Nos últimos 20 dias, Confederação Brasileira de Futebol (CBF) levou uma seleção sub-16 para a disputa da Copa Internacional do Mediterrâneo e convocou jogadores sub-15 (todos com 13 ou 14 anos de idade) para uma fase treinamentos visando o Sul-Americano da categoria, previsto para o fim de 2013. A preocupação com o desenvolvimento de futuros craques poderia ser o ponto principal, mas o fato de a maioria deles não ter contrato profissional com seus clubes desperta calafrios nos dirigentes, temerosos em perder suas promessas.
A legislação brasileira só permite que um jogador de futebol assine como profissional a partir dos 16 anos. Antes disso, eles podem ter um contrato de formação, que garante ao clube uma indenização pelos gastos com o jovem de 200 vezes os gastos comprovados com o atleta. Mas, para isso, devem ter um certificado de formador.
A burocracia é um obstáculo a mais na tentativa dos clubes em conseguir o retorno no investimento feito nas categorias de base. A CBF vai promover um simpósio entre os dias 25 e 27 deste mês, na Granja Comary, no qual a convocação de jogadores com 14 anos incompletos será discutida, pois eles ainda não possuem o contrato de formação.
- O assédio é sempre grande e não há proteção. As pessoas vão na família, fazem promessas, oferecem dinheiro, casa. Estamos tentando nos unir para evitar isso - disse Carlos Noval, responsável pelas categorias de base do Flamengo, que teve Caio Rangel na seleção sub-16. - O contrato dele foi assinado recentemente (apareceu no boletim da Ferj no dia 15 de março). Com ele, ainda foi tranquilo, mesmo voltando campeão sul-americano sub-15 (em dezembro de 2011). Primeiro, o garoto tem que querer jogar no Flamengo. Nós fazemos um plano de carreira. Aqui, não será mais um.
O Flamengo ainda conseguiu uma maior proteção com Caio, mas outros clubes tiveram que rezar muito antes da Copa do Mediterrâneo. Robert, do Fluminense, foi convocado sem ainda ter completado os 16 anos. Ele faz aniversário apenas no dia 28 de setembro. O clube não vê a hora de a data chegar. Mas, por enquanto, apenas o contrato de formação o protege.
- É um grande problema. Há muitos olheiros e empresários por lá. Um perigo eu diria. Não ficamos confortáveis vendo um jogador nosso sem contrato exposto dessa maneira. Mas, por outro lado, estamos de mãos atadas. Não temos o que fazer quando a CBF convoca. Para o garoto, vestir a camisa da Seleção é a realização de um sonho. Ele vai jogar em outro país, conhecer outra cultura, algo que só defendendo o clube é raro acontecer. Esperamos apenas que a CBF proteja os clubes. Nossa saída e única alternativa é conversar com o atleta, a família e confiar em ambos - disse Fernando Simone, gerente geral da base do Fluminense.
Capítulo mais recente dos dramas que os clubes vivem, o Vasco vem penando com Mosquito. Com contrato de formação resgitrado na Ferj, ele sequer vem treinando, pois negocia o seu primeiro como profissional. Assediado depois do sucesso no Sul-Americano Sub-15 de 2011, sua situação ficou ainda mais complicada e saiu das mãos dos responsáveis pelas categorias de base e foi parar nas mãos dos dirigentes do futebol profissional. O perigo é contaminar outros jovens.
- A primeira coisa que fazemos é tentar dar boas condições de formação e mostrar um projeto de crescimento. Mostramos que o futebol fora do país ou em outro estado não é um mar de rosas, que há uma série de barreiras, como a cultura, clima e alimentação. Nem todos vão se adaptar. Tem gente que vai direto nos pais, pois o menino não tem poder perante a lei de se manifestar. O percentual de jovens que dá certo e vai dar retorno ao clube é bem menos de 1%. Sempre se espera um Ronaldo, um Romário, um jogador de alto nível, mas eles ainda estão em formação. Já recebi meninos de fora que voltaram depois de três meses com saudade disso e daquilo - explicou Humberto Rocha, gerente da base do Vasco.
Apesar de o contrato de formação ser uma defesa dos clubes, existe a necessidade de a família do jogador concordar em assinar o documento. Nem sempre, existe essa disposição, pois alguns já possuem empresários mesmo antes dos 14 anos de idade. Existe uma reclamação pela dificuldade em receber os valores referentes aos recibos apresentados nesses casos. Além disso, existe uma divergência na questão de profissionalizar o jogador entre a legislação da Fifa e a brasileira. Para o exterior, vale apenas o compromisso de três anos. Pela Lei Pelé, esse período do primeiro contrato pode chegar a cinco anos.
- O contrato de formação está valendo desde 2010. Se eles forem certificados como clubes formadores, eu acho que estão protegidos. Bem mais do que estavam anteriormente. A relação contratual com um menino é difícil. Os clubes tem mais obrigações para se qualificarem como formadores. Há uma série de exigências - comentou o advogado Marcos Motta. - Às vezes, o clube recebe mais em uma rescisão de um contrato de formação do que de um contrato profissional.
As propostas tentadoras da Europa diminuíram consideravelmente na última temporada, mas ainda assim as cifras envolvendo a tentativa de tirar Neymar do Santos chamaram a atenção. O clube paulista já passou por isso com outras revelações, como Robinho, e agora vê Gabriel, que completa 16 anos no dia 30 de agosto, sendo assediado, apesar de sequer ter sido convocado para a seleção que disputou a Copa do Mediterrâneo. Matheus, que fez 16 anos no dia 10 de março, foi o representante do Santos na equipe, ainda sem contrato profissional.
- Acredito que exista um fascínio pelas categorias de base do Santos, pelo jeito de o time jogar, que ajuda a manter o garoto no clube. Começa pelo relacionamento com os pais e mostramos a eles a importância de terminar sua formação no clube. Claro que fica uma frustração quando você não consegue assinar o primeiro contrato profissional com um garoto que está no seu clube desde os nove anos - disse Luiz Fernando Moraes, gerente de futebol de base do Santos.
O drama dos clubes promete continuar. Durante este ano, a CBF deve fazer mais convocações para as seleções sub-17 e sub-15, já que a Conmebol promoverá em 2013 mais uma edição dos dois sul-americanos. Até lá, resta aos dirigentes negociar e, em alguns caso, rezar pela lealdade de meninos ainda em formação no futebol e na vida.