Campeão em praticamente todos os clubes nos quais passou, Célio Silva ficou notabilizado pelo potente chute de perna direita, pelo bom posicionamento na área e pela seriedade. Hoje, aos 44 anos, ele encara um nova missão no futebol: revelar talentos. Há cerca de dois meses, o ex-zagueiro comanda a equipe sub-20 do Noroeste, de Bauru. E carrega uma certeza: só não foi mais longe na Seleção Brasileira porque não entrou nas "panelas" dos colegas.
Ao contrário dos tempos de jogador, em que ficou conhecido pela força e por não ter medo de mandar a bola para o mato, o ex-zagueiro agora diz que precisa trabalhar com muito mais cuidado.
- Meu objetivo é preparar os jogadores para a carreira. No Noroeste, temos o sub-15, sub-17 e sub-20. Eu sou o verdadeiro pedreiro de acabamento. Os outros técnicos vêm, cavam e eu dou o retoque final para poder passar ao profissional em condições. Já recebi convites para trabalhar em clubes menores, de divisões inferiores, mas meu negócio é trabalhar com a base - diz.
Mas Célio não esconde uma pontinha de ironia ao falar da diferença que vê na formação de jogadores hoje e em seu tempo de novato - ele iniciou a carreira em 1986, aos 18 anos, no Americano de Campos, cidade próxima a sua Miracema natal, no interior do Rio.
- Hoje já não é mais um esporte, lazer, é um investimento. Antes o pai colocava o filho em uma escolinha simplesmente para ter uma atividade física. Atualmente, é investimento de carreira, o pai quer que ele seja um jogador de futebol. Isso na maioria das vezes atrapalha bastante, aliás. Para mim, disseram que teria um teste no Americano no dia tal, às três horas da tarde. Como eu ia chegar lá? “Se vira”. Meu pai não teve nem tempo de me dar um abraço e desejar boa sorte. A gente tem que entender a evolução. Hoje, o pai leva o filho com a namorada e a torcida juntas. Está mais fácil. Se um menino tiver uma dor de barriga, já tem 30 camaradas em cima - analisa.
Nas alturas
O futebol, aliás, nem era o único sonho do menino Vagno Célio Nascimento da Silva. Ele se divertia desde a infância jogando bola, e nem era como zagueiro, mas como meia-armador, com destaque para seus chutes desde cedo potentes e violentos. O sonho, porém, não estava no gramado, mas no céu.
- Uma das minhas grandes paixões é a Aeronáutica. Fui para o Rio de Janeiro para me alistar, tinha vontade de ser paraquedista – e olha que tenho o maior medo de altura. Mas, nesse meio tempo, entre a chamada na Aeronáutica, tive a oportunidade de fazer um teste no Americano. Queria ter ido como meia-atacante, mas a orientação que me deram era para ir como zagueiro, já que tinha menos gente. Zagueiro e goleiro ninguém quer ser...
E por que ir contra a vontade e o sonho? É que a realidade, recorda Célio, não dava muito espaço para manobra. Nascido numa família carente, com mais oito irmãos, ele viu na bola e no canhão que tinha na perna direita a chance de mudar essa sofrida história.
- Se falar que eu queria aquilo, até queria, mas tinha muito medo. Praticamente nunca tinha saído de casa. Fui nascido e criado debaixo da saia da mãe. Tive de aceitar o desafio de poder mudar a história da minha família. Não digo que vivíamos em condições de extrema miséria, porque meu pai trabalhava, mas não conseguia sustentar nove guerreiros famintos. O que colocava na panela acabava: frango, macarrão, capim, tijolo... E eu vi, através do futebol, em 1986, a possibilidade de mudança da história da minha vida e da minha família.
Deu certo. Célio rodou o Brasil e o mundo, vestiu as camisas de Vasco, Inter, Caen-FRA, Corinthians, Goiás, Flamengo, Atlético-MG, Universidad Católica-CHI e Americano novamente, onde pendurou as chuteiras, aos 35 anos, cansado das seguidas contusões e de trabalhar de graça.
- Por isso que hoje eu falo: aproveita o tempo que daqui a pouco você vai piscar os olhos e parar de jogar. Para mim, no início, não foi difícil. Mas quando parei de jogar estava muito decepcionado. Saí do Corinthians e fui para o Goiás, em 1998, e não recebi. Fui para o Flamengo, em 1999, e não recebi. Em 2000, também não recebi no Atlético Mineiro. E em todos esses clubes que não me pagaram, eu joguei. Nunca fui para nenhum deles para ficar deitado na maca. Mas os problemas de joelho, sempre atuando com infiltrações, ajudaram na minha decisão.
Hoje, Célio realiza o sonho de voar por meio do filho, que se integrou à Aeronáutica depois de fracassar em diversas tentativas de se tornar jogador e ver que não tinha condições de repetir o sucesso do pai dentro de campo.
- Meu filho passou por Juventus, Corinthians, Inter e não deu certo. Por que vou insistir mais? Então, ele foi pego no alistamento militar e transferido do Exército para a Aeronáutica. A carreira militar era uma paixão minha. Hoje me vejo no meu filho. Como ele ama futebol, gostaria que fosse um atleta, mas tenho que ter coerência, ser responsável. Não posso enganar nem a mim e nem ao meu filho - admite.
Alegrias e tristezas
Embora financeiramente a passagem pelo Flamengo não tenha sido compensadora, Célio guarda com carinho as recordações de um título com a camisa rubro-negra, o da Copa Mercosul de 1999, conquistado em cima do Palmeiras numa decisão épica e cheia de alternativas.
O Flamengo venceu o primeiro jogo por 4 a 3, no Maracanã, e segurou um empate por 3 a 3 no Palestra Itália lotado por quase 30 mil palmeirenses.
- Essas finais da Mercosul foram as minhas principais partidas de superação. Foram dois jogos em que atuei com uma perna só. Fiquei direto com infiltração e medicamentos, mas conseguimos a taça.
Não é pouco ser considerado o principal título da carreira de quem, entre outras coisas, fez o gol do título da Copa do Brasil de 1992, pelo Inter, contra o Fluminense , e também foi o xerifão da zaga do Corinthians campeão da Copa do Brasil de 1995 e dos Paulistas de 1995 e 1997. Nas contas de Célio, são 25 títulos, “mais o de eleitor e o de cidadão miracemense”. E uma mágoa: não ter conseguido se firmar com a camisa da Seleção Brasileira.
Ele fez sua estreia num amistoso em 1992, sob o comando de Carlos Alberto Parreira, com derrota por 1 a 0 para o Uruguai, e não foi lembrado para disputar, em 1993, nem a Copa América nem as Eliminatórias. Voltou em 1995, já com Zagallo, na vitória por 2 a 1 sobre a Colômbia em Manaus, e teve suas principais chances em 1997.
Célio foi titular na derrota por 4 a 2 para a Noruega, num amistoso que revelou ao mundo o grandalhão Tore André Flo, e no Torneio da França, em que o Brasil empatou com França (1 a 1) e Itália (3 a 3), além de vencer a Inglaterra por um magro 1 a 0. Na Copa América, fez apenas uma partida, contra o México, mas perdeu a posição para Gonçalves, comemorou o título na reserva e nunca mais vestiu a amarelinha. Ele não acredita que o problema tenha sido deficiência técnica.
- Quem me tirou da Seleção Brasileira foram os próprios jogadores. Não foram os treinadores. Os jogadores tinham as panelas deles. Eles tinham os atletas escolhidos. A Seleção é carta marcada pelos próprios jogadores. Jogadores de futebol formam grupos, um aqui e outro ali, e não têm união - ataca.
O mesmo espírito crítico Célio reserva à organização da Copa do Mundo de 2014, que o deixa, reconhece, com um sentimento dúbio.
- Como torcedor, fico feliz pela realização da Copa do Mundo no Brasil. Agora, como cidadão, não posso aceitar. Um país que não tem saneamento básico, alimentação adequada, não tem saúde, gastando horrores, isso não posso aceitar. Nós precisamos de uma coisa momentânea ou uma coisa que vai durar para sempre?
Fonte: GloboEsporte.com