“Na minha vida, só existe espaço para felicidade”. A frase não deixa dúvidas: o atacante Leonardo é, de fato, a personificação da palavra realização. Da infância pobre em Picos, interior do Piauí, restam apenas as promessas, cumpridas, que fez a si mesmo: ser jogador profissional, tirar a família da pobreza e ouvir seu nome ecoar nas arquibancadas dos grandes estádios. Nessa perspectiva, o jogador olha para o passado com a sensação de dever cumprido.
Contudo, aos 38 anos, Leonardo chega ao fim de carreira ostentando no currículo números e camisas que lhe fazem ter a certeza de que poderia ter alçado voos mais altos. Terceiro maior artilheiro da história do Sport, com 133 gols em 367 partidas, o atacante ganhou notoriedade nacional no dia 1 de novembro de 1994 quando, ao lado de Juninho Pernambucano e Chiquinho, ajudou o Leão a trucidar o poderoso São Paulo, de Telê Santana, na vitória rubro-negra por 5 a 2, na Ilha do Retiro. A atuação fez o “mestre” solicitar sua contratação imediata.
- Quando acabou o jogo o Telê cumprimentou a gente e depois fiquei sabendo que ele pediu para que contratassem os três: eu, Chiquinho e Juninho. Porém a diretoria do Sport não fez o negócio. Tenho certeza de que, se a gente tivesse isso para lá, teria brilhado na Seleção porque ele iria lapidar a gente. Sabíamos jogar e tínhamos potencial para sermos muito melhores, mas infelizmente não fomos.
A história contada por Leonardo não combina com a recente saída do Afogadense, clube que representa a cidade de Afogados da Ingazeira, município do Sertão pernambucano, na Série A2 do Estadual. O clube investiu na trajetória do atacante para conquistar o primeiro acesso à elite do futebol pernambucano, mas a parceria não se concretizou.
- Quando eu decidi acertar com o Afogadense me falaram que o prefeito investiria na contratação de outros atletas de nome. Além disso, as viagens eram muito longas. Com isso, percebi que não dava mais para continuar e decidi sair de lá. Não foi pelo fato do clube disputar a segunda divisão do Estadual. Agora, estou encerrando definitivamente minha carreira, mas pretendo seguir no futebol.
O calote, o destino e o Reizinho
A não negociação com o São Paulo foi a primeira de várias situações que atrapalharam a caminhada do jogador. Em 1995, após ser o grande destaque da Seleção Sub-21, no torneio de Toulon, na França, o Sport decidiu negociar o atleta. Dessa vez, para o Vasco. Na ocasião, a equipe carioca resolveu investir na aquisição das principais promessas leoninas, Juninho Pernambucano e Leonardo, com o segundo chegando com status de grande contratação.
Logo na estreia a dupla mostrou que a aposta daria frutos. Vitória sobre o Santos por 5 a 3, de virada, com dois gols de Leonardo, dois de Valdir e um de Juninho em plena Vila Belmiro. Para infelicidade do atacante, o Vasco não efetuou o pagamento da compra e ficou acertado que um dos atletas seria obrigado a retornar ao Sport. Mais novo, Juninho colocou-se à disposição para retornar, hipótese prontamente negada pelo então presidente do Sport, Wanderson Lacerda.
- Fui bem pelo Vasco. Não fiz um ano brilhante, mas fiz uns sete gols no Brasileiro e estava bem lá. Porém o Eurico não pagou parte da transação e Wanderson disse que um dos dois teria que voltar. Lembro que Eurico falou que iria pagar e se fosse para liberar seria Juninho. No dia, ele até me falou: “Leonardo, deixa que eu vou, você fica”. Mas Wanderson falou que ele ficaria porque já tinha me negociado com uma empresa que me colocaria no Corinthians. Foi uma situação chata, porque queria ter ficando junto com Juninho, mas são coisas da vida. O destino fez Juninho ficar lá e hoje ele é o maior ídolo do Vasco. Com todo merecimento, diga-se, porque lutou para caramba até chegar aonde chegou. Sempre foi craque e sempre foi disciplinado.
Libertadores e preconceito
Após uma rápida negociação, Leonardo foi parar no Parque São Jorge, logo no início de 1996. Ao vestir a camisa do Corinthians, ele tinha a certeza de que o clube poderia lhe levar à Seleção. Pensando nisso, foi o destaque do Timão na Libertadores, onde chegou a marcar quatro gols, até a eliminação do clube nas quartas de final. A chegada do técnico Valdir Espinosa, no entanto, ao clube acabou encerrando suas chances na equipe principal.
- No Corinthians eu cheguei a ser o artilheiro do clube na Libertadores. Ainda estava me adaptando quando contrataram Valdir Espinosa. Logo na chegada ele pediu para contratar Alcindo, Tiba e ainda queria Renato Gaúcho. Aí ele me disse que eu ficaria no banco, porque não era conhecido. Tinha acabado de me destacar jogando uma competição difícil, mas ele falou que nunca tinha me visto jogar e que eu ficaria no banco. Aí, pedi para sair.
Sem espaço no Timão, o atacante resolveu atender um chamado de Vanderlei Luxemburgo para vestir a camisa do Palmeiras. No Alviverde, não foi páreo para o ataque formado por Rivaldo, Luizão e Muller.
- No Palmeiras realmente não fiz muitos gols até porque o ataque era muito bom. Mesmo assim, eles queriam renovar meu empréstimo, mas o Sport só aceitava vender. Aí, acabei não ficando lá.
O terror da Ilha
Sem conseguir se firmar nos grandes centros, Leonardo acabou regressando ao Sport em 1997. De cara, o atacante levou o clube ao título estadual e se sagrou artilheiro da competição com 14 gols. Com dribles desconcertantes e atuações decisivas, ganhou o apelido de “Terror da Ilha” e ainda conquistaria o Campeonato Pernambucano nos três anos seguintes (98, 99 e 2000) e o Nordestão em 2000. O atleta transformou-se no maior ídolo da história recente do clube.
- Sou torcedor número 1 do Sport. Já vesti várias camisas e joguei muitos jogos importantes e com estádios lotados, mas nenhuma torcida me emocionou tanto como a do Sport. Sem dúvidas, foi o clube que mais me marcou. Foram oito anos e vários títulos. Dos torcedores e do clube não tenho o que falar, mas gostaria de ter ajudado mais. Porém não me deram chance. Posso dizer que a camisa do Sport caía bem. Toda vez que vesti não decepcionei.
Após se destacar novamente pelo Sport, Leonardo ganhou uma nova oportunidade para mostrar que poderia se destacar fora do Nordeste.
- Não fui bem jogando pelo Cruzeiro. Não me adaptei ao clube. Às vezes, as coisas não acontecem e lá não consegui mostrar um bom futebol. Essa é a verdade.
Após a saída da Raposa, o atacante iniciou uma vida de cigano. Ao todo, foram 14 clubes e uma sequência de insucessos. Trajetória interrompida em 2007, devido à morte do pai, seu Francisco.
- Joguei em vários clubes, e jogo para me divertir. Mas em 2007 decidi parar. O falecimento do meu pai mexeu muito comigo e preferi abandonar. Não foi porque não tinha mais qualidade ou porque ninguém queria me contratar. Só não tinha mais alegria.
O adeus
A aposentadoria durou pouco. Atendendo aos pedidos dos amigos, Leonardo decidiu voltar a atuar e voltou a sonhar em um futuro brilhante após conquistar o título de campeão paraense pelo Cametá. O trinfo lhe encheu de esperanças e, após ser convidado pelo amigo Mirandinha, o atacante aceitou o desafio de se mudar para Afogados da Ingazeira e ajudar a levar o Afogadense para a inédita participação na primeira divisão do Estadual.
- Ainda queria jogar mais dois anos. Recebi o convide de Mirandinha e aceitei pelo prazer de jogar futebol. Também gostaria de sentir a emoção de jogar mais um Pernambucano. Digamos que eu sempre me dei bem no Estadual, mas infelizmente não deu.
Mesmo vendo uninho Pernambucano se destacar como ídolo no Vasco, Leonardo não se arrepende de ter retornado ao Sport.
- Não penso que dei errado. Sai do Piauí desacreditado, pobre e sem nada. Hoje minha família possui alguns bens e isso saiu do futebol. Também não olho o sucesso que Juninho tem com qualquer tipo de inveja ou pensando que poderia ser eu. Ele fez a história dele e lutou muito para ser o que é. Ninguém pode falar que eu viraria ídolo do Vasco se tivesse ficado. Não carrego frustrações na minha vida, só felicidade. A única coisa que ainda penso em realizar é vestir a camisa do Sport pela última vez. Gostaria de jogar mais uma partida com aquela camisa e ver a torcida gritando meu nome. É o único desejo que ainda preciso realizar. O resto, a vida já me deu.
A decisão de abandonar a vida de jogador de futebol não tirou de Leonardo a vontade de viver no mundo do futebol. Para isso, ele decidiu investir em cursos preparatórios para tentar seguir carreira como auxiliar técnico.
- Acho que chegou o momento de abandonar definitivamente e pensar o que farei no futuro. Penso em fazer um curso de treinador, para procurar uma vaga como auxiliar técnico. Tenho alguns amigos que podem me ajudar e acho que seguirei esse caminho. Como jogador, creio que já fiz tudo o que poderia ter feito. Gostaria de seguir jogando, mas o corpo não aguenta. A cabeça quer fazer algo, mas não dá mais.