No discurso de Cristóvão Borges, substantivos ligados à gratidão e a aprendizado se repetem com frequência a cada porção de frases, das mais variadas formas. O treinador parece certo de que não passaria pelo que chama de "prova de fogo", quando Ricardo Gomes sofreu o AVC, sem a ajuda fundamental dos jogadores do Vasco, em especial dos mais experientes. Por isso, a relação que desenvolveu com o elenco atual é diferente da que normalmente se estabelece nesta hierarquia, faz questão de ressaltar o treinador, com um breve sorriso.
Novamente, agora, um momento turbulento, após a eliminação na Libertadores, que soma-se ao fracasso em duas finais de turno do Campeonato Carioca. Vaias eventuais, continuidade em xeque, nada disso abala o baiano de 53 anos, 30 deles dedicados ao futebol. Não só por seu estilo calmo e ponderado - tudo a ver com o da terra natal - mas também porque Cristóvão crê que a transformação pela qual o time passou teve seu dedo. E se orgulha muito disso:
- Todo mundo se surpreendeu com o nível que o Vasco atingiu, marcando tanto. Até o Corinthians (algoz nas quartas da Libertadores), o Tite disse isso. É só olhar para trás. Quando chegamos (fevereiro de 2010), parecia uma terra atrasada, com a autoestima baixa e diversos problemas. O trabalho é muito bom, e o saldo é altamente positivo.
Em bate-papo com o GLOBOESPORTE.COM, no fim da tarde da última segunda-feira, num quiosque em frente a seu apartamento, na Lagoa Rodrigo de Freitas, o comandante atual da nau cruz-maltina reforçou a decisão de que devolverá "feliz" o posto ao amigo Ricardo Gomes, em breve, e seguirá carreira solo. Diante dos resultados que obteve, espera que seu nome passe a ter mercado. Mas, antes, o foco está no Brasileirão. Isso porque, embora ele não seja capaz de confirmar, Gomes só voltará em 2013, na plenitude de sua forma, sem limitações. Até lá, Cristóvão quer acabar com as dúvidas e oferecer o "carimbo de campeão" ao trabalho, que completa um ano do título da Copa do Brasil no mês que vai entrar.
- A história mostra que se você está no caminho certo, persiste, se não ganhou na primeira ou na segunda, uma hora acontece. Caso não seja agora, em algum momento próximo vai ser. O Vasco está preparado para isso, tem todas as armas na mão. Houve a aceitação do trabalho, todos acreditaram nas ideias e conseguimos alguns resultados. Mas tem que ter o carimbo de campeão. É para isso que eu vou lutar todos os dias. Falta que todos contribuam um pouquinho mais: eu, a comissão, os jogadores, a diretoria... Está no detalhe. A cada situação, a cada jogo, vejo algo bom diferente, dá para sentir uma melhora - apontou.
Desde que a gestão de Roberto Dinamite assumiu, pela terceira vez o Corinthians foi o carrasco num mata-mata ou no caso da disputa rodada a rodada do Brasileirão do ano passado. E, curiosamente, uma linha de evolução une os dois. Rebaixados no fim da década, se reconstruíram e vêm se destacando no cenário nacional, embora não consigam ganhar os respectivos estaduais. O objetivo de Cristóvão é copiar o último início de competição do Timão, que atingiu nove vitórias e um empate e - quem sabe? - conduzir o clube à conquista, como o rival, e ter uma melhor sorte na Libertadores da próxima temporada.
- É uma coincidência que faz sentido, é positiva, vamos ver até onde dá (risos). É difícil, claro, repetir essa campanha, mas, para o grupo do Vasco, é possível fazer qualquer coisa. É uma grande proeza, tanto que só aconteceu uma vez na história. Temos que ter esse tipo de sonho e meta, sim - frisou o técnico, que ainda tem a cicatriz da última derrota aberta.
- Quando você perde de goleada, sabe que o adversário foi superior. Mas se é dessa forma, fica a certeza de que poderia passar e dói mais - admitiu, em referência ao 1 a 0, com gol de Paulinho, aos 43 minutos do segundo tempo, para o Corinthians, há seis dias.
A necessidade de redenção é urgente e já teve eco no Brasileirão, com a ponta da tabela, dividida com Botafogo e Atlético-MG. Perder o controle da situação por causa de um novo revés nem passa pela cabeça de Cristóvão, que diz ter amadurecido por dez anos com a pressão e não poupa palavras carinhosas para exaltar o que os jogadores fizeram por ele:
- Continuo no Vasco até hoje, neste cargo, feliz, adaptado e confortável porque o grupo me trouxe até aqui, me sustentou e facilitou as coisas. Não posso fazer comparações com outros ambientes, mas a nossa relação é sincera. Não foi simples, achei que seria difícil e tem sido mais ainda (risos). Logicamente há lideranças, e eu tenho o diálogo aberto. Sempre cara a cara, olho no olho, falando a verdade. Muita coisa acontece internamente e não sai para a imprensa. Se o ambiente não for saudável, no futebol, não dá certo. De fora, quando um fica chateado com alguma coisa lá no campo, as pessoas veem diferente. Mas minha relação com o Juninho, ou até o Felipe, por exemplo, é a melhor possível. É com quem eu tenho mais intimidade, por ter já trabalhado junto (no Flamengo, em 2005). Felipe é fominha, conheço bem. Ele já explicou isso tudo, falou sobre mim, mas, se tiver que cair na minha conta, eu assumo, estou ali para isso. O torcedor não aceita que mexam com os ídolos dele, é a compreensão e a tese que eu tenho. É normal - esclareceu, emendando sobre as vaias.