A experiência de um homem não se conta pela idade que tem, mas pelo quanto vivenciou, conheceu, sofreu e se alegrou. Bem diga Jorginho Paulista, que tem 32 anos, mas seriam muitos mais levando-se em consideração quantas histórias, de glórias e tormentas, engraçadas e tristes, tem para contar. Um navegador de muitos mares que aportou por pouco mais de um mês em Itajaí (SC), onde só jogou uma partida pelo Marinheiro, como é conhecido o Marcílio Dias-SC. A estadia foi muito curta, ele teve o contrato rescindido ainda em fevereiro, mas o lateral-esquerdo, que já teve seus dias de maré para muito peixe no Vasco, em 2000 e 2001, sonha avistar novamente terras mais abastadas. Não com a obsessão de um capitão Ahab na cega busca pela Moby Dick que um dia lhe arrancara uma perna, mas - promete - com a obstinação de quem não se dá por vencido.
A história de glórias para Jorginho Paulista começou aos 17 anos, idade em que conquistou seu primeiro grande título: o campeonato mundial sub-17 pela Seleção Brasileira, em 1997, num time que tinha, entre outros, o goleiro Fábio, do Cruzeiro, e Ronaldinho Gaúcho, hoje astro do Flamengo. Naquela competição, disputada no Egito, o lateral-esquerdo fez dois gols na primeira fase: nas vitórias sobre os Estados Unidos, por 3 a 0, e Omã, por 3 a 1.
No entanto, já profissional, foi na nau vascaína de 2000 e início de 2001, quando foi campeão da Copa Mercosul e brasileiro (Copa João Havelange), que Jorginho Paulista teve as suas maiores alegrias no futebol - ele cita também o fato de ter jogado ao lado de Valdo, no Botafogo, na campanha da Série B do Brasileiro em 2003, e de Silas, no Atlético-PR, em 2001.
- Estar dentro de um vestiário, com 20 anos, e tendo ao seu lado grandes campeões, como Junior Baiano, Mauro Galvão, Jorginho, que foi treinador do Figueirense no ano passado, Romário, Juninho Pernambucano, Pedrinho, Mazinho, que agora tem dois filhos no Barcelona, é motivo de orgulho para qualquer um. E ir para a Seleção com Felipão, o Antonio Lopes estava na CBF na época, e eu estava entre os escolhidos em 2000, 2001. Fui convocado em 2001, mas me lesionei e não pude me apresentar. Foi logo depois da Libertadores - relembra.
As histórias daquela época são muitas. Ele, com apenas 20 anos, no meio de feras como Romário, Viola e companhia limitada, viu coisas que jamais imaginara até então.
- Nós nos concentrávamos no Othon, em Copacabana, um hotel com um fluxo muito grande de turistas. O Vasco tinha um andar inteiro e mais a cobertura, que era do Romário. E ele não tinha obrigação de se concentrar, mas para não fugir tinha um lugar para ficar, e fazia festas com amigos e amigas dele lá. Alguns jogadores participavam às vezes, mas eu não, era muito novo, eles não misturavam - conta Jorginho.
Apesar de não ter participado das farras do Baixinho, outra fera do grupo vascaíno da época aprontou uma com Jorginho, inesquecível:
- Uma vez o Viola - a gente ia jogar no dia seguinte, não me lembro contra quem, era pelo Campeonato Carioca, mas não era clássico - me levou para a Unidos da Tijuca, que já tinha tido enredo sobre o Vasco (em 1998), e o ensaio era num sábado. Eu, com 20 anos, fui na ideia. Já era campeão da João Havelange, foi na Taça Guanabara de 2001, na época de começar o carnaval. O Viola falou: "Vamos comigo". E eu disse: "Não vou, estou começando agora, não posso ir". Aí ele: "Se você não for, vou falar para todo mundo que você foi, aí vai ser pior". Fomos e chegamos pela entrada dos funcionários do hotel. Chegamos às 4h, nem tomei o café da manhã, acordei direto para o almoço e ainda ganhamos o jogo, em São Januário.
Apesar da farra, Jorginho revela que ficou tenso:
- Eu fiquei com muito medo de ser pego. Já tinha saído quando era juvenil, de treinar e sair à noite, mas no profissinoal, em time grande, foi complicado pela situação de alguém me pegar. O Isaías era o supervisor na época, ele gostava muito de mim, e não sei se ficou sabendo ou se deixou passar.
Ele faz uma comparação entre a época em que estava começando e os jovens jogadores atuais:
- Hoje, com 17 anos, o cara, mesmo garoto que não ganhou nada, já quer mandar. Eu tinha de fazer tudo o que me mandavam fazer. A mentalidade era outra, eu ficava pianinho. Jogador novo tinha de ficar no seu cantinho, ainda mais no Vasco. No vestiário era só cobra, só jogador consagrado, que às vezes nem era convocado para o jogo, mas que mandava no vestiário.
No entanto, um fato mais recente no clube da Cruz de Malta o decepcionou muito:
- Hoje nem sei se posso entrar lá, se me veem como um inimigo lá. Para mim é até difícil falar sobre isso. Tenho moradia fixa no Rio de Janeiro hoje, e pedi para ficar treinando lá, mas tive o bloqueio de uma pessoa que prefiro não dizer o nome, em 2010, quando voltei do La Coruña (onde fez a pré-temporada e acabou não permanecendo). Seria custo zero para o Vasco, ficaria só treinando. E estava ali, de repente poderiam até me aproveitar, um jogador que tem uma história no clube. Mesmo que eu não ficasse, mas podiam me indicar para outro clube.
Na Argentina, em meio ao panelaço
As boas atuações no Vasco levaram o lateral-esquerdo a ser contratado pelo Boca Juniors, que havia eliminado o clube carioca na Libertadores de 2001. E em Buenos Aires, ele viu de perto um momento histórico do país vizinho, quando o povo argentino reagiu com uma gigantesca manifestação contra as medidas econômicas tomadas pelo então ministro da Economia, Domingo Cavallo, para tentar aplacar a recessão. Os protestos fizeram Cavallo pedir demissão 20 dias após assumir o Ministério, em 19 de dezembro. No mesmo dia, o presidente Fernando de la Rúa anunciou estado de sítio no país e no seguinte também renunciou ao cargo.
- Vi o panelaço, levei um susto danado. Estava dentro do meu apartamento, quando de repente ouvi meu vizinho de porta sair para bater panela. Eu morava na mesma rua do ministro Cavallo, da Economia. E a população foi toda para lá, ficava no bairro Recoleta, a manifestação foi toda lá. Peguei aquele momento todo - contou, revelando em seguida que teve de deixar o Boca por causa da desvalorização do peso (US$ 1,00 passou a valer 4 pesos), já que seus salários quadriplicaram em virtude de estarem redigidos em dólar no contrato.
Da Argentina, Jorginho Paulista traz boas lembranças. Ele ficou no país vizinho de junho de 2001 a maio de 2002 e foi vice mundial (ficou no banco na vitória do Bayern de Munique, por 1 a 0) e terceiro colocado no torneio Apertura (abertura) do Campeonato Argentino. De lá veio para o Cruzeiro, que acabara de negociar Sorín com o Lazio-ITA.
O início no Palmeiras e na Europa
Com a experiência de quem foi para a Europa muito cedo, aos 18 anos - para o PSV Eindhoven-HOL -, e depois se transferiu para o Udinese-ITA, ele compara a mentalidade de dirigentes, treinadores e jogadores do Velho Mundo com os daqui.
- Comecei no Palmeiras com 17 anos, fui campeão mundial sub-17 pela Seleção e o Felipão me subiu. O próprio Felipão está lá, e eu podia ajudar o Palmeiras, que tem problema na lateral esquerda. Eu cresci, e minha base foi toda lá. Mas há muito tempo não me veem jogar, e também não dão oportunidade de mostrar. Não passei por esses times grandes porque sou bonito, eu tinha condições, mas aqui não dão as condições que na Europa muitos clubes dão. Há vários times grandes lá com muitos africanos treinando. No La Coruña eu tive essa possibilidade - analisou o lateral, que teve uma passagem conturbada pelo Udinese:
- O presidende fez o meu passaporte e me inscreveu na Federação Italiana como comunitário. Então fui suspenso na época por quatro anos, sem poder entrar na Itália. Foi então que fui emprestado para outros times de 1999 a 2004 (Atlético-PR, em 2000; Boca Juniors, em 2001; Cruzeiro, em 2002; São Paulo, em 2002 e 2003, e Botafogo, em 2003 e 2004). Hoje estou totalmente liberado para atuar na Itália.
Muitos mares navegados
A maré baixa dos últimos anos fez Jorginho Paulista pensar no seu horizonte. Com tanta experiência acumulada dentro e fora do campo, o jogador se deu conta de que a carreira dura pouco tempo:
- O futebol é muito dinâmico, as coisas são passageiras. Mas houve pessoas também que me deram um foco quando as coisas não estavam dando certo. Então, em 2009, nas férias, fui estudar nos Estados Unidos, passei 45 dias em San Diego, Califórnia, para estudar inglês, não fiquei parado. Tive o exemplo de muitos jogadores que entram em depressão, fiquei sabendo há pouco tempo que um conhecido meu, o Regis Pittbull (atacante, ex-Ponte Preta, Vasco e Corinthians), está na dependência de drogas, em depressão. Então, foi bom para mim, para eu crescer como pessoa. E o futebol dá essa possibilidade, não só financeira, de ter essas coisas.
Desde que deixou o Vasco, na sua segunda passagem pelo clube, em 2006, Jorginho Paulista deu quase uma volta ao mundo em mais de dois mil dias (cinco anos e meio). Passou por terras muito distantes, como Cuernavaca, cidade turística que fica próxima à Cidade do México, para jogar no Pumas Morelos, time que pertence ao Pumas Unam, da capital, em 2006; Salt Lake City (EUA), em 2007, para atuar no Real Salt Lake; Tianjin, no Nordeste da China, para defender o Tianjin Teda, em 2008, e Zagreb, Croácia, onde fez apenas seis jogos em 2011 pelo NK Lucko, seu último clube antes de retornar ao Brasil.
Nesse período, o lateral-esquerdo também peregrinou pelo interior brasileiro: Paulista-SP, de Jundiaí (SP), em 2007; Bragantino, de Bragança Paulista (SP), em 2008; Campinense, de Campina Grande (PB), em 2009, e Ceilândia, da cidade-satélite de mesmo nome no Distrito Federal, no ano passado. No início de 2011, Jorginho chegou a treinar no Duque de Caxias-RJ para jogar o Campeonato Carioca e a Série B do Brasileiro, mas anteviu um naufrágio para o time fluminense e partiu para o Planalto Central. O Duque acabaria rebaixado para a Série C com uma campanha na Segundona de duas vitórias, 11 empates e 25 derrotas.
- Tive uma proposta melhor financeiramente do Ceilândia. No Duque eu vi que não seria uma coisa profissional boa para mim.
Depois de jogar na Croácia de julho a setembro passados, embora tivesse vínculo até junho de 2013, Jorginho rescindiu seu contrato e foi pegar bons ventos no Timão, que se sagraria campeão brasileiro pouco tempo depois, e ver se acertava seu norte.
- Estive treinando no Corinthians para manter a forma, quando ele já era líder do Campeonato Brasileiro. Aí acertei com o Marcílio Dias, em janeiro, por intermédio do Jamelli, que era o treinador, e do irmão dele, Calucho Jamelli, que era dirigente do clube. Eu e Calucho jogamos futsal juntos na GM, em 1995, 96 - disse o lateral, que assim como o técnico, não teve vida longa no clube catarinense.
- Como o time está mal, e o treinador que me trouxe saiu, acabaram rescindindo meu contrato.
Apesar da intempérie logo no início da temporada, ele já pensa nas águas pelas quais deseja navegar em 2012:
- Vejo jogadores que não atuam, que tiveram um patamar lá em cima, que eu tinha possibilidades de alcançar isso também. Perdi o ápice, passou, agora tenho de correr atrás. Meu objetivo é jogar no segundo semestre num time de Série A ou B do Brasileiro, ou mesmo de fora, do Japão. Mesmo jogando em times pequenos, em divisões de baixo, no Leste Europeu, em Brasília, estou em atividade. E jogo na lateral esquerda, que é uma posição carente no futebol brasileiro hoje em dia. Eu me vejo em nível alto ainda.