No fim de 2011, Pedrinho pegou as chuteiras empoeiradas no armário e, depois de dois anos de inatividade, anunciou a volta aos campos. Inicialmente, a ideia do meia era ter um retorno breve, e disputar apenas o Estadual em 2012, pelo Olaria. Porém, longe dos holofotes, no gramado do estádio da Rua Bariri, no subúrbio carioca, o meia, de 34 anos, reencontrou a alegria de jogar. Com a motivação em alta quatro meses após retornar às atividades, o jogador admitiu prolongar um pouco a carreira e adiar o adeus definitivo à bola.
- É, mudou um pouco (o planejamento), mas vamos aguardar, deixar acontecer, até o fim (do campeonato) a gente vê isso - afirmou com um sorriso no rosto, deixando no ar uma possível volta à disputa do Brasileirão.
No entanto, mesmo reafimando todo o seu amor ao Vasco, o meia praticamente descartou que seu futuro como jogador seja no Gigante da Colina. Pedrinho se disse representado pelos amigos Felipe e Juninho no clube, e ainda admitiu que não sabe se está à altura dos companheiros para receber uma festa de aposentadoria do clube cruz-maltino. Entretanto, nutre um fio de esperança de ser lembrado e tem até um adversário ideal que gostaria de enfrentar.
- Tem um jogo muito especial que eu não pude jogar, por conta de lesão, contra o Real Madrid, no Mundial em 1998. Então, seria esse - revelou.
Durante o bate-papo, o jogador também falou da sua rivalidade com o Flamengo, da maior proteção que os jogadores têm atualmente, da experiência em um time pequeno, além do seu ponto de vista sobre o fim dos campeonatos estaduais. Confira abaixo a entrevista completa do meia:
Por dois anos você foi ex-jogador, atuou no showbol. Porém, surpreendeu no Olaria. O que o motivou a retornar ao Carioca?
Eu tinha muita coisa a resolver comigo no futebol, mas não estava mais a fim, não estava bem psicologicamente. Então passei dois anos curtindo tudo o que eu podia curtir, não voltaria mais a jogar. Então, antes de viajar com a minha família para Disney, veio o convite do Zé (Luiz Moreira), que está de frente aqui no Olaria. Ele também é uma pessoa ligada ao Vasco. Também teve o Paulo Angione, Paulo Reis, pessoas que trabalharam comigo algum tempo atrás e me deram essa ideia. Aí eu viajei e fiquei pensando... As pessoas que estavam comigo também ficavam falando? “Joga, cara, joga, quem sabe não acontece de você jogar bem, com prazer.” E é o que tem acontecido. A visibilidade não é tanta, as pessoas não acompanham muito os jogos, mas se você conversar com o treinador, o auxiliar, diretoria, eles vão falar bem do meu desempenho, e isso gerou uma vontade de continuar jogando. Agora é aguardar e vamos ver o que vai acontecer.
Então seu planejamento não é encerrar de novo após o Estadual?
É, mudou um pouco, mas vamos aguardar, deixar acontecer, até o fim a gente vai ver isso.
Tem a esperança de voltar a jogar um Brasileirão?
Quem sabe? Vamos ver (sorriso no rosto)...
Você esteve agora na despedida do Edmundo em São Januário. Sonha com homenagem igual àquela do Vasco quando encerrar de fato a carreira?
Todo jogador que realmente tem um vínculo com um clube, uma história, sonha. Acho que a despedida do Edmundo e a apresentação do Juninho foram marcantes. Eu não sei se estou à altura deles para ter uma festa desse nível, com tantas honras. Mas uma lembrança é sempre importante, não só para mim, mas para outros jogadores que tiveram uma história bonita no Vasco.
Quando vê o Felipe e o Juninho lá hoje, os dois da sua época, não dá vontade se juntar a eles?
Não. Eu fico muito realizado de ter jogadores que jogaram comigo, principalmente o Felipe, que é o meu irmão, lá. Eu me sinto bem representado e feliz. Com eles lá, a gente se sente representado, então a minha alegria é muito grande por isso.
Então a ideia de voltar para o Vasco não passa mais pela sua cabeça?
Não, acho que não, vamos ver... Mas acho que só de outra forma. Como jogador, não. De repente depois, de outra forma.
Em uma possível despedida no Vasco, quais os jogadores seriam imprescindíveis na sua festa?
Ah, tem grandes pessoas. Felipe, Juninho, Luizinho, Carlos Germano, Romário, Edmundo, são muitos. Quase todos praticamente. Claro que para uma despedida não seria viável todo mundo.
E teria algum adversário especial que gostaria de enfrentar?
Olha, tem um jogo muito especial que eu não pude jogar, por conta de lesão, que é contra o Real Madrid, no Mundial em 1998. Então seria esse.
Pelo menos no seu início, você tinha um estilo de partir para cima do adversário. Como vê o surgimento de jogadores dribladores como Neymar, Lucas? Teme que eles sofram lesões graves como a sua?
Hoje, apesar de ter ainda muitas entradas duras, cada vez mais os árbitros têm coibido a violência no campo. Até mesmo a própria TV pega todos os lances da partida, têm muitas câmeras. É diferente da minha época, que a gente tomava várias entradas fortes fora do lance e ninguém via, por exemplo.
Então, pode-se dizer que hoje é mais fácil ter esse estilo driblador?
É sim. Pouca coisa passa despercebida hoje em dia. Até mesmo quando alguém se machuca mais sério, às vezes pega uma suspensão e o jogador ficar fora o mesmo tempo. É diferente.
Como bom vascaíno, como era para você enfrentar o Flamengo?
A minha rivalidade com o Flamengo existe desde pequeno, quando eu jogava futsal ainda pelo clube. Eu aprendi a amar o Vasco, e levei isso para a vida inteira. Quando enfrentava o Flamengo levava esse sentimento, e por isso era sempre mais especial, tinha uma motivação maior.
Arrepende-se daquele episódio das embaixadinhas no clássico?
É difícil as pessoas analisarem o lance quando eu digo que não foi de forma proposital e falarem que eu não tive a intenção, por conta da rivalidade. Mas dominei, ela subiu, e eu fiz as embaixadinhas de forma progressiva, não fiz para provocar e causar tumulto.
Após ter passado por diversos times grandes, como está sendo essa experiência em um time pequeno?
A desigualdade é muito grande. Em termos de tudo. Acho que todos os times pequenos do Rio não têm uma torcida grande, com isso diminui a intenção de investidores de ter um vínculo com o clube. É difícil arrecadar, ter verba. O esforço de todos para ter condições de treinamento é muito grande, o Zé Luiz tenta dar tudo do bom e do melhor, mas a dificuldade é muito grande. A gente vê que existe uma diferença, é muito desigual. É diferente do Campeonato Paulista, onde a maioria dos pequenos é do interior, e os clubes agregam muitas empresas, conseguem fazer times competitivos, você vê a dificuldade que um grande tem para jogar contra um time pequeno. Aqui é uma hora ou outra que um pequeno belisca, mas lá é normal. Então eu vejo que o grande tinha que atropelar sempre o pequeno. Hoje vejo isso. Mas quando a gente está em um clube grande não tem essa noção exata de como são as dificuldades de um time pequeno.
Há quem sugira o fim dos estaduais. Qual a sua opinião sobre o assunto?
Até entendo a opinião de muitos que querem acabar com os Estaduais. Com esse calendário, em termos de programação para os times grandes, o ideal seria que isso acontecesse. Mas infelizmente, ou felizmente, isso não pode acontecer. Porque os clubes pequenos precisam sobreviver, muitos atletas que não têm espaço em time grande vão para times pequenos, e a hora de ele aparecer é no Estadual. Então eu acho que é importante, necessário, de repente arrumar uma fórmula ainda mais curta do que já é, para que esses jogadores também tenham a oportunidade de aparecer e de um dia estar em um time grande. Mesmo com todas as dificuldades dos times pequenos, eles têm uma história. O Olaria tem uma história. Grandes jogadores já passaram por aqui como o Romário, Garrincha, enfim. O Bangu também já fez grandes times. Então eu acho que não pode acabar com os times pequenos, terminar com o Carioca. Tem é que os investidores acreditarem, apostarem nos pequenos, para que o Estadual seja mais competitivo. Trazer empresas, patrocínios, para pagar melhor os atletas, ter atletas de melhor nível, que aí consequentemente os times vão estar mais fortalecidos, a competição vai ser melhor, e ninguém vai querer que acabe.
E hoje, já perto do fim, qual avaliação faz da sua carreira?
Existem vários sentidos e várias análises. Eu fico com a sensação de que podia ter ido muito mais longe do que eu fui. Mas ao mesmo tempo consegui tudo que, de repente, um jogador com tantas lesões não conseguiria. Então sou grato o tempo inteiro por ter conseguido jogar em grandes clubes, ir para a Seleção, mesmo com todas as lesões, ganhar muitos títulos importantes, jogar muito tempo no meu clube de coração e lá realizar muitos sonhos, ter uma família maravilhosa, conseguir me estabilizar financeiramente... Mesmo com todos os pesares, só tenho que agradecer. Mas, claro, ficou aquela sensação de até onde eu poderia ter ido se não tivesse a lesão. Sou ser humano, às vezes choro quando lembro, fico triste por ter me machucado, mas ao mesmo tempo já vem aquela sensação de que está bom, de que mesmo assim sou um vitorioso.
Mas a principal lesão, a que ninguém esquece, foi no jogo contra o Cruzeiro. O Jean Elias foi realmente para machucá-lo?
Minha visão sobre o lance continua sendo a mesma daquela época, já logo após o acidente, depois de ver os lances. Continuo com a mesma opinião de que ele foi na bola, só que ele era muito forte. Acabou que depois houve um choque e o trauma. Acho que, de repente, ele usou uma força exagerada, mas se você pegar todas as entrevistas que dei na época, eu disse que ele não tinha ido de maldade e que ele era muito mais forte do que eu, então fiquei bem tranquilo em relação à atitude do Jean. De forma alguma eu o critiquei, até porque sei que para ele seria bem difícil. Eu era um jovem surgindo na Seleção, e a cobrança sobre ele seria muito forte. Sei pelo lance que ele não usou de maldade.
O Jean Elias disse que sofreu consequências pesadas por conta do lance, a ponto de até hoje, 14 anos depois, ainda ser chamado de “assassino” e lembrado como “o cara que quebrou o Pedrinho”. Como você vê esse estigma?
É uma marca muito negativa. Até porque, como falei, ele não teve a intenção de me machucar no lance. Acidentes acontecem, mas infelizmente aconteceu de uma forma que tinha muita visibilidade, porque eu era um jovem, surgindo com outro talento que era o Felipe, acabado de ser convocado para Seleção Brasileira, tinha 19 anos. O centro das atenções, principalmente no Rio de Janeiro, era aquele lado esquerdo do Vasco. A lesão foi dois dias depois da convocação também, então tudo contribuiu para marcar tanto para mim quanto para ele. É ruim ouvir muitas coisas, eu também ouvi bastante por conta das lesões, com relação ao meu estado físico, e eu imagino que tenha sido bastante difícil para ele ouvir as coisas que ele ouviu. Mas o importante é ele estar tranquilo com sua consciência, como eu estou com a minha, porque a nossa própria consciência é o maior juiz que existe.
O Jean também disse que jogou duas vezes contra você depois do lance, mas nunca falou contigo porque ficava constrangido, tinha vergonha. Sabia disso?
Não sabia. Eu lembro de um jogo quando eu estava no Palmeiras, ele pelo América-MG, e nos cruzamos assim no campo. Esperava que ele falasse comigo, tanto que eu fiquei olhando para ele, e ele passou batido. Eu achei até estranho, pensei: "Pô, será que esse cara é ruim...?". Acabei pensando uma coisa errada sobre ele, mas não sabia que tinha vergonha. Acho que não tem que ter vergonha, se tivermos a oportunidade de nos encontrarmos vai ser bem tranquilo. É lógico que existe uma emoção toda vez que se toca nesse assunto porque muitas coisas aconteceram por causa desse acidente, então pode haver uma emoção da minha parte, ou da parte dele, o que é natural. Mas mágoa, nenhuma.
Até por tê-lo impedido de conseguir uma sequência na Seleção, acredita que aquele tenha sido o momento mais triste da sua carreira?
Eu ainda cheguei a ser convocado depois para um ou dois jogos nas eliminatórias. E para aquele jogo do Haiti. Mas realmente interrompeu uma sequência que eu poderia ter na Seleção, uma história, até porque já vinha direto nas seleções de base em todas as convocações. Tive dois momentos muito tristes na minha vida. O primeiro foi esse mesmo em 98, por conta dessa lesão, e depois em 2008, com a queda do Vasco, que eu não tive a oportunidade de jogar. Cair com o clube do meu coração foi bastante triste.