Cristóvão Borges completa dois meses longe do Vasco neste sábado. Após entregar o cargo, o técnico procurou descansar e fazer um inventário sobre o período de cobranças, emoções e crescimento profissional. Nos últimos dias, o baiano de 53 anos viu o seu nome voltar com força ao noticiário em razão do iminente acerto do clube de São Januário com Ricardo Gomes para 2013. Embora tenha em mente seguir a carreira, auxiliar o amigo mais uma vez é uma possibilidade admitida pelo treinador.
Com a conhecida serenidade, Cristóvão Borges recebeu a reportagem do UOL Esporte em sua residência. Durante 40 minutos de conversa, explicou os motivos que o fizeram recusar uma proposta do Palmeiras. Também falou sobre o convite informal da CBF para assumir a coordenação das categorias de base, a crise financeira do Vasco, a relação com Felipe e demais assuntos.
No momento, a única expectativa é a de voltar a trabalhar até o próximo mês. Com saudade do futebol, Cristóvão Borges tem a certeza absoluta de que estará em um banco de reservas no ano que vem. Confira a entrevista completa abaixo:
UOL Esporte - O seu objetivo definitivamente é seguir a carreira como treinador ou existe a possibilidade de voltar a auxiliar Ricardo Gomes no Vasco?
Cristóvão Borges - Quero seguir a minha carreira. Inclusive, o Ricardo sempre foi um grande incentivador disso. Infelizmente, aconteceu após o problema dele [AVC sofrido em agosto do ano passado]. A maior felicidade é vê-lo retornar. O futuro depende muito. O futebol não garante 100% em nada. As possibilidades surgem e fazemos. O retorno ao Vasco é uma possibilidade. Mas vai depender de que forma e o interesse de todas as partes. Está aberta a questão. Podemos ter maneiras de trabalhar juntos, mas não esqueço o desejo de seguir carreira. Precisamos ver se é interessante voltar tão rápido e se o Vasco também aprova. São conversas que ainda estão para acontecer.
UOL Esporte - Acha que voltar a ser auxiliar pode ser encarado no mercado como um retrocesso na carreira?
CB - Não vejo dessa forma. Mas também não quero criar expectativas. O Campeonato Brasileiro não acabou e o Vasco ainda vai conversar bastante com o Ricardo. Jamais será um retrocesso trabalharmos juntos independente da forma ou momento no futebol.
UOL Esporte - Você sempre manifesta o desejo de seguir a carreira sozinho. O Palmeiras lhe procurou logo depois que deixou o Vasco. O que aconteceu de fato? Por que não aceitou o desafio de tentar tirar o time da zona de rebaixamento?
CB - O Palmeiras teve interesse e me procurou. Fizeram uma consulta para saber minhas intenções e a possibilidade de firmarmos um acordo. Achei que a saída do Vasco ainda era muito recente. Tive um ano muito duro. Acertar em menos de duas semanas com um time brigando contra o rebaixamento seria ainda mais pesado. Não vi muito sentido, pois também precisava descansar. Entreguei o Vasco no G-4 e não poderia trocar pela situação difícil do Palmeiras. Falo isso com muito respeito pela instituição e a sua grandeza. Não era o momento.
UOL Esporte - E o convite do Andrés Sanchez para assumir o cargo de coordenador das categorias de base da CBF... Já recebeu uma proposta oficial? A possibilidade lhe agrada?
CB - É a primeira vez que falo nisso e nem sequer queria tocar no assunto. Não foi uma coisa oficial ainda. Fui apenas sondado. Disseram que conversaríamos em outro momento. Por enquanto, a situação parou por aí. No começo, fiquei surpreso e conversei com amigos para avaliar a possibilidade. Sei que é uma coisa interessante e importante, mas depende muito do projeto apresentado. Mas, sem dúvida, é uma oportunidade maravilhosa.
UOL Esporte - A preferência é por trabalhar apenas em clubes da série A no próximo ano? E quando espera definir o futuro?
CB - Espero voltar a trabalhar no mês que vem. Quero que aconteça logo, pois é o momento no qual as coisas são refeitas e existe a preparação para a próxima temporada. Meu sentimento diz que alguma coisa boa vai acontecer. A meta é trabalhar em um time da série A, mas não descarto nada. Quero apenas fazer o meu trabalho e ser reconhecido por isso em qualquer lugar.
UOL Esporte - O que causou a queda do Vasco no Campeonato Brasileiro? Um time cheio de expectativas e que enfrenta crises seguidas no final de temporada...
CB - Não dá para separar a dificuldade financeira de tudo o que aconteceu no Vasco. O problema é que não tivemos poder de investimento. Fizemos uma Libertadores surpreendente. O Vasco foi o time mais difícil que o Corinthians enfrentou na trajetória do título. Tinha a certeza de que o campeão sairia daquele duelo nas quartas de final. Conquistaríamos a Libertadores se tivéssemos passado por eles. Mesmo assim, continuamos brigando na frente com os problemas e salários atrasados. Claro que também perdemos jogadores pelos impasses econômicos. Tudo isso interferiu. O nosso time só enfraqueceu, pois não tivemos condições financeiras para mantê-lo forte. Para vencer no futebol é preciso ter grana. O maior exemplo disso é o Fluminense.
UOL Esporte - Então a crise financeira chegou ao vestiário? Fica difícil o jogador esquecer os salários atrasados quando entra em campo?
CB - Isso atrapalha bastante. É um problema que chega muito rápido ao vestiário. Os jogadores começam a trazer reclamações e impasses com a família para o dia a dia. São compras, escola dos filhos, médico... Isso é natural, mas interfere. Já passei por muitas dificuldades na carreira de atleta e treinador. Mas considero o Vasco privilegiado pelo grupo que possui. Eles mostram profissionalismo e resolvem os problemas. Os jogadores precisam receber muitos elogios, pois seguram isso durante muito tempo. Porém, uma hora acontece o desgaste maior e se paga por isso.
UOL Esporte - Tudo isso fez com que você deixasse o comando do Vasco magoado?
CB - Esse período no Vasco só trouxe coisas positivas para a carreira, pois me colocou em uma posição boa de mercado. Recebi uma excelente oportunidade. Tive a ajuda de muitas pessoas e consegui fazer um bom trabalho mesmo com todas as dificuldades. Só fica o sentimento de ver um clube desse tamanho sofrendo bastante com problemas financeiros. Isso é complicado de resolver, mas tenho a certeza de que está próximo de uma melhora. O Vasco vai desatar esse nó e acho que esse momento está perto.
UOL Esporte - Os jogadores seguem com salários e direitos de imagem atrasados. O clube também lhe deve. Isso preocupa?
CB - Não preocupa. O Vasco ainda me deve um pouco. Fizemos um acordo quando saí, mas é uma coisa normal, já que o clube está em um momento difícil e de atraso nos salários.
UOL Esporte - O Felipe elogiou bastante você nos últimos dias, mas sempre reclamava quando não jogava sob o seu comando. O que dizer dessa relação?
CB - A nossa relação sempre foi boa e não mudou. É algo simples no meu entendimento, mas talvez não seja na cabeça dele. A nossa dificuldade era estritamente profissional. Ele sempre achava que podia jogar e está certo. Mas, às vezes, entendia que não era o momento. Ele chegou a reclamar publicamente e isso nunca me causou mágoa, nem nada. Fui jogador e sei como as coisas funcionam. Sempre fui verdadeiro e jamais menti para ele. O Felipe também é assim. Tive outros atritos, mas a relação sempre foi baseada na verdade.
UOL Esporte - Acha que deixou o Vasco querido pelo elenco ou pela maioria dos atletas?
CB - Os jogadores que não estão atuando sempre vão criticar o treinador. Isso é normal no futebol. Mas temos um respeito grande. Os jogadores jamais vão dizer que sou mentiroso e que os enganava. Não faço e me respeitam por isso. O Vasco foi conduzido com esse equilíbrio durante a minha passagem. Sempre trabalhei de forma direta e verdadeira com eles.
UOL Esporte - O que tem feito nesses dois meses afastado do futebol? Acompanhar o Vasco é um dos programas prediletos?
CB - Me afastei um pouco do Vasco até para observar de uma forma melhor. Sabemos das coisas que acontecem e voltei a acompanhar com tudo nos últimos dias. Assim que saí procurei diminuir a adrenalina e ficar próximo da família. Mas pouco tempo depois comecei a estudar bastante futebol. O objetivo é aprimorar o conhecimento e também uma forma de terapia. O Sebastião Rocha (amigo e treinador) tem me ajudado muito. Montamos uma espécie de dupla de estudos e isso me entusiasmou bastante. Sei da importância que um aprimoramento tem para a carreira.
UOL Esporte - Muitos críticos comparam o seu estilo ao do Andrade, técnico campeão brasileiro pelo Flamengo em 2009, mas que não conseguiu alavancar a carreira após deixar a Gávea. Teme algo semelhante até por essa possibilidade de voltar a ser auxiliar?
CB - Não temo sumir do futebol. Mas também estou muito atento para que isso não aconteça. Estou estudando e fazendo avaliações de tudo o que fiz na carreira até agora. Busco melhorar. É preciso evoluir sempre. E como estou começando agora não posso relaxar. A passagem pelo Vasco me deu bagagem. Estou me preparando cada vez mais para seguir forte.
Fonte: UOL