamente, os clubes continuam elevando suas Dívidas, mesmo com o crescimento das Receitas. Ao menos têm optado por financiar-se com linhas Operacionais, especialmente Adiantamentos de Receitas, que são mais baratas que financiamentos bancários. Mas isto tem um preço, que é a necessidade de manutenção dos contratos no longo prazo, pois o adiantamento de hoje terá que ser recomposto nos próximos anos.
Enfim, o Futebol Brasileiro evolui, e com o aumento das receitas com a TV a partir de 2012 há ainda mais possibilidades de melhoria. Basta que os Dirigentes mantenham-se alinhados com as boas práticas da Gestão Financeira, e pensem a longo prazo.”
Postarei uma sequência, posteriormente, com a análise individual de cada clube.
Fonte: Blog Olhar Crônico Esportivo - GloboEsporte.com