Espécie de "xepa às avessas" dos clubes estrangeiros, habituados a comprar aqui os talentos mais cobiçados do mercado a preço de banana, o futebol nacional celebra seu milagre econômico. Se as permanências de Neymar, Lucas e Leandro Damião, eternas enquanto durarem, sinalizam um ambiente aquecido, as chegadas de estrelas internacionais como Seedorf e Diego Forlán indicam o ponto de ebulição que eleva o Campeonato Brasileiro a um novo patamar.
- A Europa ainda tem os campeonatos mais competitivos, mas, se esses jogadores escolheram o Brasil, significa que o futebol aqui está mais profissional. As melhoras da economia e da competência são evidentes - atesta o luso-brasileiro Deco, que em 2010 trocou o Chelsea pelo Fluminense atraído pela chance de conciliar o desejo de encerrar a carreira na terra natal e ótimos contratos.
Campeonato globalizado
Para dirigentes, executivos de marketing e jogadores consagrados que, assim como Seedorf, de 36 anos, e Forlán, de 33, curtem a maturidade profissional e já não associam realização apenas a dinheiro, vários fatores ajudam a entender as decisões do holandês e do uruguaio de abrirem mão de propostas financeiramente mais vantajosas da China, do mundo árabe ou mesmo do futebol europeu para curtir os anos que antecedem a aposentadoria por aqui. Casado com uma brasileira, o vínculo afetivo de Seedorf com o país é anterior ao interesse do Botafogo.
Embora tenha construído praticamente toda a carreira na Europa, geograficamente o uruguaio Forlán sempre esteve próximo. No Internacional, ficará mais perto da família sem abrir mão de jogar em alto nível.
- Vejo a vinda deles mais como efeito da globalização do Campeonato Brasileiro, mais organizado, disputado por pontos corridos, como na Europa, do que propriamente com o fortalecimento do mercado - opina Juninho Pernambucano, que após trajetória singular no futebol francês e duas temporadas no Qatar, aos 36 anos voltou ao Vasco, seu clube de coração. - O fuso horário atrapalha bastante lá fora, mas, nos meus últimos dois anos na França e no período em que fiquei no Al-Gharafa, assistia ao Brasileiro.
Quem vê o futebol como negócio destaca que o Brasil se tornou naturalmente atraente para jogadores e investidores por ser sede da próxima Copa do Mundo. Presidente do Conselho da Brunoro Sports Business e diretor esportivo do Grupo Pão de Açúcar, José Carlos Brunoro alerta que as vindas de Seedorf e Forlán mostram, sim, a força do mercado interno, mas ainda acha prematuro afirmar que, em breve, o futebol brasileiro será capaz de contratar jovens estrelas estrangeiras, como o Corinthians fez em 2005 com os argentinos Tévez e Mascherano, graças aos milhões de dólares da MSI, que acabou nas páginas policiais.
- Tudo é possível, mas num médio prazo - diz Brunoro. - Já sabemos que, em alguns casos, pagamos tão bem quanto lá fora. Para trazer uma estrela em ascensão, vai depender de uma engenharia financeira. Mas, se oferecermos a infraestrutura renovada que teremos após a Copa, com novas experiências e a qualidade de vida do brasileiro, por que um argentino jovem e talentoso não pode pensar como Forlán e Seedorf e vir para cá? - indaga.
Para o diretor executivo do Fluminense, Rodrigo Caetano, esta realidade está distante.
- Jogadores do nível de Seedorf e Forlán só têm oportunidade de vir em final de contrato - enfatiza. - Basta ver o exemplo do Deco, que jogou no Porto, Barcelona e Chelsea. Pegue as referências desses clubes, não temos poder aquisitivo para adquirir direitos tão caros. Tente trazer Xavi ou Iniesta, ninguém vai conseguir.
Seedorf já atrai sócios
Diretor da Soccer Mídia, empresa carioca de marketing esportivo que tem vários clubes brasileiros como clientes, João Cláudio de Luca ressalta que, no exterior, os clubes costumam recuperar o investimento em grandes estrelas em campanhas de marketing de venda de produtos associados e de fidelização de torcedores.
Segundo Sérgio Landau, diretor executivo do Botafogo e um dos articuladores da contratação de Seedorf, em menos de uma semana a chegada do novo reforço atraiu 2,5 mil novos sócios-torcedores. E dinamizou negociações até então estagnadas com duas empresas interessadas em exibir as marcas nas costas e nas mangas da camisa.
- Pular de 3,5 mil sócios-torcedores para 10 mil já seria fantástico. E prevemos um aumento de cinco mil em média de público em nossos jogos. Se a torcida responder da maneira que imaginamos, fica tudo equacionado. Por isso, a participação dela é fundamental.
José Carlos Brunoro, no entato, faz ressalvas:
- Apostar no torcedor é perigoso. Jogadores como esses deveriam vir com o direito de imagem associado a alguma empresa. É a imagem, associada a um plano de marketing, que vai pagar o investimento.
Talento só não basta
Rodrigo Caetano lembra que tão importante quanto o planejamento para honrar os compromissos com o jogador é ter a certeza de que o perfil do escolhido se adequa às necessidades, e não só a técnica:
- Os benefícios de ter um jogador desse nível são inúmeros. Eles agregam experiência, trajetória vencedora, fortalecem os clubes e o campeonato. E normalmente têm uma responsabilidade com os mais jovens. Muitos meninos acabam se afirmando a partir do convívio com esses ídolos.
Sérgio Landau revela que, antes de bater o martelo sobre a contratação do holandês, o nome de Seedorf foi amplamente discutido pelo chamado Comitê de Futebol do Botafogo, grupo formado pelos principais dirigentes do clube que definem as mais importantes decisões dos departamentos:
- Avaliamos todo o ambiente competitivo em que ele esteve envolvido. O convívio com resultado e sucesso na carreira é espetacular. Apostamos em qualidade, até porque acreditamos que nosso time é um dos candidatos ao título.
Em comum, todos concordam que, apesar do prestígio e do talento reconhecido mundialmente, o sucesso de empreitadas como as de Botafogo e Inter está quase que exclusivamente atrelado ao retorno técnico que Seedorf e Forlán ainda são capazes de dar às equipes que defendem.
- Ambos estão unindo o útil ao agradável. Se não tiverem o desempenho que deles se espera, aí todo o esforço dos clubes corre risco de ser desfigurado - adverte Brunoro.
Modelo de profissionalismo e referência de qualidade, Juninho vê motivos para acreditar no triunfo da dupla.
- Dar certo depende dos objetivos de cada um. São experientes, profissionais e o Seedorf, principalmente, parece estar em grande forma - afirma. - Na Europa, o jogador aprende desde cedo que, para atingir o melhor, talento só não basta. É preciso ser profissional. Parece o caso dos dois. Isso diminui o risco de erro.
Fonte: O Globo