O Marquês de Salamanca teve uma semana atribulada. Depois de passar três meses às voltas com os organizadores de uma elegantíssima festa que reuniu 300 pessoas em sua casa para comemorar a volta da Cartier ao Rio de Janeiro, caiu doente e foi parar no Hospital Samaritano — justamente no dia do grande jantar.
Teve alta, voltou para casa e, no dia seguinte, lá estava a equipe do GLOBO para entrevistá-lo. A fotógrafa Mônica Imbuzeiro foi inclemente: registrou-o em diversos ambientes, levou-o para o jardim, estudou os seus melhores ângulos. O sol brilhava, a primavera fazia com louvor o papel de verão causticante e comecei a me preocupar. De nada adiantaria uma bela foto se o meu entrevistado sucumbisse àquele calor senegalesco.
Quando finalmente nos instalamos no ar refrigerado de uma linda sala de estar, foi a minha vez de ser cruel com o nosso Grande de España. Uma entrevista pode tomar os clássicos quinze minutos que os astros de Hollywood dispensam à imprensa ou todo o tempo do mundo. Quando o entrevistado é a gentileza em pessoa e, ainda por cima, tem um ótimo papo, a conversa vai longe. Saí da mansão de Santa Teresa quando entardecia mas, por mim, ainda estaria lá, jogando conversa fora naquele cenário de sonho, povoado de siriemas, cotias, gansos e galinhas d’angola. O pior é que fiquei sem saber o que, afinal, aconteceu na festa para Madonna.
O Marquês de Salamanca é o carioca da gema Olavo Egydio Monteiro de Carvalho, vascaíno desde os três meses de idade, aluno do Santo Inácio, presidente do conselho do grupo Monteiro Aranha e festejadíssima figura da sociedade carioca, que nasceu há 70 anos na casa onde vive até hoje. A longa (e famosa) relação com Santa Teresa foi interrompida durante breves dois anos, quando alugou um apartamento no Arpoador por insistência das filhas Isabela, Maria, Ana e Julia.
—Tomei dois banhos de mar, fiz cinco passeios no calçadão e joguei a toalha. Eu não era feliz lá. Não tinha essa vista, não tinha o meu jardim, os pássaros, o meu bairro.
Reuniões das 9h às 21h
E o que é essa história de nobreza? É que, filho de mãe espanhola, Olavo herdou os títulos do avô. Um dia, o velho Marquês de Salamanca o chamou e avisou da responsabilidade. Ele ainda tentou argumentar que morava no Rio, mas o avô disse ter certeza de que ele faria mais pela memória do antepassado ilustre no Brasil do que os irmãos na Europa. Só fez uma advertência:
— Você trabalha feito um gerente da Sears. Isso não cai bem para um marquês. Trate de dar um jeito na sua vida e de só aparecer no trabalho na parte da tarde.
O sábio conselho do avô não foi ouvido. O neto seguiu a vida de workaholic durante muitos e muitos anos. Acordava às 5h30m, e antes das 8h já tinha lido todos os jornais. Estava pronto para despachar com os vários escritórios da Monteiro Aranha espalhados pelo mundo. O trabalho o absorvia até a noite. A rotina cobrou um preço cruel: interferiu nos seus casamentos e pôs sua saúde em risco.
— Ele tinha reuniões das nove da manhã às nove da noite, não tirava férias, não viajava para lugares onde não tivesse escritórios ou não fosse disputar partidas de polo. Mas polo é como golfe, um jogo de negócios — relembra Lucia Veríssimo, com quem Olavo viveu um intenso romance e que até hoje é sua grande e querida amiga. — Eu brigava muito com ele por causa disso. O dia só tem 24 horas! Por outro lado, ele é um empresário atípico. Não é agressivo, não é de passar a perna em ninguém, não é daquelas pessoas que entram destruindo tudo. Ao contrário, a postura habitual dele é de respeito pelas pessoas, pelo meio ambiente. E ele sempre teve prioridades muito bem definidas. Não há nada mais importante no seu mundo do que as filhas ou a mulher que está a seu lado. O amor que o Olavo dedica à família é imenso, incondicional.
Um dia, ele teve uma séria complicação pulmonar. Pudera: chegava a acordar de noite para fumar. Como diz, só não fumava no chuveiro. Mas esse não era o único problema. Àquela altura, de drinque em drinque, tornara-se alcoólatra, com todos os inconvenientes da condição.
— A bebida era parte inevitável daquele estilo de vida — reconhece ele hoje. — Comecei bebendo para relaxar. Aos poucos, passei a beber sem limites. Ficava envergonhado, não era esse o exemplo que eu queria dar para as minhas filhas. O problema do pulmão funcionou como um sinal de alerta. Parei com o álcool e com os cigarros ao mesmo tempo. Perto da dificuldade que foi largar o cigarro, o álcool nem foi tão difícil assim. Eu até gostaria de falar sobre isso, eventualmente dar palestras, por causa da diferença que esse processo pode fazer na vida de uma pessoa.
Adotado pelos avós
Ao ficar órfão do pai Alberto Monteiro de Carvalho aos cinco anos, Olavo perdeu também a mãe, Maria de Lourdes de Salamanca y Caro. Muito jovem, ela voltou para a Europa, onde se casou de novo, e ele foi adotado pelos avós, Alberto Monteiro de Carvalho e Silva e Beatriz, que levavam uma inusitada e harmônica vida a três com Olavo Egídio de Sousa Aranha Júnior, o outro fundador da Monteiro Aranha. O avô virou pai e grande referência; a avó lhe deu carinho e fé para sobreviver à ausência dos pais. O menino, cujo próprio nome já era uma composição dos nomes dos dois sócios, foi educado para ser o presidente do grupo.
— Um dia eu disse à minha avó que ia tomar um banho de mar, e ela se zangou. Banho de mar?! E o que vai ser da empresa se te acontecer alguma coisa?
Aos domingos, depois da missa, as crianças do clã — Olavo e a irmã Beatriz, e os primos Astrid, Sergio Alberto, Ana Maria, Joaquim Alvaro e Lilibeth, filhos de Baby e Evinha — almoçavam juntos, e a avó os obrigava a fazerem elogio uns dos outros. O que haviam feito de bom durante a semana? Com isso, estimulou o sentido de união entre os netos.
Quando Olavo terminou os estudos no Brasil, o avô o mandou para a Alemanha, para trabalhar na Volkswagen. Ele saiu do castelo encantado direto para a fábrica. Dormia no alojamento dos operários, ia para o trabalho assim que o dia amanhecia e voltava ao anoitecer. Não via a luz do sol. Foram anos duros. Assim que se pegou em Munique, cursando engenharia na Universidade Técnica, foi à forra. Era muito difícil estudar em Munique! O mundo estava cheio de festas e de atrizes italianas, e o jovem carioca ia atrás do movimento.
Temporada em Londres
A boa vida foi interrompida pelo avô, que achou que aquilo não ia dar certo e o mandou para Londres para aprender, no banco Schroders, como funcionam as instituições financeiras. As atrizes italianas, infelizmente, ficaram na Itália. A vida de playboy acabou de vez quando, de volta ao Rio, ele se casou com Betsy Salles e virou pai de família. Olavo, hoje solteiro, foi casado também com Andrea Dellal e com Claudia Reali.
Apesar da dedicação ao trabalho, as festas na sua casa são famosas. Não há personalidade internacional que venha ao Rio e não acabe lá. Mick Jagger, por exemplo: uma noite bateu o olho em Luciana Gimenez, e o resto é história. Olavo é discreto, não entra em detalhes, mas confirma que a certa altura os dois desapareceram no canil. Quem deve saber bem da história é Chanel, uma cadela velhinha, imensa e amistosa, que, se o mundo fosse justo, seria madrinha de Lucas Jagger.
Uma das paixões de Olavo é o Instituto Marquês de Salamanca (IMDS), que ele fundou em 1997 e que, nos últimos dez anos, já atendeu mais de 21 mil crianças e jovens carentes de Santa Teresa através de creches e escolas, esportes e cursos profissionalizantes.
Em Três Rios, onde fica a sua Fazenda Santarém, o IMDS construiu uma escola e um posto de saúde, e também criou uma linha de transporte coletivo.
— Preparamos os filhos das comunidades tão bem quanto as nossas crianças — orgulha-se. — Eles recebem uma educação de qualidade, que inclui cultura, arte, línguas estrangeiras.
‘Um amigo fiel e generoso’
Outra paixão — melhor dizendo, preocupação — é o meio ambiente. Olavo gosta muito de bichos e da vida na fazenda, e criou uma empresa de biotecnologia chamada Geociclo, que produz fertilizantes a partir dos resíduos do tratamento da água. Como tudo o que faz, a Geociclo é, claro, um sucesso.
Para traçar um perfil justo desse carioca com superpoderes seriam necessárias mais algumas páginas além desta, tal a quantidade de coisas que já fez e pessoas que conheceu. Ele adora gente e é plenamente correspondido. Cissa Guimarães, que o conhece desde pequena, resume o sentimento geral:
— Ele é um amigo fiel e generoso, uma pessoa que se doa, qualidade cada vez mais difícil de encontrar. Costumo dizer que o Olavo é um presente da vida. Só não digo que ele é perfeito porque, até hoje, ainda não foi ver a minha peça.