Brasileiro decide deixar o país e viaja para os Estados Unidos com a família em busca de uma nova vida. Sem falar inglês e com o visto de trabalho ainda em processo, trabalha de graça por quatro meses. A história seria comum, se não fosse por dois detalhes: a fama e um alto salário que faziam parte de seu passado. Com passagem por grandes clubes do Brasil e pela Itália, Leandro Amaral agora é chamado de professor. O atacante, aposentado desde que deixou o Flamengo, em 2010, está trabalhando como voluntário em uma escolinha de futebol em Orlando, nos Estados Unidos.
- Trabalho na Rush, que tem de 4 a 5 mil alunos, meninos e meninas, de 2 a 19 anos. Lá tem quatro campos de futebol, parece um CT. Eu ajudo os professores com as turmas de 7 e 8 anos e 14 e 15 anos. Não posso receber ainda, porque não tenho o visto de trabalho, mas acabei de dar entrada para conseguir. Acredito que em uma, duas semanas, já devo ter uma resposta. Quero continuar dando aula. Já abri a minha empresa também, mas estou fazendo tudo muito com o pé no chão. Talvez pense em uma parceria com algum clube, como agente de jogadores, no futuro. Mas estou chegando agora. É uma nova etapa da minha vida. Estou curtindo mais as crianças, participando mais. Estamos a cinco minutos da Disney, é o quintal da nossa casa. Estamos adorando - contou o ex-jogador.
Apesar de ainda trabalhar com futebol, Leandro mudou bastante sua rotina. Sem Green Card (documento que permite a permanência de um estrangeiro nos Estados Unidos por tempo indeterminado), o ex-jogador de 35 anos se viu de volta à sala de aula. Para entrar no país, conseguiu o visto de estudante. De segunda a sexta-feira, dedica suas manhãs a estudar inglês. À tarde, leva os filhos para o colégio e segue para a escolinha de futebol, onde ajuda os professores das 17h às 20h.
Casado há 13 anos com Tatiana e pai de trigêmeos de 7 anos, Leandro Amaral conta que a decisão de mudar de país já era antiga.
- Minha esposa morou na Califórnia por dois anos, quando a gente não se conhecia ainda. No Brasil, ela sempre falava de vir morar aqui. Dizia que era muito legal, que tinha qualidade de ensino para os nossos filhos, uma cultura completamente diferente. Mas eu não podia, porque ainda estava jogando. Quando parei, decidimos vir. Mas só estamos aqui há cinco meses. Está sendo muito bom para as crianças. Elas terminaram o semestre na escola e já estão falando inglês muito bem. Eu estou engatinhando. Fico perguntando o que quer dizer isso, aquilo. Eles me ajudam. Estou ralando ainda (risos) - brincou.
Com mais de dez clubes no currículo, o ex-atacante lembra com saudade da carreira e garante que só parou porque não tinha mais condições físicas. Em 2010, Leandro assinou com o Flamengo depois de ficar um ano sem jogar. Ele havia feito uma artroscopia no joelho direito em 2009, que teria um período inicial de recuperação de um mês. Porém, uma infecção causada por um fungo aumentou o tempo de tratamento para seis meses (sendo dez dias de internação e seis semanas com um cateter para receber fortes antibióticos). O jogador diz que nunca mais voltou a ter um desempenho 100%.
- Eu gostaria de jogar ainda, mas tive um problema muito sério. Incomodava bastante, não conseguia mais render nos treinos. Cansei disso, de entrar em campo, de as pessoas te cobrarem e você saber que não consegue render o que se espera. Ninguém entendia, mas era uma dor muito forte, de chegar em casa depois do treino e só conseguir ficar deitado, sem se mexer. Quando saí do Flamengo, várias pessoas me ligaram dizendo que queriam que eu continuasse jogando. Mas doía muito, não ia valer a pena tentar de novo. Para continuar a jogar, teria de ter uma programação especial para mim. Não poderia fazer saltos no treino, por exemplo. É difícil um clube aceitar isso. Eu mesmo não ia me sentir bem - disse.
O fim da carreira, no entanto, não foi do jeito que Leandro sonhava. Contratado para jogar no Flamengo pelo então diretor-executivo Zico, o ex-atacante acredita que sofreu por tabela com os problemas de relacionamento do dirigente com a presidente do clube, Patricia Amorim. Mesmo a troca de treinador, com a saída de Silas e a chegada de Vanderlei Luxemburgo, não deu certo. Leandro deixou a Gávea, por vontade própria, em menos de três meses, depois de ter participado de apenas quatro jogos, três deles como titular, e não ter feito gols.
- Foi o problema com o Zico. Ele que me levou, deu todo o apoio, mas teve problemas com a Patricia. Eles dividiram: "Se foi o Zico que trouxe, então não vou colocar." Joguei pouquíssimos jogos, foi tudo muito rápido. Quando ele saiu, não fui mais escalado. Ficou muito na cara. Não tive mais contato com ninguém. Só depois percebi o que estava acontecendo. Falei com o Luxemburgo e mais alguém que não me lembro, e eu mesmo pedi para sair. Eu não precisava daquilo. Sei das minhas condições, que poderia ajudar. Treinar e ir para casa? Prefiro ficar em casa, não vou perder meu tempo - afirmou.
Briga judicial com o Vasco: 'Pior momento da minha carreira'
Leandro Amaral lembra com carinho do início da carreira na Portuguesa, mas diz que seu melhor momento foi no Vasco. O melhor e também o pior. Depois de se destacar no Brasileiro de 2007, o ex-atacante conta que viveu dias que gostaria de esquecer. Quando o seu contrato estava perto de expirar, o presidente Eurico Miranda fez a renovação automática, usando uma cláusula que constava no documento assinado por ambos. Leandro tinha interesse em uma proposta do Kashima Antlers, do Japão. Mas, segundo ele, o dirigente do clube carioca não quis liberá-lo. A questão foi parar na Justiça. O atacante conseguiu uma liminar para deixar a Colina e assinou com o Fluminense. Cerca de dois meses depois, porém, o Vasco anulou o recurso, o que obrigou o jogador a voltar a São Januário, onde ficou até o fim de 2008, quando se transferiu de vez para o Tricolor.
- Acho que foi o pior momento da minha carreira. Nunca pensei que ia passar por uma situação dessas. Tinha um acordo verbal com o Eurico e com o meu ex-empresário de que se tivesse uma proposta de fora do país no fim do contrato ele ia me liberar sem custo nenhum. Só que ele achava que eu ia para o Flamengo, Fluminense, e eu não ia. Ele perguntava qual seria a prova de que isso não aconteceria. Então, levei a proposta para eles. O Eurico viu, e eu disse que ele tinha de assinar o documento para garantir que estava negociando só com o Kashima, mas ele não quis assinar. Por isso, resolvi sair do clube e entrar na Justiça. Era uma chance muito grande, seria muito bom para mim. Era um contrato de dois anos, mas eu ia colocar que, se quisesse voltar depois de um ano, a prioridade seria do Vasco. Ele também não aceitou. Pelo que fiquei sabendo, queria R$ 7 milhões. O Kashima não ia pagar isso. O problema foi a questão financeira - afirmou.
Em 2009, Leandro fechou em definitivo com o Fluminense, onde jogou até julho, quando se submeteu à cirurgia no joelho. Para ele, foi um clube muito importante para sua carreira. Tanto que parou para pensar por alguns segundos quando questionado sobre sua resposta em caso de uma nova proposta do Tricolor.
- Eu gostaria muito de poder voltar, sempre tive um bom relacionamento com o Fluminense, o patrocinador. É um clube ótimo de se trabalhar. Mas não sei se aceitaria. Sempre gostei de treinar certinho, forte, para chegar bem no fim de semana. Não seria mais assim, ia ser diferente. Eu já estava percebendo que não estava bem, mesmo no Flamengo. Perdia bolas bobas, por dor. Você já sai tirando o pé na hora do drible, não tem a mesma rapidez. Aí o zagueiro recupera, coisa que você sabe que não aconteceria se estivesse bem - afirmou.
Tatiana: esposa, conselheira e até empresária
Longe dos holofotes, o ex-jogador aproveita para ficar mais tempo com a família, principalmente com os três filhos. A esposa já ficava mais tempo em sua vida, já que trabalhava com ele também. Assim que houve o problema com a questão contratual com o Vasco, os dois decidiram que Tatiana o ajudaria nas negociações com os clubes.
- Além de casados, somos parceiros. Decidimos tudo juntos. Num determinado momento da carreira do Leandro, percebemos que podíamos lidar sozinhos com a vida profissional dele. Quando algum clube tinha interesse, o presidente ou responsável ligava para nós. Até hoje é assim. Há muita controvérsia no meio do futebol. Nada como negociar direto com quem manda. Tudo fica esclarecido, sem dúvidas. O Leandro gostava de jogar no Vasco, fazia gols praticamente em todos os jogos. Foi difícil ouvir tantas mentiras que diziam a respeito dele. Nem sempre o que ele pensava era passado para o dirigente do clube. Realmente foi triste o que aconteceu - lamentou Tatiana.
Leandro lembra que temeu um pouco pela reação da torcida quando voltou a vestir o uniforme cruz-maltino. Uma grande parte dela o havia chamado de "traidor" quando foi para o Fluminense.
- O torcedor enchia um pouco o saco, mas, no meu primeiro jogo, dei um passe para o Edmundo e fiz um gol. O pessoal esqueceu na hora. O torcedor não tem noção nenhuma do que acontece nos bastidores - disse, citando a partida contra o Corinthians-AL, pelas quartas de final da Copa do Brasil de 2008, quando Edmundo pediu aplausos da torcida para o companheiro de time.
As lembranças são muitas, mas, aos 35 anos, Leandro Amaral não pensa em voltar para o Brasil.
- Eu me sinto realizado, feliz. Não me arrependo de nada. Joguei nos melhores times do Brasil, cheguei à Seleção, disputei a Copa das Confederações, eliminatórias da Copa do Mundo. Não tenho do que reclamar. Pode ser que eu volte no futuro, mas a decisão de vir para cá não foi do dia para noite. Foi certa e segura. Vim para ficar.
Fonte: GloboEsporte.com