Ricardo Teixeira teve apoio de Eurico no início de sua gestão na CBF
Quando Ricardo Terra Teixeira assumiu a CBF não havia Google, ninguém postava no Facebook, não existia Twitter. Não havia Globo.com. A internet engatinhava. Os telefones celulares eram uma novidade em forma de tijolo eletrônico, que só existiam na Europa, nos Estados Unidos e no Japão. O Muro de Berlim ainda não havia caído. O presidente do Brasil se chamava José Sarney e tinha sido eleito de forma indireta. No dia em que Teixeira foi eleito, 16 de janeiro de 1989, o Brasil mudou de moeda: trocou o cruzado pelo "cruzado novo" - na esteira de uma inflação galopante. O real só nasceria cinco anos depois. Nos 23 anos da era Teixeira, o Brasil teve seis eleições presidenciais diretas, um impeachment e seis presidentes diferentes.
O Brasil de 1989 era tricampeão do mundo e tinha uma das piores organizações esportivas do planeta. O poder na CBF era disputado pelas federações e cada eleição trazia uma história de compra de votos diferente. Apoiado pelo então presidente da Fifa, João Havelange, Teixeira derrotou Nabi Abi Chedid num pleito até tranquilo. Por duas décadas comandou o futebol brasileiro. Sua gestão foi marcada por títulos, pela evolução administrativa da entidade, pelo estabelecimento de um calendário racional no futebol brasileiro e por acusações e polêmicas.
Seleção de volta aos títulos e mudanças no calendário
O mineiro Teixeira saiu do mercado financeiro, deixando sua empresa - a Minas Investimentos. Aos 41 anos, começou sua gestão criando a Copa do Brasil - uma competição eliminatória que rapidamente caiu no gosto popular. Na Seleção, se escorou num velho conhecido: o então vice de futebol do Vasco, Eurico Miranda, seu colega de colégio, foi escalado como diretor. Com Eurico, Teixeira ganhou a Copa América de 1989, primeiro título do Brasil na competição desde 1949. Mas, no ano seguinte, o sucesso não se repetiu. Com uma Seleção confusa, marcada por desavença entre os jogadores, o Brasil fracassou na Copa de 1990.
Em campo, a era Teixeira foi um período vitorioso - com dois títulos mundiais (1994 e 2002), um vice (1998), quatro Copas América (1989, 1997, 2003 e 2007), duas Copas das Confederações (2005 e 2009) e seis títulos mundiais nas divisões de bases (três no sub-17, três no sub-20). Na chegada dos campeões de 1994, a Receita Federal atrasou o desembarque dos jogadores alegando que a delegação não queria passar pela fiscalização alfandegária. Teixeira foi acusado de importar ilegalmente material para um de seus restaurantes num processo que durou 17 anos - e no qual o dirigente foi absolvido.
A derrota na final da Copa de 1998 abriu o período mais tenso de Teixeira na CBF. O congresso instaurou duas investigações parlamentares sobre o futebol brasileiro: a CPI da CBF-Nike, na Câmara Federal; e a CPI do Futebol no Senado. A primeira não teve seu relatório final aprovado. A segunda, porém, aprovou seu relatório pedindo 27 indiciamentos de Teixeira - por 13 crimes diferentes (evasão de divisas e lavagem de dinheiro, entre outros). A Justiça o absolveu de todas as acusações.
Fora de campo, a pressão sobre a CBF desgastou o Campeonato Brasileiro - que se perdeu em confusões jurídicas. Entre 1996 e 2000, o regulamento foi rasgado duas vezes. Na primeira, o chefe da Comissão de Arbitragem da CBF, Ivens Mendes, foi acusado de corrupção - o que justificou a anulação do rebaixamento de alguns times. Na segunda, a confusão foi ainda maior - implodindo judicialmente o Campeonato Brasileiro e produzindo em 2000 a Copa João Havelange, um torneio com 116 times que só terminou em 2001.
O dirigente respondeu com sua mais preciosa arma: a Seleção. Apostou em Ronaldo, Rivaldo e Luiz Felipe Scolari para ganhar o Mundial de 2002 - no Japão e na Coreia do Sul. E deu certo. A vitória fez os campeões serem recebidos pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso no Palácio do Planalto (com direito a cambalhota de Vampeta na rampa) - e neutralizou a pressão popular sobre a CBF.
Com moral renovado, o dirigente retomou as rédeas do futebol brasileiro e resolveu apostar num novo modelo. A partir de 2003 apostou na implantação dos pontos corridos no Brasileirão - e num calendário que reduziu os estaduais para quatro meses -, deixando oito para o principal campeonato. Fora de campo, a valorização do produto Seleção foi mais explorado - com contratos vultuosos para a CBF. O campeonato por pontos corridos se consolidou e trouxe efeitos benéficos para os clubes.
Em 2006 convenceu as federações a estenderem seu futuro mandato até 2014 caso o Brasil conquistasse o direito de sediar a Copa de 2014. Com boas relações com o governo Lula e com a Fifa, aproveitou o rodízio entre continentes e planejou uma candidatura única para a Copa, que, em 2007 foi vitoriosa, depois de uma campanha liderada por ele.
Teixeira em 1989, quando assumiu a CBF: fim de uma era de 23 anos no poder
CBF passa a ser lucrativa
Quando Teixeira assumiu, a CBF tinha apenas dois patrocinadores (incluindo o fornecedor de camisas). Nos seus dez primeiros anos de gestão, apesar de bons contratos, a entidade sofreu prejuízos. A partir de 2003, segundo os balanços da entidade, a CBF passou a dar lucro. E trabalhou no azul desde então, a não ser em 2006. No ano passado, o lucro da entidade foi de R$ 83 milhões. Atualmente, dez marcas são exibidas no site oficial da entidade: Nike, Itaú, Vivo, Guaraná Antarctica, Seara, Nestlé, Extra, Gillette, Volkswagen e Tam.
Um dos contratos que asseguraram a lucratividade da entidade foi fechado com o Kentaro Group, sediado em Londres mas ligado a um fundo árabe, que garantiu cerca de US$ 2 milhões (cerca de R$ 3,5 milhões) por amistoso. Por conta disso, a entidade recebeu críticas - já que foi forçada a enfrentar times de nível muito baixo e jogar muito mais fora do Brasil. Para 2012, por exemplo, a Seleção tem mais cinco amistosos agendados: Dinamarca (26 de maio, na Alemanha), Estados Unidos (30 de maio, nos Estados Unidos), México (3 de junho, nos EUA), Argentina (9 de junho, nos EUA) e Suécia (15 de agosto, Suécia). A entidade tem contrato com o Kentaro Group até 2014. Além dos confrontos do time canarinho, algumas atividades realizadas pela Seleção Brasileira também são organizadas pela empresa, entre elas a preparação para a Copa de 2006, em Weggis, na Suíça.
Polêmicas com ídolos da Seleção
Nos 23 anos de poder de Teixeira, sua relação com imprensa e ídolos da Seleção sempre foi problemática. Logo no primeiro mandato, teve crise com jogadores da Copa de 90 que tamparam o símbolo da Pepsi na foto oficial da equipe. Depois, reclamou da atuação do time de Sebastião Lazaroni na Itália - eliminação para a Argentina nas oitavas de final.
Os quatro maiores artilheiros da história da Seleção também já tiveram problemas com Teixeira: Pelé, Ronaldo, Romário e Zico. Com o Rei do Futebol, o dirigente trocou acusações pela imprensa no início dos anos 1980, já que o ex-camisa 10 reclamou que sua empresa teria feito proposta melhor pelos direitos de transmissão do Brasileirão e acabou perdendo para a Traffic. Pelé ainda processou a CBF por uso indevido de imagem em um álbum de figurinhas da Copa de 1970. Os dois chegaram a fazer as pazes, mas o "Atleta do Século" ficou fora do processo de escolha do Brasil para 2014, não ganhou cargo no COL e foi acolhido pelo governo federal como "embaixador do Mundial".
Atual parceiro de Teixeira no conselho de administração do COL, Ronaldo também trocou farpas com o dirigente. Em 2009, o Fenômeno revelou que não tinha bom relacionamento com o presidente da CBF e que os dois pouco se falaram depois da campanha ruim na Copa de 2006:
- É muito fácil, na hora que ganha, estar do seu lado, levantar o troféu e ser campeão junto com os jogadores. Na hora que perde, é fácil também apontar alguém para Cristo e crucificar essa pessoa. Também não me importa, absolutamente para nada, ter um relacionamento com uma pessoa que demonstra ter duplo caráter - disse Ronaldo ao jornal "Folha de S. Paulo".
No fim do ano passado, o ex-camisa 9 aceitou fazer parte do comitê da Copa e afirmou que o problema com Teixeira já estava superado. Na última quinta, o Fenômeno chegou a dizer que "seria uma pena" se o dirigente realmente deixasse o comando da entidade.
Coordenador técnico da Seleção na Copa de 1998, Zico sentiu-se traído pelo dirigente por causa da desistência da candidatura do Brasil para sediar o Mundial de 2006, já que o Galinho era um dos principais envolvidos na campanha. Porém, em 2011 o ídolo do Flamengo participou do sorteio das eliminatórias de 2014 e mostrou reaproximação com o cartola.
Como deputado federal, Romário tem sido um dos maiores críticos de Teixeira no comando do COL e da CBF. Além de mágoa por garantir que tinha a promessa do dirigente de que estaria na Copa de 2002, o Baixinho tentou convocar o desafeto para depor na Câmara dos Deputados recentemente e mostrou-se a favor da renúncia. Em dezembro do ano passado, o ex-camisa 11 visitou Ronaldo e Teixeira na sede do COL e elogiou o trabalho do Fenômeno.
Caso ISL
De acordo com a rede britânica BBC, diversos dirigentes da Fifa receberam US$ 100 milhões em comissões da empresa de marketing ISL (extinta em 2001 por falência) para ter contratos de direitos de transmissão e anúncios publicitários nos anos 1990. Teixeira e Havelange estariam na lista dos cartolas beneficiados. A BBC diz que Teixeira recebeu US$ 9,5 milhões através da empresa Sanud, localizada no paraíso fiscal de Liechtenstein e que tinha ele e a ex-mulher Lúcia Havelange como sócios. A reportagem da BBC diz que Ricardo Teixeira e os outros envolvidos chegaram a um acordo com a justiça suíça, pondo um fim à questão. Ex-aliado e atualmente desafeto de Teixeira, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, prometeu em outubro do ano passado que tornaria público os arquivos do "caso ISL" até dezembro. Em janeiro, o dirigente suíço disse que não poderia ainda revelar os arquivos por conta de uma medida judicial.
Fonte: GloboEsporte.com (texto), Folha.com (foto)