Pode parecer piada de mau gosto, mas há um estacionamento no caminho do homem mais rápido do Brasil. Com apenas 20 anos, Aldemir Gomes da Silva Júnior é dono da melhor marca dos 100m rasos no ranking da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), com 10s20. Nos Jogos de Londres, ele integrou o 4x100m, que não foi à final, e viveu a inesquecível experiência de correr as eliminatórias e as semifinais dos 200m ao lado do jamaicano Usain Bolt. Se existe alguma esperança de medalha para o país-sede dos Jogos de 2016 nas provas de velocidade, ela com certeza passa pela explosão deste rapaz esguio, de 1,92m e 78kg.
Porém, justamente quando mais deveria ser cercado de cuidados para voar alto nas Olimpíadas-2016 no Rio, Aldemir conta as horas para ficar desalojado. Ele é uma das muitas promessas do esporte brasileiro que serão prejudicadas pela absurda decisão política de se pôr abaixo três das mais importantes instalações esportivas da cidade: o Estádio Célio de Barros, o Parque Aquático Júlio Delamare e o Velódromo.
— Mais do que uma pista, isso aqui para mim significa uma fábrica de sonhos. Venho ao Célio de Barros praticamente todos os dias desde que tinha 9 anos e acompanhava meu primo, Leonardo, nos treinos. Comecei aos 12 e não parei mais. Nem digo que é minha segunda casa, porque já houve tempo que ficava mais aqui do que em qualquer outro lugar — desabafa Aldemir, que de segunda a sexta treina na pista pública, acompanhado da sua técnica, Vânia Valentino, e de outros atletas que representam o Vasco. — Quem derruba um templo do esporte como o Célio de Barros não sabe o que está fazendo. O dia em que eu passar aqui e vir um estacionamento, meu coração vai partir.
Crescente legião de sem-teto
Ao som das obras pesadas no vizinho Maracanã, toda manhã a pista do Célio de Barros recebe atletas juvenis e adultos dos filiados à Federação de Atletismo do Rio (Farj). Ao lado, no Parque Aquático Julio Delamare, os projetos esportivos para a comunidade, com natação, hidroginástica e ginástica, também são embalados pelas obras. Em compasso de espera, alunos e professores se preparam para o pior. No palco de grandes momentos da natação nacional e de desempenhos que entraram para a história — como o recorde mundial nos 50m livre da holandesa Inge de Bruin, há 12 anos, quando nadava pelo Vasco — hoje resta a desolação.
No Júlio Delamare, além da natação, treinam nado sincronizado e saltos ornamentais. Ali está localizada, ainda, a sede da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Em setembro, o local recebeu um desafio de natação que reuniu astros da natação internacional, como o francês campeão olímpico dos 50m livre, Florent Manaudou, e o australiano James Magnussen. Para o paraibano Kaio Márcio, do Fluminense, a demolição é péssima notícia para quem, em quatro anos, terá o privilégio de sediar os Jogos.
— A minha primeira competição no Júlio Delamare foi em 1997. Isso tudo é muito triste. Antes do Maria Lenk, aquela era a nossa casa e foi lá que eu e muitos outros fizemos marcas individuais, conquistamos índices... É até engraçado pensar que, às vésperas de receber as Olimpíadas, perderemos uma piscina — lamentou.
A situação não é diferente no velódromo. Segundo o secretário nacional de alto rendimento do Ministério do Esporte, Ricardo Leyser, o local será derrubado no primeiro trimestre de 2013. Para Claudio Santos, presidente da Federação de Ciclismo do estado do Rio, o problema se tornou ainda maior com a decisão de levar o velódromo para Goiânia.
— Temos seis projetos no velódromo, entre eles, a única equipe profissional de ciclismo de pista do país, e ninguém nos perguntou se temos alguma ideia de como fazer para minimizar o impacto. Para que mandar o velódromo para Goiânia? Campos, Rio das Ostras e Niterói estão dispostos a recebê-lo. Em Niterói seria em Piratininga. Mas o prefeito não quer conversar — disse Santos, indignado. — Querem acabar com tudo. Nas Olimpíadas, só no ciclismo de pista, são 30 medalhas, e o Brasil não terá a menor chance de conquistar nenhuma delas.
De acordo com Antônio Márcio Domingues Ferreira, professor da escolinha Álvaro da Costa Ferreira, da Federação de Ciclismo (Fecierj), a escolinha, aberta em abril, tem 50 alunos, todos carentes, como Wellyton Araújo, 15 anos, que resume o sentimento geral:
— O velódromo representa tudo. Depois que você entra no ciclismo, se apaixona. Se acabar, aí não sei. Sonho em ser alguma coisa aqui. Se acabar o velódromo, acabou o sonho da gente.
Entretanto, a insensibilidade que lança as garras em direção ao Célio de Barros, ao Júlio de Lamare, ao autódromo e ao velódromo, já bateu o martelo e será o carrasco dos sonhos. A Empresa Municipal Olímpica informou que o novo velódromo é necessário, já que o atual não atende às exigências da UCI para as Olimpíadas e que tal decisão é da prefeitura, do Comitê Rio 2016 e o Ministério do Esporte.
O COB alega estar estudando alternativas para atender quem usa o velódromo e para transferir o CT de ginástica. Mas, ao que tudo indica, os alunos da escolinha irão se juntar aos pilotos do autódromo, a atletas e frequentadores de projetos do Célio de Barros e do Júlio de Lamare, na crescente legião de sem-teto na cidade olímpica.
Fonte: O Globo online