A principal cena da relação entre Tite e Ricardo Gomes não teve troca de olhares nem abraços. Hoje, às vésperas da decisão entre Corinthians e Vasco, pelas quartas de final da Copa Santander Libertadores, os técnicos podem se considerar amigos de fato.
A amizade se fortaleceu no hospital em que Ricardo estava internado, após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico, em agosto do ano passado. Tite ficou chocado com a situação de Gomes, sentiu a dor de seus familiares e decidiu visitá-lo quando o Timão foi ao Rio enfrentar o Fluminense, duas semanas depois, do acidente. Até então, haviam sido apenas “rivais” em campo, sem intimidade.
Por conta própria, num domingo de manhã, o corintiano deixou a concentração e pegou um táxi até o hospital, acompanhado do responsável pela logística do Corinthians. Já havia saído de São Paulo com a ideia na cabeça, sem avisar ninguém. O vascaíno estava na UTI – iria para o quarto no dia seguinte e receberia alta uma semana depois.
No encontro com os filhos de Gomes, Ana Carolina e Diego, Tite presenteou-os com um livro relacionado à fé, com uma dedicatória.
– Dei um abraço na família, na filha... E tenho na memória a expressão do filho dele quando voltou (do quarto da UTI). Estava radiante, o olho brilhava, ele dizia: “Eu levantei o pai, e o pai está andando. A gente segurou e o pai começou a andar”. Ele nem estava me vendo direito, mas eu fiquei feliz com a alegria dele. Deixei uma lembrança, uma mensagem...Ficou a marca do amor do filho com o pai. Aquilo foi lindo para caramba! – disse Tite ao LANCENET!.
O corintiano, no fim do Brasileirão, levou a melhor sobre o Vasco, que passou a ser comandado pelo auxiliar de Gomes, Cristovão Borges. Ambos tiveram novo contato por telefone, tempos depois. Sobraram elogios dos dois lados. E, mais importante, a amizade fortalecida.
– Fiz questão de falar com ele (Tite) pelo telefone. Liguei para agradecer. Batemos um bom papo. Falamos um pouco de futebol também. Liguei para agradecer, mas para parabenizar também pelo título brasileiro. Mas, agora, vai dar Cristovão – avisa Ricardo Gomes.
Nesta quarta, em São Januário, o respeito e os abraços ficarão por conta de Tite e Cristovão. Com a lembrança de que, acima do resultado da partida pela Libertadores, a maior vitória é o bem de Ricardo Gomes.
Bate-Bola com Tite
Técnico do Corinthians, em entrevista exclusiva ao LANCENET!
‘A gente faz o que gosta, mas tudo tem um ônus’
Como e quando exatamente você teve a ideia de visitar Ricardo Gomes, no hospital, no ano passado?
Eu não falei nada para ninguém. Eu falei com o Saulo (Magalhães, supervisor de logística do clube). “Conceda para mim o transporte até o hospital, quero dar um abraço na família do Ricardo, mostrar solidariedade”. Eu tinha tido contato com Ricardo como atleta. A gente jogou contra, ele era zagueiro do Fluminense naquele time de 1984, dirigido pelo (Carlos Alberto) Parreira, e eu, meia-atacante da Portuguesa. Tinha o enfrentado como técnico também (pelo Grêmio e Gomes pelo Juventude). Fomos eu e Dudu, responsável pela logística, no Rio, ele me levou até o hospital.
Ficou assustado com o acidente de Ricardo Gomes?
É um preço que a gente tem de pagar... Eu falei com Ricardo depois, ele me disse: “Mais um pouquinho vou estar de volta”. Eu disse que queria dar um abraço na beira do campo. A gente faz o que gosta, mas tudo tem seu ônus. Cuidar da vida tem um monte de gente que cuida, mas da saúde só a gente mesmo. Tem de se cuidar com atividade física, ter equilíbrio, tem muita exposição... Esporte trata de emoção, você é idolatrado, questionado, demitido. Encarar essas situações é um desafio nosso.
Você afirmou que o Vasco tinha alma e consistência, assim como o Corinthians. Isso vem de vocês?
Esse espírito vem da alma do clube, do torcedor, do presidente, do técnico também, além dos atletas. Cada um empresta uma parcela. São as pessoas que fazem, os funcionários. O pouco de cada um que contribui com o conjunto da obra.
Pretende falar com o Ricardo antes das quartas de final?
Melhor deixar quieto, agora não. Já conversei com ele antes, agora entra em campo. É momento de respeitar a situação. Ricardo vai estar trabalhando, incentivando o grupo. Tenho de respeitar. Da mesma forma, eu penso no Corinthians, na preparação, para esses dois confrontos. Agora é o momento de respeito de cada um também.
Bate-Bola com Ricardo Gomes
Em entrevista exclusiva ao LANCENET!
Como foi a visita de Tite?
Quando ele me visitou, eu ainda estava sedado. Quem o recebeu no hospital foi meu filho, o Diego. Depois, quando soube da visita, fiquei muito contente. Foi ótimo. No fim do ano, entrei em contato para agradecer, por telefone.
Ao que parece, vocês não eram amigos íntimos, mas sempre houve um grande respeito...
Sim, claro. Sempre houve um grande respeito, desde os tempos de Juventude e Grêmio, por exemplo, quando éramos treinadores no Sul. O Tite é uma grande pessoa, um grande profissional.
Mas, na quarta-feira, apesar de todo o carinho e respeito, é cada um para seu lado... Como fica a relação de amizade nesses casos?
Tite é um cara sensacional, mas, desta vez, não vou torcer nem um pouco por ele (risos).
Em alguns momentos, apesar de ele ter vencido até o Brasileirão, muitos contestaram seu trabalho no Corinthians...
Qual treinador não é contestado no Brasil? Ou melhor, qual treinador não é contestado no mundo? Ele tem feito um grande trabalho no Corinthians. Um grande adversário.
Com a palavra: Rodrigo Ernesto
Assessor de logística da Offside, conhecido como Dudu
Tite dizia que poderia ser com ele também
Eu tenho amizade com o Tite há um bom tempo. Ele me ligou alguns dias antes (no ano passado), e pediu para que eu visse qual o hospital em que o Ricardo estava. O mais incrível é que ele não era um amigo do Ricardo, mas se colocou no lugar dele, da família.
No carro, durante o trajeto do hotel para o hospital, ele dizia que era algo que poderia acontecer com ele, pelo nível de estresse que passam nesse meio. Ficou muito sentido, tem filhos, sensibilizou-se muito com aquilo.
Tite é assim, um cara muito humano. Eu me surpreendi, me destacou muito essa preocupação verdadeira dele, nada de mídia, sem avisar ninguém. Só avisei o Diego, filho do Ricardo, na hora em que chegamos ao hospital. Tite entregou um livro, era algo relacionado a fé, com uma dedicatória. Ficou por um breve momento, e acho que naquele dia saiu com sensação de dever cumprido com ele mesmo.
Ele mais se colocou no lugar do próprio Ricardo, sentiu como se fosse ele, ficou tocado pela família. Foi algo muito bonito.
Fonte: Lancenet