Eurico Miranda fala sobre Dinamite e momento do Vasco

Quarta-feira, 04/11/2009 - 11:45

A metralhadora giratória de Eurico

Longe do poder, Eurico Miranda continua polêmico: dispara contra Roberto Dinamite e a atual diretoria vascaína, rememora a briga com a Rede Globo. Só poupa o Vasco e Romário, os quais ama com intenso fervor

Por João Paulo Vieira Teixeira

O charuto ficou mais tempo entre os dedos do que na boca. A fumaça agora se espalha por um escritório antigo no Centro do Rio e não mais pela sala da presidência do Vasco, em São Januário. Ele se diz cansado, mas após superar um câncer, tem a mesma aparência dos tempos em que invadia o gramado para intimidar a arbitragem. Ao escolher cada palavra antes de pronunciá-la, quer ter a certeza de quem será atingido e quem será poupado e não se preocupa com a repercussão. Assim é Eurico Ângelo de Oliveira Miranda aos 65 anos, mais da metade deles ligados ao Vasco.

Nesta entrevista, ele diz por que o Vasco não teria sido rebaixado caso ele estivesse no comando, conta como aconteceu sua briga com a Rede Globo e como chegaram a um acordo. Eurico dispara contra a atual gestão do clube, mas afirma que não tentará voltar ao poder. Jura que voltará a frequentar as sedes sociais de São Januário quando o Vasco retornar à série A. Declara gratidão e reverência a Romário e só fica em cima do muro quando o assunto é o retorno à política. Eurico também diz que não existem mais dirigentes como ele, apesar de garantir que todos copiam o seu modelo de gestão.

Um ano depois da sua saída do Vasco, qual a avaliação do período em que esteve à frente do clube, seja como diretor de futebol, vice-presidente e presidente?
As pessoas ficam muito ligadas no que, na verdade, interessa: no futebol e no resultado. Mas a minha passagem pelo Vasco foi muito mais como administrador do que como homem do futebol. A coisa não é tão simples como as pessoas colocam. Administração de clube precisa ser feita por alguém que conheça o clube. Eu tenho 45 anos de Vasco. Mas na administração, efetivamente, comecei em 1980. Tive um período de reconstrução do Vasco, em que passei três anos como assessor especial do presidente Alberto Pires Ribeiro, que era um homem doente. E o Vasco estava numa fase muito difícil, nós tivemos de fazer uma reestruturação. Ali tive uma grande participação, foi um período de três anos e depois eu me afastei. O Vasco terminou ganhando um título em 1982. Então eu saí. Os três anos seguintes foram de queda livre. Em 1986, eles me chamaram. Assumi o futebol do Vasco com plenos poderes, e não apenas o futebol do Vasco. Começamos um processo que veio com uma série de vitórias e de conquistas. A minha participação foi importante pelo fato de eu ter sido representante do Vasco com plenos poderes. Isso foi mais importante do que qualquer outra função que eu possa ter exercido. E aí começou um trabalho muito difícil, o de colocar o Vasco no lugar que entendemos ser o dele. Foi realmente um período de muito sucesso. Mas clube de futebol tem muita vaidade. E tem uma coisa que é muito própria da natureza humana, a inveja do sucesso. Mas cheguei à conclusão de que eu só tinha uma condição para alcançar aquilo que a gente objetivava: permitir participar efetivamente apenas aqueles que trabalhavam. De fora para dentro, eu não admitia qualquer tipo de ingerência. Mais tarde, eu assumi como presidente. Foi um período difícil porque fizemos um investimento maciço visando ganhar aquele campeonato mundial, que infelizmente não aconteceu. E também por causa de uma briga séria que tivemos com a Globo, que trouxe uma asfixia muito grande. Eu conhecia bem as pessoas de lá e com essa minha filosofia de não permitir nada de fora para dentro, criei alguns desafetos.

Dentro do clube?
Dentro, porque eu não permiti que eles agissem da forma como queriam agir. Aqueles caras que gostam sempre de dar pitaco e palpites, de fora. E eu só admitia palpites e pitacos de quem estava dentro. De quem trabalhava.

Mas de quem trabalhava o senhor aceitava? Porque umas das críticas feitas ao senhor é que...
Muito pelo contrário. Tanto que as pessoas que trabalhavam comigo continuaram ligadas a mim o tempo inteiro. Uma coisa é você aceitar, ouvir, e outra coisa é você fazer. Porque nem sempre você fará as coisas. Mas sempre tinha participação. Era impossível administrar um clube como o Vasco sem que tivesse a participação de outras pessoas. Isso é evidente. Claro que eu tinha uma coisa muito pessoal, pois todos eram afinados comigo. Mas eu dizia antes que um cara com o meu currículo e o meu passado não tinha porque ficar achando que se eternizaria. Eu sempre dizia que se chegasse uma pessoa que tivesse responsabilidade, eu não faria nem eleição. Eu entregaria. Agora, as pessoas que se apresentavam eram absolutamente irresponsáveis. Para mim, quem assume a responsabilidade tem de ter condição de reparar o dano. E os que tinham condição de reparar o dano e assumir a responsabilidade fugiam. Aí surgiu o caso, por exemplo, do Roberto Dinamite. Que eu sabia que não teria a menor condição de assumir um clube como o Vasco.

O senhor mantém essa opinião?
Ele não teria a menor condição, porque ele nunca administrou nada. Mas as pessoas o usaram como frente. São pessoas que eu conheço e que não são de arregaçar as mangas.

O senhor está falando de quem?
De todos, indistintamente. Olavo Monteiro de Carvalho... Pessoas que são de administrar à distância. E um clube como o Vasco não se administra à distância. E esses administradores que apareceram agora, se o mês tem trinta dias, eles vão dois dias no Vasco. Se vão.

O senhor tem informações de dentro do clube sobre isso?
Não. Isso é certeza. Não vão porque não são de ir. Eu já os conheço. Se tiverem outra coisa para fazer, não vão. Podem, quando muito, fazer de longe. Eles fizeram um processo eleitoral do qual eu não participei. Penso que as coisas tinham de ser resolvidas no Vasco e pelos vascaínos e não de fora. Como aconteceram outras ingerências, eu não participei do processo eleitoral e apoiei outro candidato. Mas não participaria porque tive um problema sério de saúde e eu precisei me tratar.

Mas, e se o candidato do senhor vencesse?
Uma coisa é eu me afastar. Mas se eu estou apoiando, uma pessoa como eu com todo o tempo que tinha, é evidente que, com um pouquinho de inteligência, ela não ia deixar de me ouvir. E eu não me furtaria a dar a minha colaboração, o meu apoio e tal. Não ficaria na linha de frente, mas estaria dando apoio. Mas aconteceu isso. Aconteceu a eleição e está lá. Fizeram uma eleição metendo a OAB, TRE. Coisas todas estranhas. O Roberto não, porque explicar o Roberto e nada é a mesma coisa.

Por quê?
Porque ele não tem capacidade para isso. Eu não vou discutir ele jogar bola. Eu estou falando em administração. Ele não tem capacidade. Não tem nenhuma formação para isso. Não precisa ser formação escolar, não. Tem muita gente que não tem formação escolar, mas tem vivência daquilo. O que às vezes é até mais importante. O que o Roberto conhecia do Vasco? O campo de futebol e a tesouraria, onde ele ia receber. E o que aconteceu com o Vasco? Acabaram com a estrutura. Começaram a fazer uma coisa nova, segundo eles. Mas como não tinham conhecimento, fizeram o Vasco cair para a segunda divisão.

Qual foi o erro fundamental?
Erraram em tudo. Acabaram com a estrutura que o pessoal tinha para trabalhar. Porque o futebol não é só o treinador, não. Tem uma série de outros componentes que influem diretamente. Mandaram embora funcionários com 30, 40 anos de Vasco. Botaram para dirigir o futebol quem não entendia nada de futebol. Trouxeram um treinador que era um misto de treinador e empresário [Tita]. Tá bom, vocês querem mudar, o que é uma coisa normal. Se eu não conheço, vou deixando a coisa com a estrutura que eu tenho, vou começando a implantar as minhas modificações, mas não de uma forma radical como foi feito, porque liquidaram com a estrutura, mas não criaram outra, porque não tinham conhecimento para criar. Isso levou a essa situação, a maior mácula em 111 anos de história, que é o Vasco ter sido rebaixado.

E hoje, o senhor acompanha o time?
Não, para mim o Vasco na segunda é pesadelo. A gente sempre acorda do pesadelo, mas eu não vejo jogos do Vasco, nunca mais vi, me recuso a ver um jogo do Vasco na segunda.

Por quê?
Porque não quero acreditar nisso. O que eu espero é acordar um dia e ver que isso não está acontecendo.

O senhor disse várias vezes que se fosse presidente o Vasco não cairia...
Mas com certeza.

O que teria feito para evitar?
Tudo. Não deixaria as coisas acontecerem. Muita gente diz assim: “ah, é porque ele compra juiz”. Não é nada disso, é tudo folclore. Medidas administrativas que você toma levariam a que isso não viesse a acontecer. Vou dar um exemplo: construímos uma concentração em São Januário, um hotel, com tudo que os jogadores precisam. Alimentação dirigida com nutricionista e comendo na hora certa. O que esses caras fizeram? Acabaram com a concentração. Foram concentrar em hotel. Resulta não só em gasto. Eu saía dali para jogar. Não só é para treinar. Eu saía dali para o campo, para jogar. A pé. Parece que isso não é nada, mas poucos clubes do mundo tinham a condição de ter um negócio dentro do seu campo, com todas as condições. Departamento médico e de fisioterapia com a melhor aparelhagem. Chegaram lá e mandaram todo mundo embora. E outra coisa: atrasavam salário.

Jogador com salário atrasado joga com má vontade?
Não que ele jogue com má vontade, mas ele vai jogar com problemas. Não importa quanto ganhe, ele tem seus compromissos. E fica pensando nos compromissos que deixou de cumprir e não recebeu. Mas aí eles mais ou menos resolveram o problema. Mas o futebol, como eu disse, depende de muitas outras coisas. Então você passou a ter funcionários três ou quatro meses sem receber. Claro que isso influencia diretamente. Claro que o cara que faz a faxina não faz a faxina do mesmo jeito.

Uma crítica da administração atual ao senhor veio à tona com a divulgação do balanço do clube...
Esse balanço é falso.

Pelo balanço, o Vasco deve mais que do que o Flamengo.
Claro que não. O Vasco não deve aquilo que está ali. Aquele balanço foi uma resposta a uma coisa que eles falavam antes. Como oposição eles falavam que o Vasco devia, não sei o quê... Que fariam uma auditoria. Aí eles ficaram um tempão fazendo a auditoria em vez de trabalhar, e não encontraram nada. Pelo contrário. Aí depois tiveram de fazer um ajuste de balanço. Onde eles conseguiram a dívida? Eles tiraram do ativo do Vasco e jogaram como despesa. Eles inventaram um negócio de R$ 100 milhões de contingências para processos judiciais para levar a uma situação. Como é que você pode negociar com alguém dizendo que esse clube está falido? Os caras fizeram mil promessas de que tinham uma fila de investidores. E não botaram um centavo no Vasco.

Mas e a assinatura do contrato com a Eletrobrás?
Eles não botaram um centavo. Quando você tem investidor, não é negócio de patrocínio, não. Porque deles eles não botaram nenhum.

O senhor colocou dinheiro do próprio bolso?
Inúmeras vezes. Meu e dos meus amigos. Não tinha outra forma de administrar. Quando eu passei aquele tempo todo com asfixia, não tinha outra forma. Mas o vice-presidente de futebol [José Hamilton Mandarino] alegou que o Vasco não tinha dinheiro e disse: “do meu bolso é que não vai sair”. O cara que dá uma declaração dessas com os jogadores querendo receber, o que eles pensam: “eu vou confiar em quem?”

Mas isso não é profissionalismo?
Profissionalismo é você pagar os seus compromissos. O cara trabalha e você não paga? Isso é profissionalismo? Eu não deixei dinheiro em caixa. Mentira! Se eu tinha compromissos a pagar e tinha dinheiro em caixa, eu era um péssimo administrador. Mas eu deixei para eles tocarem o seguinte: dez milhões da venda do Philipe Coutinho. Dez milhões, dos quais já receberam grande parte. E deixei um contrato assinado com a TV Globo por mais quatro anos, que é uma coisa chamada recebíveis. Esse é o dinheiro que eu deixei e eles não souberam o que fazer. Eles que vieram com a história de que está zerado, mas não tem um monte de investidores? E se eles têm uma porção de investidores é simples, vamos falar isso aqui numa linguagem simples. O clube não tem dinheiro, então vou adiantar aqui do meu 50 mil, 100 mil. Nem isso. Aí o Vasco passou pelo vexame de ameaça de luz cortada, de água cortada. Porque os caras não são capazes de meter a mão no bolso e fazer qualquer tipo de adiantamento. Se eu tenho a certeza de que terei aqui os investidores, o dinheiro vem aqui depois.

O senhor fez muito isso?
Só fiz isso. Só tem uma maneira de administrar que é trabalhar com recebíveis. Não tem outra. Só tem essa solução. Porque você trabalha no vermelho permanentemente. E vive na esperança de poder ajeitar. Quando você gasta mais do que arrecada, você não tem outra solução além de trabalhar com os recebíveis, esperando uma oportunidade. E qual é a oportunidade? A venda do Philipe Coutinho, por exemplo.

Quais dirigentes que pensam da mesma maneira?
Todos trabalham com recebíveis. Eu criei isso e eles passaram a fazer. Todos. Todos os clubes trabalham assim.

Mas isso não pode se tornar uma ameaça para a saúde financeira do clube
Isso não é despesa. Eu tenho 10 milhões a receber. Eu adianto o recebimento. E sempre vou jogando adiantado. Até a hora em que eu consigo fazer e não vou adiantar. A única coisa que você perde são os juros que pagará. Mas isso é inferior às multas e juros que pagaria em função do que deixaria de pagar. Eu não inventei isso, aprendi lá fora. Os clubes de lá descontam o negócio de televisão cinco anos na frente. Pegam grandes patrocínios jogando assim.

Dá para montar times bons trabalhando assim? Times como os de 1997 e 2000?
Minhas folhas sempre foram pequenas. Eu só extrapolei no Campeonato Mundial, em 2000, quando fiz aquelas contratações. Eu sempre trabalhei com uma folha equilibrada.

O senhor se arrepende de tantas contratações para montar esse time do ano 2000?
Não. A gente tinha um objetivo e eu tinha um patrocinador forte, então a gente fez. Se tivéssemos ganhado, a conversa seria outra.

Justamente nesse período ocorreu o conflito com a TV Globo, que teve o episódio de o Vasco entrar em campo com a logomarca do SBT. Gostaria que o senhor contasse os motivos para retaliar daquela forma.
Eu comecei a ter problemas com a TV Globo quando nós disputávamos duas competições: a Copa Mercosul e o Campeonato Brasileiro. E chegamos às finais das duas. Aí aconteceu que a gente tinha jogo domingo, terça, quinta e sábado. O que iria acontecer? Nós não ganharíamos nenhuma das duas. Então fomos obrigados a adiar um jogo. Mas eu consegui isso na Justiça, porque na conversa não teve jeito. Porque a TV Globo já tinha toda a programação de fim de ano montada. Tivemos de adiar um jogo, passou da data prevista para o término da competição e começou o grande problema. Até que a gente veio para o jogo contra o São Caetano. Nesse jogo, o Vasco deu a maior demonstração em relação ao seu estádio, quando aconteceu aquele acidente [a queda de parte do alambrado de São Januário, na segunda partida da final, ferindo centenas de torcedores]. Ambulâncias entrando por um lado, saindo pelo outro, com a maior facilidade. Quando aconteceu aquilo, o primeiro cara a ir ao gramado fui eu. Algumas pessoas me perguntavam: e o jogo? “Minha preocupação agora é atender os feridos”. Enquanto isso estava acontecendo, o Galvão Bueno ia transmitindo e tal. Mas a coisa estava correndo. Eu tive a preocupação de ver aquilo tudo e tinha uma coisa: eu conhecia o regulamento. Uma coisa que eu sempre soube foi conhecer o regulamento. O regulamento dizia que aquele que desse origem à interrupção do jogo seria considerado perdedor por 1 a 0. Ora, se eu perdesse por 1 a 0, eu perdia o campeonato. Minha preocupação era dar condições para o jogo prosseguir. O árbitro estava vendo que havia condição para o jogo continuar. Tudo estava resolvido em relação aos feridos. Eu estou no campo e desce um helicóptero: o comandante da Defesa Civil veio falar comigo: “deputado, eu vim aqui a mando do governador dizer que Defesa Civil está dando garantia, Polícia, Corpo de Bombeiros dando garantia e que terá o jogo”. O Galvão Bueno lá em cima, a hora da novela se aproximando e ele dizia: “será que não tem autoridade nesse estado que permita que o jogo continue?” O comandante veio falar comigo de novo: “infelizmente, o governador disse que suspenderá o jogo”. Aí eu disse até umas barbaridades em relação ao Garotinho.

Repetiria essas barbaridades hoje?
Na hora faria a mesma coisa, sempre. Diante daquele quadro eu não deixaria de fazer. Aconteceu que eu tive o cuidado de perguntar ao árbitro e ele fez constar na súmula que o jogo fora suspenso por ordem superior e que tinha condição para recomeçar. O que fez a Globo? Na maior maldade, me mostrou ao mundo como se eu fosse um sanguinário, um carniceiro. Ela botou aquilo que estava acontecendo no minuto 65 como se estivesse acontecendo no minuto 2. E que eu estava expulsando os feridos do gramado. Foi um negócio muito forte. Eu mostrei com vídeo montado, até provei isso na Câmara Federal. Na época eu era deputado e fiz questão de exibir isso. Aí a Globo, não satisfeita em ter feito isso pessoalmente comigo, fez uma campanha para não ter o outro jogo. Para dar o título ao São Caetano. Depois veio com o negócio de dividir o título. E eu ganhei na Justiça a chance de ter um novo jogo.

De quem foi a ideia de entrar com a camisa estampando a logomarca do SBT?
Foi minha, ninguém sabia. Eu não tinha outra maneira. Coloquei o negócio do SBT porque vi o que era a concorrência. Se você me perguntar se eu faria aquilo de novo, pelas consequências, talvez não. Porque depois veio uma retaliação muito forte. Eu passei dois anos com eles... Até que depois a gente veio a se acordar.

Como conseguiram chegar a um acordo?
Chegou-se à seguinte conclusão: isso também é comercial. Nós estávamos perdendo muito e eles também. Acho que houve um teste da minha capacidade de resistência. Depois eu passei a ter um relacionamento até que muito bom com eles. Tudo também voltou muito em função de a gente ter dado uma demonstração de que resistiríamos.

Qual o tamanho do poder da Rede Globo no futebol brasileiro?
É total. É quem paga.

Isso interfere em quê?
Interfere em tudo, quem paga interfere em tudo. Se não fosse a Rede Globo, não estaríamos na situação em que estamos hoje. Você não pode, em vinte anos, partir de um contrato de R$ 4 milhões para quase R$ 500 milhões. E a única que pode te pagar isso é a Rede Globo. A maior receita de qualquer clube de futebol é a TV. Aí você diz: “e a concorrente?” Não tem concorrente. Tem a que não paga. É preciso fazer justiça: os clubes contam com uma coisa segura que é a Rede Globo. Quando você trabalha com recebíveis a coisa era bem mais fácil, pois a Rede Globo nunca atrasou um pagamento. Ela usa a sua força como quando usou comigo. Os clubes sempre estão buscando adiantamentos e ficam de uma certa forma dependentes. Ela influencia em tudo. Começa na tabela dos jogos. Você acha que se não fosse a TV se jogaria às dez da noite? Mas o que ela paga compensa jogar nesse horário. E se ela decidir que tem de ser às dez e meia, você terá de se sujeitar.

O senhor não vê outra saída? Nem a necessidade de buscar uma saída?
Não vejo. Mas você tem de ver no mundo inteiro. De repente, os caras botam o jogo na segunda-feira, que é o jogo da TV. Tem o jogo do sábado. Depende do país. Aquilo é programado. O cara fala em calendário. Calendário nada. Calendário é feito em cima da TV. Você não pode interferir. Em todo lugar do mundo você depende do cara que paga. Por exemplo, se poderia estar fazendo aqui, em termos internacionais, um dinheiro muito forte. Mas você deveria ter um jogo às onze horas da manhã para coincidir com aquela praça asiática que vai te comprar e que paga verdadeiras fábulas. É a mesma coisa que eu digo quando os caras falam que querem copiar modelo europeu. A única coisa que a gente não tem de copiar de ninguém é no futebol. Nós somos vencedores nisso. Eles que copiem, nós temos de ter o nosso modelo.

Já que estamos falando de finanças, não dá para deixar de tocar no assunto de um grande amigo seu, Romário. Já conversou com ele sobre os problemas que ele está enfrentando?
O problema do Romário é que quando ele não concorda com alguma coisa, algum pagamento, ele não tem jeito, ele joga para a frente. Mas a situação que está se colocando em relação a ele não é a situação real.

Há exagero?
Ele pode até estar devendo isso tudo, mas ele tem como pagar. Isso eu afianço e garanto. Não pode ser declarada a falência pessoal do Romário.

O Romário já disse ser muito grato ao senhor. Como é o relacionamento de vocês?
Primeira coisa: o Romário é gênio. Qual é o objetivo do futebol? É um só, o gol. Não conheci outro jogador como Romário dentro da área. Nem Pelé. O Romário não bebe, não fuma, não é chegado em droga. E desde novo teve o cuidado de não se cercar desses procuradores, sempre investiu. A gente conhece muitos que são esbanjadores. Eu acho que a situação dele não é essa que se diz por aí. Por outro lado, sou muito grato a ele. Porque eu imortalizei a camisa do Vasco e só antes de eu sair ele devolveu essa homenagem que eu tinha feito. Porque ele fez duas coisas. Uma: no momento daquela asfixia toda do Vasco, ele ajudou o clube, emprestou dinheiro. Sem outro interesse senão o de resolver o problema do amigo. E outra porque ele projetou a camisa do Vasco no mundo inteiro, como quando ele fez o milésimo gol em São Januário. Sou eternamente grato a ele e o Vasco tem obrigação de ser eternamente grato a ele.

Muitos comparam Ronaldo com o Romário...
Não tem a menor comparação. Eles sabem que não podem se comparar, pois têm características bem diferentes.

E a vida pessoal? Não dá para comparar?
Eu acho que cada um tem o direito de fazer o que quiser da vida pessoal. Eu sinceramente acho que, por exemplo, até no próprio caso do Ronaldo, ele conquistou o direito de fazer o que quer. A grande verdade é que as pessoas conquistam. Isso não foi de graça.

Há muita crítica ao futebol carioca, principalmente quando se fala dos dirigentes. Há muita comparação com outros estados e senhor sempre foi pivô dessa polêmica. O que pensa disso?
O Rio não tem culpa de ter sido a capital do Brasil por 400 anos. Então você pode fazer o diabo. A prova disso é a seguinte: qual é a cidade do mundo que consegue ter quatro grandes clubes de futebol? Independente disso, os clubes do Rio são clubes nacionais. Os outros clubes, de todos os estados, são clubes regionais que eventualmente crescendo têm uma torcida fora. O processo decisório do futebol brasileiro é no Rio de Janeiro. Isso foi uma luta que São Paulo sempre teve. A CBF é no Rio de Janeiro, como era a CBD. É aqui onde acontece o processo decisório.

Isso traz vantagens para os times do Rio?
Traz vantagens e desvantagens. Vantagens porque coloca o clube numa posição, mas traz ônus porque tem de responder a isso. Há algumas desvantagens: por exemplo, no Sul podem fazer uma campanha para atingir 100 mil sócios. Tudo bem, lá você pode fazer. No Rio você não pode fazer para atingir cinco mil. Alegam que é porque os clubes não têm estádio. Não... É porque há outra formação cultural que você não tem aqui. Você não vai conseguir. Essa por exemplo é uma desvantagem. Outra que pode ser uma vantagem, mas que é desvantagem: você está sempre com o Brasil inteiro focado em você. Um acontecimento de um clube aqui no Rio de Janeiro tem repercussão nacional. Quanto à qualidade de dirigente, eu sinceramente só posso dizer que temos cada vez menos dirigentes como antigamente. Vou tirar pelo meu clube, mas têm outros que são a mesma coisa: se contam nos dedos as instituições centenárias. Esses clubes de futebol são instituições centenárias. Aí os caras falam que não teve administração profissional. Teve. Mas uma administração profissional feita por amadores. Amadores competentes que faziam uma administração profissional. Porque você tinha a administração com um misto da paixão com a razão. O cara administrava com racionalidade, mas com amor. O cara administrava os clubes com muito mais amor do que administrava as suas empresas. E com a chamada profissionalização, que para mim é entre aspas, estamos perdendo o componente afetivo. Hoje você tem o cara que está administrando aqui e amanhã está administrando o rival. Eu tenho certeza que anteriormente era melhor. Sou um remanescente dessa época.

Pretende voltar a frequentar São Januário?
Subindo à primeira divisão, no próximo ano eu volto. Minha origem é a arquibancada, não nasci dirigente, nasci torcedor de correr para onde o Vasco fosse. Tinha competição de cuspe à distância eu ia. Eu sou torcedor do Vasco.

E a vida pública?
Tive dois mandatos de deputado federal, nunca mexi com dinheiro público, não nomeei uma pessoa sequer. Eu não pedi cargo para ninguém, tinha uma plataforma bem definida e sempre fui muito mais um representante do Vasco. Minha atuação na Câmara está lá para quem quiser ver. Em relação ao Vasco, eu sempre fui absolutamente parcial. Nunca aceitei ser membro de tribunal ou participar de alguma coisa que talvez me obrigasse a julgar o Vasco. Porque eu julgaria com parcialidade. Não tenho o que me queixar da vida pública porque deixei muitos amigos na Câmara.

Tem vontade de retornar?
Sou chamado a toda hora. Quem sabe eu volte a ser candidato. Agora talvez até mais para ajudar amigos de partido. Mas não sei se teria a mesma motivação. Vamos ver. Em relação ao Vasco, a minha situação é definida; em relação à política, veremos.

Sinta-se à vontade para fazer um comentário final.
Gostaria de dizer que não sou muito chegado a dar esse tipo de entrevista. Acho que já passei da fase de ficar naquela de tentar convencer. Desafio quem possa ter o mesmo número que tenho: 1.064 partidas como dirigente. Poucas pessoas podem dizer isso por esse Brasil e por esse mundo afora. Sentado no banco, porque eu nunca fui homem de sentar em tribuna de honra. Mas eu tive um alerta forte. Sempre tive uma saúde de ferro, pois nunca fui dado a extravagâncias. Aí fui surpreendido com um tumor de alta malignidade. Meus filhos estão criados, se eu não curti meus filhos como deveria, quero ver se curto os meus netos. Acho que hoje o meu objetivo é esse. Sinceramente, não tenho pretensões. Gostaria de não ter obrigações. Obrigações para com as pessoas que estiveram sempre comigo. Eu nem gostaria de estar me manifestando. Você vai à rua, que eu tento ir o mínimo possível, e a pessoa te cobra: “o Vasco precisa de você, volta Eurico”. E esse tipo de coisa eu tenho de fingir que não ouço.

Fonte: Revista Invicto - UOL