RUY CASTRO
Bellini e a menina
Em julho de 1958, uma menina de 10 anos, sofrendo de poliomielite desde bebê, fez sua primeira cirurgia na perna. Enquanto convalescia, montou um álbum de recortes sobre seu ídolo, o homem mais bonito do Brasil, o xodó de todas as mulheres, crianças e até avós: Bellini, zagueiro do Vasco e capitão da seleção brasileira recém-campeã do mundo na Suécia. Certo dia, a porta da casa onde ela morava com sua família no Leblon se abriu, e uma visita de surpresa disse: "Boa-noite". Era Bellini.
Como? Simples. Alguém que conhecia alguém que conhecia Bellini falou-lhe da menina. Bellini tinha 28 anos e não chegava para as encomendas. Quando não estava treinando ou jogando pelo Vasco, tinha de viajar com a Copa do Mundo pelo país e levantar o caneco em festas e banquetes. Mas ele achou tempo para ver a garota, que ficou muda de emoção enquanto ele lhe contava histórias da Suécia.
Dois anos depois, em 1960, a menina encontrou Bellini na rua, em Copacabana. Ele a reconheceu e ela lhe disse que, no dia seguinte, iria fazer sua segunda (e última) cirurgia. Bellini se interessou. Dali a dias, ligou para o hospital para perguntar como estava. Ao saber que brevemente ela iria para casa, deu um tempinho e foi visitá-la de novo, desta vez levando bombons. Era assim que ele era.
Passaram-se anos. Celia se tornou a violonista, arranjadora e maestrina Celia Vaz, uma das musicistas mais completas do Brasil e com sólida reputação no Japão, na Europa e nos EUA, muito maior do que em seu país.
Sábado último, após intermediação de amigos, Celia foi a São Paulo para encontrar Bellini e sua esposa Giselda, dar-lhe um beijo e retribuir os bombons. O intervalo de mais de 50 anos -o próprio Bellini tem hoje 81- não impediu que a emoção desandasse e as lágrimas de todos descessem pelos rostos e sobre o estojo da Kopenhagen.
Fonte: Coluna Ruy Castro - Folha de São Paulo (Ed. 20/08/2011)