Aos 40 anos, Edmundo está um pouco diferente. A inquietação que moveu sua carreira está ali, mas a experiência trouxe um tom mais reflexivo. As respostas são longas, contextualizadas. É o Animal em versão mais polida. Mas, especialmente ao falar do Vasco, ainda tem a paixão que encantou a torcida e o tornou um dos maiores ídolos da História do clube. E essa relação terá um capítulo muito especial nesta quarta-feira, quando ele subir ao campo de São Januário para sua despedida com a camisa cruz-maltina, às 19h30, contra o Barcelona (EQU) com transmissão do LANCENET! em tempo real.
Em um futebol com relações cada vez mais frágeis, de emoções fabricadas, forçadas, a de Edmundo com a torcida do Vasco salta aos olhos. Não dá para duvidar quando ele diz que se emocionará. Diante de cinco repórteres, seus olhos marejaram ao falar do evento desta quarta-feira.
Ele já defendeu o arquirrival, cantou rap com Romário com a camisa do Flamengo e foi mais longe: mostrou os genitais para os vascaínos no Maracanã. Nada disso, no entanto, abalou essa relação:
– Eles sempre lembraram das coisas boas e esqueceram das ruins. Esse é o meu maior presente.
Qual o sentimento que surge ao pensar neste jogo de despedida pelo Vasco?
É um evento particular com a torcida, que eu preciso, e espero que ela entenda essa importância. Quero estádio cheio, claro que vou me emocionar. No início vou tentar manter a concentração, mas uma hora vou chorar. Eu preciso receber novamente esse carinho, esse respeito, essa admiração, de uma forma positiva. Meu último jogo foi muito negativo (a derrota para o Vitória, na última rodada do Brasileiro de 2009, que resultou no rebaixamento para a Série B). Estou tendo a oportunidade de mudar isso.
Mas você acabou saindo magoado do Vasco...
Tinha contrato até janeiro e falaram que eu não precisava voltar para a pré-temporada. Fiquei chateado. Acabamos indo eu pra um lado e o Vasco (o Roberto, né?), para outro. Eu tinha medo que acontecesse comigo a mesma rejeição que já houve até com o Roberto (quanto rompeu com Eurico). Pensava: ‘Em vez de me expôr, vou para a praia’ (risos). Mas nos reaproximamos no ano passado, após o título da Copa do Brasil, e surgiu a ideia da despedida. É legal porque me tornei ídolo por coisas boas, saí em um momento muito ruim, e outra coisa boa proporcionou este momento hoje.
Eurico é uma figura polêmica, que já lha chamou até de filho. Como é sua relação com ele?
Tenho uma relação ótima com ele, mas ele ficou muito centralizador durante um bom período. E acho que não cabe mais hoje no mundo em que a gente vive. Acho que hoje você tem de delegar funções, abrir espaço para o progresso, para a modernidade e acho que ele não fez isso. A questão de proibir acesso de meios de comunicação a São Januário, por exemplo (O LANCE! sofreu represália por 272 dias entre 2007 e 2008). Isso vai criando um ranço, uma mágoa com a instituição.
E sua relação em geral com a torcida vascaína? De onde vem tamanha identificação?
Acho que o principal é eu sempre ter feito as coisas com muita dedicação. O futebol é paixão total. Não gosto de falar isso, mas é real, o Romário jogou muito mais que eu, deu mais títulos ao Vasco do que eu, fez o milésimo gol e a torcida vê e entende diferente. Não estou me comparando. Eu compararia até isso em relação ao Felipe e ao Juninho. São dois ídolos, dois craques. Uma grande parte (da torcida) gosta do Felipe, uma outra parte desconfia. O Juninho, não, todo mundo gosta. E, para falar a verdade, eu acho o Felipe mais jogador que o Juninho. Não tem muita lógica.
Você costuma dizer que não é de remoer o passado. Mas, diante desse momento emocional, chegou a fazer balanço da carreira?
Olhando para o filme todo da minha vida e com 40 anos – porque com 40 é muito mais fácil do que com 20 –, algumas coisas eu não teria feito. Trocar de time, sabe? Voltar da Europa, por exemplo. Hoje eu vejo a idolatria que as pessoas têm com o Marcos, Ceni... Financeiramente, não, mas talvez tivesse sido legal para caramba ter jogado só em um time, sabe? Fica eternizado ali. Mas na hora que fiz, achei que estava certo. Não me arrependo.
A decisão de jogar pelo Flamengo seria repensada?
Se eu pudesse voltar atrás, talvez sim. Mas na época eu não tinha nem essa noção, sabia? Não sei se eu não tinha noção ou se a rivalidade não era tão acirrada. Porque eu joguei um ano no Vasco, fui para o Palmeiras. Eu nunca tive, como não tenho até hoje, raiva, ojeriza, mágoa, nada, nada do Flamengo. A situação era a seguinte: o Palmeiras ganhou tudo em 93 e 94, todo mundo era vendido, menos eu. Eles sempre me davam um cala boca. Na hora de renovar, pedi bem mais do que merecia. Quando estava no auge, apareceu só time de ponta, não que o Flamengo não seja de ponta. O Palmeiras estava mal, e ainda coincidiu com a chegada do Romário, que queria que eu fosse para lá... O Flamengo pagou o que eu queria, pagou também ao Palmeiras. A vida às vezes caminha desta forma.
Seria presidente do Vasco?
Não me vejo preparado para isso. Estou bem na transição para a TV (é comentarista da Band). Até a Copa vou seguir no projeto. Depois vejo o que fazer da vida. Mas tudo que fizer, seja treinador, dirigente, quero me preparar.
E sobre Seleção Brasileira? Ficou alguma frustração?
Em 98 teve toda aquela história com o problema do Ronaldo e mal joguei, mas lamento mais pela Copa de 94. Fui em todas as convocações, mas aí errei. Fui xingar o Luxemburgo (pelo Palmeiras) quando fui substituído contra o São Paulo. Ele me afastou, e por estar afastado não fui na penúltima convocação antes da Copa. Ronaldo e Viola aproveitaram a chance. Gostaria de ter sido campeão do mundo. Acho que joguei melhor do que alguns que foram. Assim como o Zico merecia ter sido campeão do mundo.
Consegue definir o dia mais importante de sua carreira?
O 26 de janeiro de 92, minha estreia contra o Corinthians. No ano anterior, estava desanimado nos juniores, era banco. Não tinha dinheiro para ir a todos os treinos. Antônio Lopes me viu num jogo e me puxou. Passei a treinar com os profissionais e jogar pelos juniores. Isso me deu um gás. Aí o Lopes saiu e eu fiquei preocupado. Entrou o Nelsinho (Rosa). Mas o Bismarck foi para seleção olímpica, o Willian estava sem contrato, o Geovani machucado. Aí pintou a chance...
Se pudesse escolher um jogo para eternizar, qual seria?
Do fundo do coração, não consigo escolher um. Mas, lógico, o que faz a gente ter destaque são os grandes clássicos. Claro que ia dizer o Vasco 4x1 Flamengo, que eu fiz três gols. Mas o que mais guardo são os amigos, a vivência com os companheiros. Treinei esses dias no Vasco e fui muito bem recebido. Entrei no vestiário, reencontrei pessoas, e voltou tudo. Todas as emoções dentro de mim. Quero o torcedor do Vasco comigo para compartilhar isso.
Fonte: Lancenet