Carreira de jogador encerrada precocemente, quinze anos longe do futebol, seis chances frustradas para emplacar à frente do time de infância... Marcelo Oliveira, novo comandante da nau vascaína, tem história tão peculiar que poderia até esconder o fato de que se trata de um meia-atacante de sucesso, que atingiu a seleção brasileira, teve mestres do porte de Telê Santana e Cláudio Coutinho e cansou de ser cobiçado para emprestar seu conhecimento à função de treinador. Com objetivos opostos aos de muitos boleiros, deixou a fama e o dinheiro de lado para cuidar da família, virou empresário do ramo de joias e só se reencontrou quando assumiu o desafio de garimpar outro tipo de pedra preciosa: nas categorias de base.
Por isso, a possível desconfiança de algum torcedor com um profissional que se aproxima do estrelato na função apenas aos 57 anos deve ser revista. Foi o próprio Oliveira que optou pelo caminho de se especializar e passar por todos os estágios até sentir-se preparado para dirigir uma equipe de alto escalão. Em entrevista exclusiva ao GLOBOESPORTE.COM, concedida no saguão do hotel onde mora provisoriamente - e que serve de concentração para a delegação do Vasco -, ele contou detalhes de sua trajetória, reforçou que não abre mão de seus princípios e indicou o esquema tático que mais lhe agrada, entre outros assuntos, debatidos por quase duas horas de bate-papo, na manhã desta sexta-feira.
De imediato, o foco é a reta final do Campeonato Brasileiro, no qual pretende investir todas as fichas para não deixar o título escapar, apesar da distância de 11 pontos para líder Fluminense. Sua família sequer virá morar no Rio de Janeiro neste período. Com mais um ano de contrato, posteriormente, gostaria de reviver seu faro para talentos e ajudar o clube a revelar nomes que deem retorno técnico e financeiro. Na agenda, a partir de janeiro, está marcado assistir aos jogos dos juniores e integrá-los a cada brecha que tiver ao dia a dia.
- Tenho muita vontade de lançar os jovens, sou oriundo da base do Atlético-MG e sempre vivi o sonho de vestir a camisa do clube num jogo oficial quando menino. Essa atitude é necessária e só o garoto, que ainda não tem pensamentos comerciais, cosutuma mostrar. Não tenho problema com idade, pode ter 18 ou 35. Se estiver preparado, vou apostar.
Além do sucesso no Atlético-MG, Botafogo e seleção brasileira como jogador, conte um pouco de sua história fora dos campos e a transição tardia para técnico.
Marcelo Oliveira - Parei com 30 anos por opção própria, não tive nenhuma contusão séria. Havia casado e quis cuidar da família. Não quis trabalhar com futebol. Recebi um convite do próprio Atlético, mas recusei. Montei um negócio de joias, tinha noção e fui tocando. Foi bom. Mas jamais deixei de acompanhar e acabei virando comentarista numa de rede de TV, já aos 45 anos. Então, assumi o timem juvenil do Atlético e fiz questão absoluta de passar por todos os estágios. Comecei muito cedo, com 15 anos fiz meu primeiro gol pelos profissionais e, aos 16, estava integrado ao elenco. Quando cansei, tinha proposta de Recife, dos Estados Unidos, mas quis mudar de rumo. Mas depois me arrependi, poderia ter jogado mais. Ao retornar para o futebol, me senti feliz de novo. Fiz cursos de especialização e não pensei mais em desistir. Minha esposa (Vanessa) disse que eu era outra pessoa, que acordava cedo disposto a trabalhar e aceitou numa boa. Entendeu que eu ainda precisava do futebol.
O Vasco precisa desse garimpo de promessas e encontra você, que passou anos fazendo este trabalho. É o casamento perfeito? Pretende ajudar nesse sentido?
- De 2002 a 2008 estive com a base. Na verdade, como dirigi o profissional por seis vezes como interino, subi de categoria com muita rapidez. De um ano para o outro, passei do juvenil, para os juniores e logo ao time de cima. Na última, em 2008, tive uma aprovação de 76% da torcida numa enquete, mas não quiseram que eu continuasse. Acontece. É um caminho importante, é necessário ter um trabalho com a direção definida na base. Pelo que eu soube, esses meninos que subiram são bons (Luan, Jhon Cley, Marlone e Romário). Só que o Vasco tem no grupo 39 jogadores, é bem inchado, e tem um tempo curto para lutar pelo título. Vou observar atentamente as qualidades que eles podem mostrar. Gosto não só de estar próximo deles, nessa integração, mas como trabalhar com os juniores nos dias após os jogos, sempre que possível. E quando eu não vou assistir à partida deles, alguém da comisão técnica irá. Esse ano não sei se será possível, mas ano que vem com certeza.
Quais são suas principais referências na carreira?
- Por sorte, sempre tive bons treinadores como atleta. Cada um contribuiu um pouco, tinham características variadas, mas dois chamaram a atenção e foram com quem trabalhei numa maior duração. Telê (Santana), que me projetou no Atlético-MG. Viramos amigos, eu o visitava aqui no Rio já na década de 80 e 90. E o Cláudio Coutinho, que foi meu treinador antes, ainda na base. Armazenei os princípios, os valores corretos, a coerência, a filosofia com aquela obstinação pelos fundamentos, para acertar sempre o passe. Além deles, admiro o Levir Culpi, de quem fui auxiliar há alguns anos. Faz amizade com os jogadores, é correto, mas cobra muito. E sabe de tática. Faz parte do trabalho do treinador conscientizar, estar disponível para fornecer o exemplo. Acho que todos eles conseguiram transmitir e marcaram.
Falando em exemplo e princípios, qual a diferença entre o comprometimento dos jogadores na sua época de jogador e os de hoje? Está mais difícil ser atleta?
- Desde tempos atrás, sempre existiu esse tipo de coisa da vaidade exagerada ou a empolgação com o momento de estrela. Os profissionais evoluíram bastante, com atitudes mais de acordo, mas o comércio do futebol, a pressão geral e a própria mídia aumentaram exageradamente. Precisamos administrar e trazer para junto, porque tecnicamente dão bons retornos.
Em Minas Gerais, seu estado natal, e no Paraná, as estruturas dos clubes grandes são invejáveis. No Rio, as dificuldades ainda existem, até em relação a salários. Está preparado para esta mudança e de que modo isso pode influenciar?
- A estrutura não ganha jogo, mas é importante no trabalho. No Vasco, já vi que ela pode ter ajustes, mas a diretoria me parece atenta a isso, principalmente para que não haja desgaste do campo de São Januário. Pelo fato de tomar a iniciativa do jogo e ter um time técnico, precisamos de um bom gramado. Foi criada essa situação nova na estrutura do Zico (centro de treinamento do CFZ) para que passemos a trabalhar bem. Se não é o ideal, é uma tentativa que vai ajudar muito. No Paraná, por exemplo, chegamos à liderança da Série B com meses de salários atrasados. Depois venderam os principais jogadores e não foi possível subir. Houve dificuldades, mas dali surgiu a referência do Ney Franco ao meu trabalho para assumir o Coritiba no lugar dele. Temos perfis semelhantes, fomos rivais na base em Belo Horizonte por alguns anos e acho que pude honrar a confiança que foi depositada em mim.
O nome do Felipe Ximenes, superintendente do Coritiba, tem sido falado no clube. Mas você teve um atrito com ele por lá. Haveria um obstáculo para a chegada dele?
- É impossível trabalhar um ano e nove meses com uma pessoa, nessa intensidade, sem que haja divergências. Elas precisam ser encaradas como uma maneira de crescer. Acho o Ximenes um ótimo profissional, que, se viesse para cá, me daria muito bem no dia a dia. Não teria problema algum, somos profissionais e temos de entender assim. Qualquer problema que tivemos ficou no passado.
Longe do trabalho, como é a sua vida? Arranja tempo para cinema, é fã de música?
- Gosto disso tudo, mas, pelo tempo que o futebol te absorve, dou preferência a ficar com a família, jantar com minha esposa. No cinema não dá para conversar, então é complicado. Faço minhas caminhadas também. Tenho duas filhas adultas (Mariana, 28 anos, e Camila, 24), que cresceram na época em que eu ainda não era treinador. Mas tem um menor (Rafael, de nove anos), que precisa de atenção. Ele sabe tudo de escalações, acompanha os times e joga bola. Minha vida é muito simples e pacata, nada de especial. Se não houver dedicação à profissão de técnico de futebol, a possibilidade de alcançar os resultados é menor. É desgastante, mas prazeroso. Estudar os times, ver onde você errou...
Voltar a morar no Rio lhe faz feliz? Em relação ao futebol, que sentimento passa?
- É sem dúvida uma das cidades mais bonitas do mundo e que passa por um momento de mais segurança e tranquilidade. Joguei no Botafogo, sempre gostei de estar aqui. Em relação a ser um centro nacional, como São Paulo, é ainda mais interessante. As grandes equipes estão neste eixo, a mídia é bem maior. Claro, é uma responsabilidade enorme também, que tem de ser equilibrada com resultados.
O momento político do clube é conturbado, de muitas mudanças e críticas da torcida, que vem pressionando. É possível evitar que isso transborde para o time?
- Não tenho argumentos para falar sobre isso, mas, em relação à torcida, sendo um time que se entrega, ele leva o torcedor junto. É importante para nós ter a torcida apoiando sempre. Penso que quando se dirige a vaia a um, ela é refletida no time e dá uma força muito grande ao adversario. Cabe a nós ter um time competitivo, com boa técnica, para que o torcedor esteja junto e esqueça um pouco isso. No Brasileiro, o aproveitamento em casa é fundamental, todos os campeões mostraram. Espero que qualquer movimentação política possa não interferir. Farei de tudo para ajudar, se for necessário.
No Coritiba, você foi alvo eventual de críticas por supostamente priorizar a defesa em vários momentos. Ainda assim, teve o ataque mais positivo do país da temporada passada. Qual é o perfil real do Marcelo Oliveira e que esquema pretende utilizar no Vasco?
- Nunca orientei o Coritiba para defender mais do que atacar em determinados jogos ou partir para cima e esquecer de marcar. Sempre defendi que deve-se recompor com agilidade, mas a marcação pode ser feita mais à frente ou mais atrás. Você tem de aproveitar as características dos jogadores. Lá eu tinha três meias abertos, mas não é um modelo definitivo. Vou moldar de acordo com o que eu tenho à disposição. Não tenho um modelo de jogo que eu trago comigo para implantar. Varia muito. Mas eu gosto desse sistema 4-2-3-1, porque preenche bem o campo, os meias recompõem e podem virar três atacantes na hora de atacar. A melhor forma de jogo é a simples, saber a hora certa de prender e soltar. Como só tem uma bola no campo, a chance é lá ou cá. As grandes equipes que vi jogador foram assim: o Flamengo, de 1981, o Atlético, de 1977, o Cruzeiro, de 1976, o Vasco, em 1974 e depois em 2000. Eram toques simples e produtivos. E, dependendo do que você tem em mãos, o talentos e a criatividade podem decidir.
A bola parada ensaiada, ou mesmo o cruzamento para a área, era uma arma sua no Coritiba e é muito explorada no Vasco também, com o Juninho. Como fazer para que o time não fique dependente dela?
- Se a jogada acontece frequentemente de forma positiva, não posso lamentar por isso. O Cruzeiro de 2003 decidiu o campeonato assim, com Alex batendo falta direto ou na cabeça de alguém. É parte do jogo e temos que comemorar que a equipe tem potencial para isso. O preparo físico cresceu muito no futebol, o jogo ficou acirrado e a bola parada passou a ser uma arma poderosa. Essas semanas abertas (sem jogo às quartas) vão dar chance para que eu conheça o grupo nesse sentido. Precisamos ter alternativas com a bola em movimento, claro, mas os jogadores já se conhecem naturalmente. Posso até direcionar, mas a curto prazo é difícil fazer algo. Isso vai se criando nas partidas.
Thiago Feltri e Eder Luis são dois jogadores revelados por você no Atlético-MG, mas não vêm atravessando bom momento, têm jogado pouco. Como pretende recuperá-los? E, aproveitando, fale sobre o Jonas, que foi seu comandado mais recentemente.
- Não tive tempo para conversar com eles ainda, foi tudo muito rápido, mas podem ser muito importantes. Sei que Eder teve lesões que o tiraram do treino regular. E ele depende muito da parte física. Vai ser útil na sequência do trabalho, porque o futebol de velocidade que ele tem é raro. O Feltri é ofensivo e também precisa de confiança. Já o Jonas fazia uma função específica de linha de quatro para eu poder liberar volantes e meias ao ataque. Conto com ele, certamente vai produzir bem no Vasco. Teve dificuldades de se adaptar a essa temporada por causa de duas lesões. Não esperem que ele vá chegar driblando, mas é um bom marcador, tem boa bola aérea. Na frente, toque com inteligência, tem a passada larga. Compensa com várias virtudes importantes.
Você é adepto a motivações especiais no vestiário ou na preleção? Usa o fator psicológico do jogador para uma carga antes de uma partida?
- Nas preleções, nós até pinçamos algo que trazer como exemplo, mas é raro. No dia a dia, o comportamento tem que mostrar esse envolvimento, tem de ser o diferencial. A preparação na semana do jogo é mais importante no campo do que a motivação, que é natural. Passo um reforços dos detalhes sobre o adversário e sobre nós mesmos, exijo concentração. É mais para dar uma mobilizada uma hora antes do jogo. Já usei frases e cartazes. Mas não pode ser frequente, senão não chama a atenção do jogador como deveria.
Tem algum sonho ou planeja uma meta como treinador para daqui a dez anos?
- Não tenho projeto tão longo, meu objetivo é me consolidar cada vez mais como técnico, ganhar respeito pelas atitudes, pela postura, por me reciclar e melhorar a cada temporada. Criar expectativas novas durante os jogos, aprender e me sentir realizado com a qualidade que estiver conseguindo impor. Meu objetivo imediato é passar para a história do Vasco como um técnico vitorioso que vestiu a camisa e se comprometeu.