O zagueiro Fernando, de 32 anos, ex-Vasco e Flamengo, acertou sua ida para o Guarani com um contrato até o fim da Série B deste ano. Ele estava parado havia cerca de dois meses depois de uma passagem pelo Americana (hoje Guaratinguetá). Neste período, no entanto, não ficou de férias. Fez trabalho físico na praia e no campo com Thiago Coimbra, filho de Zico. Nos fins de semana, a atividade para se manter em forma era o futevôlei.
- Estou mais magro do que quando estava jogando (risos). Não sou melhor do que ninguém, mas também não sou pior. Sei que posso render ainda, até pelo que fiz no Campeonato Paulista. Provei para mim que posso, e isso é o primeiro passo. Estou pronto.
O zagueiro disse estar animado para tentar recolocar o Bugre na Série A, da mesma forma que fez em 2009 no título do Vasco da Série B.
- Estou feliz com esse novo desafio. O Guarani é um clube grande, com história, já foi campeão brasileiro. Vou tentar ajudar a retornar à elite do futebol brasileiro, assim como fiz com o Vasco em 2009, uma das maiores emoções da minha carreira.
Em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, Fernando diz que já viu muitos jogadores chegarem bêbados para o treinamento, rejeita a hipótese de times fazerem "corpo mole" para derrubar técnico e cita momentos marcantes em Flamengo, Vasco e futebol europeu.
Quais foram os motivos para você não ter renovado com o Vasco em 2011?
Eu tive problemas de lesão no joelho, fiquei dois meses parado. Não deu para trabalhar direito com o Ricardo Gomes. Além disso, a zaga era Anderson Martins e Dedé. Eu sabia que era difícil, mas não me incomodava ser uma opção. Meu contrato estava terminando, e conversei com o Rodrigo (Caetano). Ele disse que era difícil eu ter oportunidades. Se eu soubesse que o Anderson ia sair, poderia pedir para ficar, porque as chances apareceriam. Aceitava até reduzir salário. Na época achei que o Americana daria certo.
Como foi a despedida do elenco? Você preferiu não dar entrevista na época.
Só falei com algumas pessoas na minha saída, não gosto de despedidas. Mantenho contato com algumas pessoas, alguns funcionários. Ficaram algumas amizades.
Você foi revelado no Flamengo e depois jogou no Vasco. Como o clube surgiu na sua vida?
Meu irmão tinha jogado lá, mas eu joguei a minha vida inteira contra o Vasco. Quando fui para o clube, tinha que fazer o que eu fazia no rival. Depois, o Vasco ainda caiu. Foi uma grande frustração. Tinha proposta boa para sair do Brasil, mas resolvi ficar porque achei que precisava ajudar e também por quem me levou. Subir para a Série A foi uma das maiores emoções da minha carreira.
Que lembranças você tem do rebaixamento de 2008? Quais foram os principais erros cometidos na época?
Quando cheguei ao clube, o presidente já era o Dinamite. Acho que a mudança de técnicos foi bastante complicada naquele ano. O Tita tinha ideias boas, mas o elenco não era apropriado para o que ele pensava. As coisas não andaram. Lembro da derrota por 4 a 2 para o Figueirense, em São Januário. Nossa escalação era bem ofensiva, começamos voando no jogo. Só que em contra-ataques eles foram fazendo os gols. Mas só vi que seria difícil de o time não cair depois do jogo contra o Atlético-PR (2 a 2 em São Januário). Lembro também que em um jogo contra o Sport levamos um gol de empate aos 48 (2 a 2, na Ilha do Retiro).
Como era sua relação com Edmundo?
Sempre me dei bem com os craques, como Petkovic, Edilson, Edmundo... Sou uma pessoa fácil de relacionar. É preciso respeitar a individualidade de cada um. O Pedrinho também me deu as dicas para eu me dar bem com o Edmundo (risos). Eu segui. Até hoje nos falamos. Ele é o grande ídolo do Vasco, acho que mais do que os outros.
Você também era bem próximo ao Carlos Alberto, seu ex-companheiro de quarto. Como viu os problemas recentes que ele enfrentou e como avalia esta volta ao Vasco?
Acho que a volta foi boa para ele e para o Vasco. O time é equilibrado, um cara da qualidade dele pode aumentar muito as chances do clube. O bom para o Carlos Alberto é que agora tem muitos jogadores para dividir a responsabilidade, o comando. No Vasco, o foco não está apenas nele. Só tem a ganhar. Nos insucessos dele, percebeu que o Vasco é a melhor opção para ele. Acho que a recuperação está sendo boa.
Hoje em dia, quando as pessoas falam do Fernando, dizem o "Fernando do Flamengo" ou o "Fernando do Vasco"?
Acho que já me relacionam mais ao Vasco, até por ser uma coisa mais recente. Só os flamenguistas que lembram mais. O que faz muita diferença é que não saí do Flamengo direto para o Vasco. Isso alivia um pouco. No meu início em São Januário, senti um pouco de desconfiança. Eu tinha vencido títulos em cima do clube, é difícil de a torcida apagar isso rápido da memória. Mas acho que acabei com isso depressa. Nem a queda me deixou muito marcado. Acho que a conquista do acesso ficou muito mais. Foi muito legal.
O que representa o Flamengo?
Devo muito ao Flamengo. Toda minha criação foi lá, foi onde desenvolvi meu caráter. Algumas pessoas me ajudaram muito. Perdi minha mãe cedo. Eu fiquei 15 anos no clube. Nunca morei em outro lugar por 15 anos, por exemplo. Às vezes ainda falo com algumas pessoas. Minha geração tinha jogadores como Juan, Júlio Cesar, Rocha, Reinaldo... Fui para a Alemanha e um ano e meio depois voltei para conquistar a Copa do Brasil.
Como foi testemunhar as brigas entre Petkovic e Edilson? Qual era o problema entre eles?
Diziam que a briga era prejudicial, mas não acho que era. Eu me dava bem com os dois. Eram jogadores muito fortes. O problema deles nunca influenciou no jogo, eram inteligentes para saber dividir as coisas. Até hoje não sei dizer qual era o conflito ente eles. Naquela final de 2001 (Carioca), o Pet olha antes de cruzar para o Edilson fazer o segundo gol do Flamengo. Lembro de uma discussão antes de um jogo pela Mercosul. Mas logo que a bola rolou, o Pet colocou o Edilson na cara do gol. Aquele time foi campeão da Taça Guanabara, do Carioca, da Copa dos Campeões e chegou à final da Mercosul... Uma relação igual daqueles dois, nunca vi em lugar nenhum. Nunca joguei em um time tão bom com tantos problemas como aquele.
Como avalia a experiência na Alemanha e na Áustria?
A primeira vez que saí do Brasil foi para o Munique 1860, que é a segunda melhor cidade do mundo. O problema é que fui para um time médio que não precisava de zagueiros, e joguei até como meia-atacante. Lá quebrei o pé, minha primeira lesão séria. Fui com um salário baixo, e ele ia aumentar seis meses depois, no início da nova temporada, mas dei azar. O time foi rebaixado, e eles não tiveram mais dinheiro para pagar. Lá, se eles atrasassem seriam rebaixados. Deixei três anos de contrato com o Flamengo para trás. Cuidei do pé de fui para o Áustria Viena, onde joguei competições importantes mas não me adaptei. Era um lugar mais frio. Tinha que encarar muita neve. Em todos os lugares em que joguei na Europa, os times tinham estrangeiros de todos os lugares. Ninguém se entendia na comunicação (risos). Bom para mim financeiramente foi a passagem pelo Duisburgo-ALE. Nesta terceira passagem eu quase nem precisava de intérprete para falar alemão. Me virava bem, dava até informação na rua (risos).
Como surgiu a oportunidade de jogar pelo Americana (hoje Guaratinguetá)? Foi um período válido?
Minha experiência no Americana foi legal. Cheguei em um time pronto, que ficou na zona de classificação por 20 rodadas e tinha jogadores rodados. No fim da competição, acabou que não deu certo. Quando virou Guaratinguetá, 95% do elenco foi embora. Depois da terceira rodada, o técnico foi demitido, aí reformularam mais uma vez a equipe. Mandaram 12 atletas embora. Comigo foram corretos, recebi o que tinha para receber. Só acho que houve falta de planejamento.
Já viu atletas chegando para treinar bêbados durante sua carreira?
Já vi muitos. Mas não tem muito espaço para isso. Se faz uma vez, vá lá. É jogador, mas pode errar, é ser humano. Não pode é ser uma coisa recorrente. Quando é assim, normalmente se diz que está passando mal, com uma indisposição estomacal. A revolta dos companheiros pode acontecer justamente quando a situação se repete muitas vezes. Se o clube acoberta para um, tem que acobertar para todos.
Como vê o fato de que a vida dos jogadores fora do campo está cada vez mais exposta?
Acho que os tempos mudaram. Eu não era santo, mas hoje em dia acho que isso não tem tanto espaço. No meu tempo não tinha foto de celular, vídeo, internet rápida... Hoje os jogadores estão mais expostos. Mas acredito que o atleta beber uma cerveja é visto com mais naturalidade agora do que há alguns anos, até porque é comum ver imagem disso acontecendo agora. Antes era tabu. Os jogadores precisam ter muito cuidado.
Qual sua opinião sobre a concentração? Ela é válida, tem que ser mantida?
Nunca me incomodou, sempre respeitei. Até os 23 anos era até bom para descansar um pouco (risos). Mas é uma coisa que não é tão necessária. Apesar disso, tinha um companheiro romeno que contava uma coisa que eu concordava. Uma vez o técnico na Alemanha perguntou se queríamos concentração, e a maioria disse que sim. Ele disse que em casa, por causa dos filhos, não conseguia descansar direito. A concentração era a salvação dele. Mas acho que isso pode ser revisto, até porque é um gasto enorme para os clubes.
Tem alguma história boa de concentração?
Teve uma vez que, na preleção para uma final de campeonato, um jogador importante não estava presente. Todos ficaram procurando para saber onde estava. Na verdade ele estava na escada do hotel com uma camareira. Outra história foi quando um jogador foi barrado, aí foi contar para alguém no celular, na varanda do hotel. O auxiliar estava na varanda de cima e ouviu ele dizer que "daria um migué" para poder viajar para sua cidade para uma festa de São João.
O que acha sobre o atraso de salários? Que influência isso tem no rendimento do time?
Está muito errado. O clube que não paga tem que aceitar algumas coisas, mas chega uma hora que fica insustentável. A pessoa tem um contrato e precisa ser remunerada, no futebol não é diferente. A única diferença é que mexemos com a emoção. Os atletas têm problemas como todas as pessoas comuns. Hoje em dia acho que a minoria atrasa salários no Brasil. No Vasco eu recebi, no Americana/Guaratinguetá também. Do Flamengo ainda tenho algumas coisas para receber. No futebol tem que ter cobrança, comando, senão não vai para frente. Se o comando for positivo, as coisas acontecem.
Existe 'corpo mole' para derrubar técnico?
Isso não existe, até porque os jogadores têm uma cobrança grande. Nunca ouvi alguém dizendo que isso aconteceu. Dizer que está machucado para não jogar, eu já vi. Ninguém gosta de perder, é igual a essa história de que existe recebimento de dinheiro para alguma equipe entregar jogo. Não tem segredo que ficaria escondido em um grupo de 40 pessoas.
Fonte: GloboEsporte.com