A busca pelo sonho de se tornar um ídolo do futebol é um sonho fracassado para 95 de cada 100 meninos que buscam uma chance no Vasco, segundo o próprio clube. A face mais cruel, no entanto, não é a frustração de um sonho: exaustos após treinos e competições, muitos adolescentes não frequentam o colégio particular que funciona no próprio clube, e o pior, segundo relatos dos próprios adolescentes aos promotores de Justiça: os estudantes são aprovados apesar das faltas.
“Os adolescentes contaram que muitos não frequentam as aulas porque chegam em São Januário, por volta das 13h30, exaustos do treino e não têm tempo para almoçar e tomar banho antes da aula. Um deles contou que ficou afastado da escola sem fazer provas, mas disse que foi aprovado no final do ano letivo. Isso é muito grave e precisa ser fiscalizado”, afirma a promotora Clisânger Ferreira Gonçalves Luzes, da Infância e Juventude.
Um atleta do Vasco que fez parte do time de juniores foi ouvido pelo O DIA ONLINE e confirmou os relatos de descaso com a educação. “É uma bagunça a escola. A cobrança não é como a de uma escola normal. Para passar de ano, é só ir à escola", contou o atleta de 20 anos, que, temendo represálias, pediu para não ser identificado.
Conforme O DIA ONLINE publicou, na última quarta-feira a Justiça determinou a suspensão das atividades no CT de Itaguaí - foi neste CT que o adolescente Wendel Silva, 14, passou mal em fevereiro.
Sem médico no local, Wendel morreu a caminho do hospital. Além de proibir as atividades no CT, inclusive a transferência do alojamento para Itaguaí, a Justiça determinou que o Vasco cumpra uma série de determinações, como melhoras no refeitório, alojamento e a substituição do ônibus usado pelos adolescentes, que não tem cinto de segurança. Determinou ainda que a Secretaria Estadual de Educação, que autorizou que o Vasco mantenha uma escola, seja oficiada para verificar a frequência e o “efetivo aproveitamento escolar dos adolescentes residentes na agremiação”.
A frustração dos garotos
“A grande maioria desses adolescentes sai de sua cidade como herói e volta como derrotados depois de ser dispensados. É importante que a passagem pelo clube não seja um ônus na vida profissional deste jovem. O direito à educação é um ponto fundamental e os clubes são responsáveis por isso. Alguns desses adolescentes que passam pelas categorias de base vão salvar suas famílias economicamente. Mas isso não justifica o prejuízo de uma grande maioria que não será aproveitada", afirma a promotora Ana Cristina Macedo.
Adolescentes entre baratas e moscas no refeitório
Baratas e moscas: era com esses insetos que os adolescentes da divisão de base do Vasco eram obrigados a disputar espaço para almoçar no refeitório de São Januário que foi interditado ontem após decisão da juíza Ivone Ferreira Caetano, da 1ª Vara da Infância, Juventude e do idoso.
“O refeitório era visivelmente sujo, insalubre. Os meninos relataram que havia baratas no local. Nós encontramos moscas sobre as frutas”, afirma a promotora Clisânger.
As imagens feitas pelos promotores e que foram incluídas no processo mostram que as panelas eram guardadas de forma inadequadas. Em estado precário, as panelas eram apoiadas em uma espécie de altura no chão uma sob a outra. Além da falta de higiene, a alimentação era inadequada. “Os adolescentes só podiam se servir com arroz e feijão. A carne era controlada pelos funcionários”, relata a promotora.
Em nota, a Secretaria estadual de Educação afirmou que o “ controle de frequência é de responsabilidade da direção da escola”.
O órgão afirma ainda que a escola tem acompanhamento realizado pela coordenação de Inspeção Escolar e que, até o momento, não viu indicadores de irregularidades. A secretaria prometeu, no entanto, fazer uma inspeção extraordinária nessa unidade.