Ricardo Gomes volta ainda este ano. Na verdade, nos próximos meses. Ainda evita dar prazos, mas garante que, em breve (chega a falar em abril), estará novamente à beira do campo, com boné na cabeça, prancheta na mão e, de preferência, já com o Vasco campeão. O treinador, cargo que, de certa forma, jamais deixou de ocupar, recebeu a equipe de reportagem do LANCENET! para uma entrevista exclusiva, nesta segunda-feira, na clínica em que vem se recuperando de um AVC, sofrido no ano passado.
A luta ainda é para recuperar totalmente os movimentos do lado direito do corpo e a fala, que vez ou outra falha, mas que ele não deixa faltar. Faz, inclusive, questão de encontrar as palavras certas. E as encontra, para elogiar, por exemplo, o trabalho feito pelo amigo Cristovão e a boa fase de alguns de seus jogadores, além de garantir que ainda vai retribuir todas as manifestações de carinho da torcida.
Como tem sido a recuperação? É um trabalho diário na clínica, tem folga?
É diário. Todo dia. Vou dizer que não é fácil. São sessões duríssimas. Mas estou melhorando bastante. Não tenho como dar uma previsão certa ainda. Já dá para ir aos jogos, mas trabalhar, não. Preciso melhorar a fala, como dá para perceber. Desta forma, como estou, ainda não dá. Isso vai ser em abril, junho, talvez julho, no máximo... (neste momento, Ricardo abre um sorriso e olha para seu fisioterapeuta, que faz um sinal de positivo com a cabeça). Estou trabalhando para voltar bem.
Tem trabalhado até mais do que os jogadores do time, não é?
Tem essa brincadeira... Eles são atletas e eu já estou mais velho, procurando me recuperar. É diferente. Mas a brincadeira está sempre solta (risos). Aliás, esse é um dos grupos mais alegres, leves com que já trabalhei. É muito bom estar com eles.
Mas pensa em voltar como treinador mesmo? Já chegou a ser dito que você poderia ser diretor, algo do tipo...
Quero voltar para ser treinador, voltar para a beira do campo. E não falo isso sem que tenha apoio dos médicos. Da família também. Claro, no começo ficou aquela apreensão. Hoje, não. Você, no seu jornal, tem vida boa? É estressante, não é? Sair de casa já tem um estresse. Então, posso voltar a trabalhar.
Jogador costuma dizer que ficar fora da partida, só assistindo, é muito pior. Para treinador é a mesma coisa, sofre mais?
Sofre. Sofre muito. Tenho assistido a todos os jogos. Aliás, o Cristovão tem feito um trabalho muito bom. Muito bom mesmo. Por enquanto, estou aqui, na torcida por ele. Claro que, para quem assiste pela televisão, é diferente da visão do cara que está no campo. Com certeza minha ideia após o jogo é diferente da do Cristovão. Mas às vezes, no dia seguinte, nos falamos sobre alguma situação ou outra.
Ele pensa em seguir carreira solo ou está esperando por você?
O Cristovão pode ser um grande treinador. Já é, na verdade. Somos amigos, mas ele não me fala sobre isso não, como bom baiano que é. Sei que ele está me esperando... E pensando (risos).
Você participa das contratações atualmente?
Estou sempre em contato com o Cristovão e com o Daniel (Freitas). Estou ciente de todas as negociações. Quanto ao Rodolfo e Thiago Feltri, ainda não, pois não estava bem ainda. Mas estou ciente de tudo o que está acontecendo.
Você já firmou um contrato com o Vasco, mas ainda não o assinou. Foi uma opção sua?
Sim. Fizemos o contrato e, quando voltar, é só assinar. Sem problemas. O Vasco tem sido muito correto comigo. Quero voltar para ser treinador do Vasco. Respeito muito o clube e tenho recebido muito carinho de todos.
Hoje em dia, o time já tem algum toque do Cristovão? Mudou muito de seu tempo?
Claro. Muita coisa. O time mudou de lá para cá. O meio de campo, por exemplo, tem outra armação. Ele tem a sua linha, uma abordagem que é diferente da do Ricardo.
Por falar em meio de campo... Uma pergunta que Cristovão já não aguenta mais responder (risos). Juninho Pernambucano e Felipe podem jogar juntos?
Eu já não aguentava responder a isso. Imagina o Cristovão agora (risos). Depende do jogo. São dois craques, só que têm a idade avançada. Tem que administrar bem e é o Cristovão que tem que definir. Ter essas duas peças no time é uma vantagem grande em relação à Libertadores. São experientes.
O que você mais gostou de ver no time recentemente. Algo o surpreendeu?
Gostei muito de ver o garoto Dieyson na lateral esquerda. Foi muito bem. O Wiliam Barbio também. O Cristovão havia me dito que ele fez uma pré-temporada muito boa. Quando o vi no time, entendi o porque. E tem dado conta do recado. Gostei do Tenório também. Uma pena que se lesionou. Eu já queria contratá-lo quando trabalhava no Mônaco. Agora deu certo. Pena que ficará fora da Libertadores. Eu forcei a barra para ele vir.
Quem continua bem é o Dedé. Acha que ele já superou o Ricardo Gomes jogador?
Em 2010, ele teve boas e más atuações. Mas em 2011, foi muito acima da média. Já é melhor do que o Ricardo Gomes jogador. Está muito bem. Como pessoa também, é um profissional de mão cheia. Não tem tempo ruim com ele. Se falava que não ia jogar por algum motivo... Não. Ele quer estar em todos os jogos. Contra o Fluminense, na final, foi até para o ataque, mas queria ajudar. Tem muita gana. Se for para dar um palpite, a dupla de zaga para a Copa do Mundo será Thiago Silva e Dedé.
E como tem visto o Vasco na Libertadores? Estreou mal, perdendo em casa.
RG: Posso dizer que esse grupo tem muita força. O Campeonato Brasileiro é mais forte em relação aos outros campeonatos da América do Sul. A tendência é a de que, mais uma vez, o vencedor saia do Brasil. Os últimos foram Santos, Internacional. Nós perdemos a primeira partida. Dizer que tem cara de campeão, não dá para dizer agora, mas tem qualidades para brigar. E sou o primeiro a acreditar que dá. Estou confiante. Esse grupo já deu respostas boas no ano passado, mostra que terá a mesma performance nesta temporada.
E como espera voltar com o time em qual situação?
Bom, aí vou chutar o balde. Espero que o time já seja campeão do Campeonato Carioca, campeão da Copa Libertadores e na primeira colocação do Campeonato Brasileiro. Espero voltar com o Vasco campeão (risos). O Cristovão tem feito um ótimo trabalho, muito bom mesmo. O grupo é forte, um grupo muito bom. Dá prazer trabalhar no Vasco.
Desde que você sofreu o AVC, torcedores, jogadores, seja de Vasco ou de algum rival, deram várias manifestações de carinho...
Espero que eu possa viver bastante para agradecer todas as pessoas que torceram, rezaram... Tanta gente que torceu, rezou para mim. Espero viver muito para agradecer a cada pessoa. Recebi um grande número de correspondências. Quero responder a todos. Ainda não escrevi porque estou com dificuldade para escrever. Enfim, só tenho a agradecer. Fiquei muito feliz com cada manifestação de carinho dos torcedores e dos jogadores. Quero retribuir esse apoio.
Ricardo Gomes: um paciente dedicado
Neste período de recuperação, Ricardo Gomes tem se mostrado um paciente muito dedicado, é o que garante José Vicente Martins, fisioterapeuta e professor de fisioterapia neurológica na UFRJ, responsável pelo trabalho realizado com o treinador.
– Sou formado há 20 anos e poucas vezes vi um paciente como o Ricardo. Muito empenhado, dedicado, disciplinado. Não falta, chega no horário. Às vezes, chega até antes. Em nenhum momento pede para parar. Poucas vezes vi um paciente com essa determinação.
Ricardo faz 1h30 de fisioterapia diariamente. Os exercícios variam, mas visam fortalecer os membros superiores e os músculos responsáveis pela locomoção. Há também a fonoaudiologia para trazer a falar ao ritmo normal. O avanço é gradual, mas constante.
– Hoje ele dirige sozinho, anda na rua sozinho, é independente em todas as atividades. Claro que anda melhor com uma bengalinha simples. Mas é capaz de subir e andar sem bengala – diz José.
José Martins e Ricardo têm um laço de união: a paixão pelo Vasco. O fisioterapeuta é vascaíno doente e, de vez em quando, até fala de futebol com o seu paciente.
– Sou vascaíno e acabamos conversando sobre futebol. Mas tenho um filosofia: o Ricardo é meu paciente. As questões de futebol são secundárias. Ele tem uma paixão muito grande pelo Vasco. Diz que, hoje, ele é vascaíno e isso nos deixa muito feliz. Eu já ia a estádio, agora vou com mais frequência. Quem xingar o Ricardo eu vou ter de brigar – brinca.