A escrita – Primeira parte
Domingo é dia decisão. Vasco e Fluminense brigam pela conquista da Taça Guanabara, primeiro turno do Campeonato Carioca de 2012.
O tricolor, para muitos vascaínos das antigas, era o adversário mais odiado. Aquele a ser batido, sobrepujado, dobrado.
Uma estatística que inicia com o Gigante da Colina na frente desde sua entrada na primeira divisão até o finzinho da década de 30.
A partir da virada dos anos 40, o Flu ponteou no confronto direto, mas tão logo o Expresso da Vitória acelerou, na segunda metade da década, os cruz-maltinos tomaram de vez a dianteira.
Os terríveis anos 60 se encerraram com o clube pó-de-arroz novamente soberano e dali em diante foram mais 21 temporadas sem que o Vasco encerrasse qualquer uma delas, a frente do já considerado tradicional algoz.
E quanto às decisões?
Vamos dividi-las em dois capítulos, começando pelos anos 40 do século passado.
Na primeira delas, disputada em 1946, deu Vasco. Um chute improvável de Chico, com o pé direito, aos 21 minutos da segunda etapa, surpreendeu o arqueiro tricolor Robertinho e deu o Tri Campeonato Municipal aos cruz-maltinos. São Januário, abarrotado naquela noite de quarta-feira, dia 26 de junho, data em que seria batido o recorde de renda para jogos noturnos na cidade, foi o palco da primeira decisão direta entre os dois clubes.
Depois disso, entretanto, que sina!
Em 1948, um gol de bicicleta marcado por Orlando Pingo D`Ouro deu o título ao Flu em outra melhor de três decisiva, tal qual a de dois anos antes, válida pelo mesmo Torneio Municipal. O Vasco brigava pelo penta e o rival quebrou a sequência, tendo a vitória ainda um gostinho especial, pois representava derrotar o Campeão dos Campeões Sul-Americanos, três meses e meio após aquela inesquecível conquista vascaína.
Foram necessários vinte e cinco anos para as equipes se defrontarem na luta direta por uma taça e isto se deu em duas oportunidades no ano de 1973.
Na primeira delas, num Torneio Internacional de Verão, realizado em fevereiro daquele ano, o jogo final – após a eliminação matemática dos platinos Atlanta e Argentinos Juniors – tinha como palco o estádio de São Januário.
O Flu, com dez desde os 20 minutos da segunda etapa (Cafuringa fora expulso) parecia dominado pelo Vasco, mas aos 43 minutos, numa bobeada do sistema defensivo vascaíno, Lula marcou o gol do título, após cruzamento de Toninho e uma deixadinha de Silveira para o complemento do ponteiro-esquerdo tricolor.
Decorridos quase seis meses, agora num Maracanã com público superior a 100 mil pagantes, o Vasco – que eliminara o Flamengo na última rodada com uma vitória por 2 x 1, no domingo anterior – enfrentaria o time das Laranjeiras em partida extra – após o adversário ter também despachado um dia antes do clássico dos milhões, o alvi-negro carioca por 2 x 0. A partida, válida pelo título do segundo turno, foi muito movimentada nos noventa minutos, tendo o Vasco reclamado bastante de dois pênaltis não marcados pelo árbitro Aírton Vieira de Morais, o popular “Sansão”, cometidos sobre Alcir, aos 20 e Luís Fumanchu aos 30 minutos da segunda etapa. Na prorrogação, ainda no período inicial, Luís Carlos “Tatu” cara a cara com o goleiro Félix chutou para fora, desperdiçando o que seria o gol do título aos 12 minutos. Três minutos depois, Dionísio, o “Bode atômico” marcava de cabeça o tento único daquela decisão, novamente após centro de Toninho da direita, como ocorrera meses antes em São Januário.
Três anos depois as duas equipes voltariam a se enfrentar em nova partida extra, mas desta vez valendo o Campeonato Carioca de 1976. O Flu foi melhor no tempo normal, mas o Vasco conseguiu segurar o empate. Na prorrogação, já aos 11 minutos da segunda etapa, Roberto Dinamite, tal qual Luís Carlos em 1973, teve o gol a sua feição, cara a cara com o arqueiro Renato, mas desperdiçou a chance, batendo de bico e encontrando o ombro do goleiro tricolor a desviar a pelota para escanteio. O castigo veio a galope. Dois minutos depois, em falta cobrada por Paulo Cézar Caju da esquerda e cabeceada por Gil para o meio da área, Doval, também de cabeça, mandou para o gol. Zé Mário em cima da linha estava pronto para rebater, mas um leve toque do goleiro Mazzaropi, desviou a trajetória e a gorduchinha foi morrer no fundo da rede, decretando o título, no caso o Bi Carioca, para a chamada “máquina tricolor”.
Quatro anos se passaram e o Flamengo era, a essa altura, a coqueluche da cidade. Vinha de conquistas sucessivas em nível estadual e até mesmo nacional, algo inédito obtido justamente em 1980. Favoritíssimo para conquistar o que chamava de tetra carioca, no primeiro turno o rubro-negro não passou por Vasco e Fluminense e ainda perdeu para o Bangu, ficando de fora da decisão. Eram os meninos do Flu contra os tarimbados vascaínos naquela decisão. Dois nomes de destaque do último título tricolor no Rio, quatro anos antes, vestiam agora a camisa do Vasco: Pintinho e Paulo Cézar Caju. A partida extra se iniciou à feição dos vascaínos. Com menos de dez minutos o time dirigido por Zagallo já abria o marcador, após escanteio cobrado com muito veneno por Paulo Cézar e desviado próximo da linha fatal pelo artilheiro Roberto Dinamite. Vasco 1 x 0. Durante toda a primeira etapa a vantagem cruz-maltina era gritante, mas a tarimba mandava tocar a bola e envolver o adversário, ao invés de partir para a ampliação do escore. Após o intervalo, a equipe comandada pelo técnico Nelsinho voltou diferente. Marcou logo aos dois minutos o tento de empate com Claudio Adão e passou a tomar conta da partida. A substituição de Paulo Cézar, por volta dos 30 minutos da etapa final seria também sua despedida do Vasco e antes do término daquele período regulamentar o tricolor perderia ainda um gol incrível com Mazzaropi já fora do lance, nos pés de Claudio Adão. Desta vez a prorrogação terminou sem a abertura da contagem, o que, de certa forma, já era um alívio para os vascaínos. Foi-se então para a decisão nos pênaltis. Os batedores do Vasco foram um desastre. Inicialmente Dudu teve duas oportunidades, desperdiçando ambas, depois do árbitro José Roberto Wright, mandar repetir a primeira cobrança. Com João Luís ocorreu o mesmo, mas na segunda tentativa o lateral marcou. Em seguida, Orlando Lelé. Tomou distância, encheu o pé e encontrou o peito de Paulo Goulart. O tricolor, que fora sorteado para iniciar a sequência de penais, fez os quatro e sua torcida agradeceu ao Papa, num cântico por muitos anos entoado, a partir daquela vitória, desde as arquibancadas até as cadeiras especiais.
Mas o Vasco se recuperaria. Mesmo derrotado pelo Fla no segundo turno e permitindo por três vezes o empate diante do Flu no 3 x 3, válido pela penúltima rodada do returno, conseguiu o título graças a dois momentos emblemáticos na história dos estaduais. Primeiramente um gol insólito do folclórico centroavante Anapolina, do Serrano, na antepenúltima rodada, em partida entre o time da serra – que venceria pela contagem mínima – e o Flamengo, disputada no estádio Atílio Mariotti, em Petrópilis, oportunidade em que brilharia a estrela de um jovem goleiro chamado Acácio. Em segundo lugar pelo tento conseguido no último minuto, marcado por Guina, na vitória de 2 x 1 sobre o Americano em São Januário, válida pela última rodada do certame, quando os rubro-negros de ouvido coladinho no radinho, em plena Gávea, já comemoravam a possibilidade de realizar uma partida extra contra o próprio Vasco para decidir o returno.
Campeões dos dois turnos, Vasco e Fluminense se reencontrariam na decisão. Independentemente da supremacia tricolor durante praticamente toda a peleja, o lance que decidiria o jogo mostrou uma tendência do imponderável (ou sobrenatural de Almeida) em favor do time colorido. Chovia. O campo molhado era um perigo constante para os goleiros. Uma falta fora marcada exatamente na metade da segunda etapa, a favor do Flu, próximo ao bico da grande área, pelo lado esquerdo. O zagueiro Edinho, principal destaque tricolor, bateu rasante. A pelota quicou. Perigo para Mazzaropi! Tocou em seu peito. Falhou Mazaroppi! Bateu no travessão. Sorte de Mazzaropi! Mas entrou. Azar de Mazaroppi! Mais uma vez a taça ficaria nas Laranjeiras.
Mais quatro anos de lapso e a disputa da vez entre os mesmos rivais ocorreria em âmbito nacional. Quem prevalecesse no confronto em dois jogos seria Campeão Brasileiro de 1984. Na quinta-feira o Flu vencera com merecimento por 1 x 0, gol de Romerito, contando com uma péssima partida de Arturzinho, um Vasco apático, Mauricinho – ponta arisco cruz-maltino – caçado e Roberto praticamente apagado, fora um lance de bola parada no qual obrigou Paulo Victor a grande defesa, pondo a bola a escanteio.
No domingo, o Gigante da Colina precisava vencer por dois gols para conquistar a taça, ou devolver a derrota por diferença de um tento, a fim de levar a decisão para um terceiro confronto. Jussiê substituía Mauricinho, vítima das travas da chuteira de Jandir no embate anterior e Arturzinho parecia finalmente querer jogo. O Vasco foi melhor, teve mais chances e uma, em especial, de ouro, aos 11 minutos da etapa final. O lateral-esquerdo Aírton, oriundo do América, cruzou da esquerda, por baixo. A bola passou por todo mundo, inclusive pelo arqueiro tricolor já batido no lance. Roberto de frente para a meta conseguiu chutar para fora. A partir da segunda metade do período final o Fluminense passou a contra-atacar com perigo e quase marcou com Washington, tendo Aírton salvo em cima da linha a cabeçada do centroavante tricolor. Próximo ao fim, Arturzinho recebeu do reserva Marcelo, que substituíra o ponta Jussiê no segundo tempo, invadiu a área pela direita e bateu, meio sem ângulo, próximo à linha da pequena área, encontrando as pernas de Paulo Victor. Já nos descontos o Vasco consegue um córner, mas este não chega a ser cobrado. Não há mais tempo. Romulado Arpi Filho trila o apito e encerra o Brasileirão de 1984. Pela sétima vez consecutiva os cruz-maltinos perdem uma decisão de taça para o adversário. Parecia que o Vasco estava destinado a sucumbir neste duelo, de fim previsível e ainda com alguns requintes cruéis impostos a sua torcida.
Continua…
Sérgio Frias
Fonte: Casaca
A escrita – Parte Final
A sequência de vitórias dos tricolores na disputa de taças, mais a supremacia nos confrontos diretos para muitos já parecia algo irreversível.
Independentemente da força adversária, qualquer confronto diante do rival tinha o tom da dramaticidade. Foi assim, mais uma vez, em março de 1988. Já eram três anos sem vitória alguma frente ao rival. Há oito jogos os cruz-maltinos não sabiam o que era vencer aquele clássico quase maldito para muitos. No dia 13 de março, novo confronto, válido pela Taça Guanabara. O Vasco venceu, finalmente, com um gol de pênalti convertido por Geovani, mas, para a obtenção do triunfo, Acácio teve de defender uma penalidade cobrada por Leomir, o time precisou superar a ausência de Mauricinho – que saíra de campo com a perna quebrada, por conta da violência do tricolor Jandir – três bolas chocaram-se à trave tricolor e o zagueiro vascaíno Fernando quase marcou um bizarro gol contra numa estourada de bola na intermediária vascaína. No fim, 1 x 0.
No returno, entretanto, o mais temido pelos torcedores cruz-maltinos ocorreria na última rodada. Empatados na liderança, Vasco e Fluminense decidiriam a Taça Rio. A vitória, tantas vezes já descrita por vascaínos neste espaço (e de forma belíssima) foi o emblema da mudança que se avizinhava. Em apenas dois minutos (entre 36 e 38 do 2º tempo), Vivinho e Bismarck – posto pelo treinador Sebastião Lazaroni no lugar de William na segunda etapa para atuar cerca de 20 minutos e fazer brilhar a sua estrela – viraram para o Vasco e quebraram a mística, estatística, passando a vigorar a partir dali o supernatural Eurico Miranda e não mais o sobrenatural de Almeida.
Quatro anos após, na disputa da Copa Rio, competição realizada antes do Campeonato Carioca naquela oportunidade, pela terceira vez na história as equipes rivais estariam frente a frente para decidirem um título no estádio de São Januário. No jogo de ida o Vasco vencera por 2 x 0, em Juiz de Fora (gols de Eduardo e Jorge Luís), mas naquela partida de volta o Flu, que precisava da vitória para levar o jogo a uma prorrogação, surpreenderia, saindo para o intervalo com 1 x 0 no placar. No segundo tempo, finalmente, o Vasco parecia voltar a se encontrar. Luisinho, num gol esquisito, após chute mascado empatou aos doze e Bismarck (olha ele aí) virou o placar a nove minutos do fim. Esta seria a primeira e única conquista de Roberto Dinamite em decisão direta contra o Flu. O artilheiro perdera cinco seguidas, entre os anos de 1973 e 1984. Reincorporado ao elenco cruzmaltino, por ação imperiosa de Eurico Miranda no início daquela temporada e contra a maioria dos “entendidos” de Vasco, objetivando o dirigente que Roberto tivesse um final digno de carreira, após ter perambulado pelo Campo Grande no ano anterior. Ele, Roberto erguia como capitão do time seu primeiro troféu exatamente no último embate decisivo contra o adversário.
O Vasco já derrotara o tricolor por três vezes naquele ano e tinha, finalmente, a possibilidade de encerrar 1992 novamente à frente na estatística do clássico. Curiosamente, o último confronto da temporada, válido pelo segundo turno do Campeonato Carioca (o Vasco já era campeão e buscava apenas a confirmação do título invicto) a ser realizado em São Januário, marcaria a possibilidade de uma das duas equipes chegar a centésima vitória sobre o oponente. Isso mesmo. A estatística marcava noventa e nove vitórias para cada lado. E deu Vasco. Gol de quem? Do carrasco Bismarck. Agora a mudança da história já se tornava perceptível nos próprios números, invertidos finalmente a favor dos cruz-maltinos.
Pouco mais de sete meses se passaram e ainda no primeiro semestre de 1993 uma nova disputa se avizinhava. O Flu, Campeão da Taça Guanabara, enfrentaria o Vasco, após este conquistar a Taça Rio, numa melhor de até três jogos.
No primeiro embate deu Vasco: 2 x 0, com gols do artilheiro daquele certame, Valdir, garantido naquela partida, mesmo após ter sido expulso na última rodada do returno, quatro dias antes, diante, coincidentemente do próprio Fluminense. Obra do supernatural Eurico Miranda.
Por ter melhor campanha, o Gigante da Colina partiria para o segundo confronto necessitando apenas de um empate para se consagrar Bi-Campeão. O Fluminense vinha com seu goleiro reserva Nei, após Ricardo Pinto ter sido crucificado por todos diante das falhas cometidas no jogo anterior. No domingo, dia 13 de junho, estava tudo certo para a confirmação do título, mas alguém vislumbra no dia da despedida do árbitro José Roberto Wright na função de árbitro, o Vasco deixando o campo consagrado? Pois é. O Fluminense saiu na frente logo aos 5 minutos, através de Vágner, o “Tanque” (segundo o narrador Januário de Olivera) e aumentou nos descontos da primeira etapa com o “Super Ézio”, mas naquele período os vascaínos tiveram muito do que reclamar. Um pênalti não marcado em cima de Valdir, poucos minutos após a abertura da contagem, além de um gol mal anulado de Bismarck, mais tarde. O Vasco ainda descontou no segundo tempo com Pimentel (em gol, por sinal, irregular, pois Valdir cometera falta no arqueiro Nei, impedindo-o de interceder no lance), mas a desastrosa atuação de Wright, unida a desconcentração vascaína no início da partida determinaram o adiamento da decisão.
Na quarta-feira seguinte, aí sim. Não havia jeito. O campeão seria finalmente conhecido. O Vasco jogaria por novo empate. Lira, uma das principais armas ofensivas pela esquerda do ataque tricolor estava teoricamente fora, assim como o zagueiro vascaíno Jorge Luís, ambos expulsos no duelo anterior. Havia, porém, uma tendência – a partir do que fora conseguido em relação à presença de Valdir na primeira partida decisiva – de que Fluminense e Vasco obtivessem junto ao tribunal da FERJ um efeito suspensivo e, com isso, seus atletas viessem a estar aptos para atuar na finalíssima do campeonato.
Para os cruz-maltinos, todavia, a ausência de Jorge Luís não seria tão sentida quanto o desfalque do lateral Lira, em relação ao Fluminense, uma das peças mais importantes do time no setor esquerdo do campo, onde fazia dupla com o versátil Sérgio Manoel. Por uma incrível coincidência os dois atletas não foram liberados para a partida. Valeu a alegação do exíguo tempo entre o confronto anterior e aquele último…
Para o lugar de Lira o time das Laranjeiras, armado pelo ex-atleta Edinho (herói do título carioca de 1980), teria Marcelo Barreto como substituto. Ele próprio viria a cometer um pênalti infantil, próximo ao término da etapa inicial. Bismarck, o algoz tricolor de outrora, bateu mal, perdendo com isso seu terceiro pênalti no ano. O show do intervalo no Maracanã apresentava uma promoção junto a torcedores previamente sorteados. Quem conseguisse, da linha de meio campo acertar o gol num único chute ganharia um prêmio. Vários incautos tentavam sem sucesso, até que um deles bateu com estilo e acertou o alvo. Saiu aos pulos vibrando e, de repente, tirou a blusa (ou casaco), mostrando por debaixo uma camisa tricolor. Delírio total do lado esquerdo das arquibancadas, desde a tribuna de honra. Seria o sobrenatural de Almeida entrando em campo? Nunca saberemos. Se algo aparentemente incomum aconteceu no intervalo, durante todo o segundo tempo prevaleceu a tática traçada por Joel Santana, técnico vascaíno e adotada pelo time diante do adversário. Este praticamente nada criou. Aos 46 minutos, enfim, o árbitro Daniel Pomeroy trilou o apito e foi confirmado o bi do Vasco, tal qual ocorrera com o Flu em 1976, diante do time da colina na ocasião.
Menos de um ano se passou e nova disputa direta valendo título teria como protagonistas os dois clubes. A briga seria pelo título da Taça Guanabara, justamente em sua trigésima edição. Para comemorar as bodas de pérola daquela charmosa taça, a imprensa passou a soltar as suas, tornando desimportante a conquista pelo fato de uma vitória ali não influenciar em nada no Campeonato Carioca, que seria decidido, a partir da semana seguinte, num quadrangular com turno e returno entre os quatro grandes do Rio. A classificação para a disputa do jogo decisivo se dava exatamente em função das campanhas obtidas pelas equipes na primeira fase do Campeonato Carioca, classificatória para o já citado quadrangular e os melhores de cada grupo foram selecionados para a disputa. A má vontade da mídia fez esvaziar o Maracanã e o Fluminense que não tinha qualquer compromisso até a primeira rodada da fase final da competição (uma vez que já havia sido eliminado da Copa do Brasil na primeira fase pelo bravo Linhares) resolveu poupar ainda assim quatro titulares: Branco, Jandir, ele mesmo, Luís Antonio e Luís Henrique. O castigo veio a cavalo e de quatro o Flu ficou no Maracanã, após belíssima atuação de Denner, seu último grande jogo pelo Vasco antes do acidente fatal sofrido pelo craque, tendo marcado para o Gigante da Colina naquela tarde e noite Pimentel, Yan e Valdir duas vezes, descontando Ézio, o solitário super herói tricolor, também já falecido.
Depois de muita polêmica, reclamações, morte do principal craque do time, prejuízos de arbitragem em confrontos contra o mais queridinho da mídia, o Vasco se valeu do Flu e do supernatural Eurico Miranda para chegar à decisão. O dirigente inverteu a tabela inicialmente imaginada para as últimas duas rodadas (pelo regulamento tais rodadas ficariam mesmo em aberto para serem dirigidas), com o aval da Federação e um argumento infalível: o bem do futebol do Rio. Ponderou que caso Vasco e Fluminense viessem a se enfrentar na penúltima rodada e o Flu não vencesse, este não teria mais interesse no campeonato, tornando o Fla x Flu jogo de uma torcida só, praticamente. A vitória do Vasco puniria o próprio Vasco, pois eliminava o tricolor da competição e abriria o caminho para o título rubro-negro.
Por outro lado, um empate ou vitória do Flamengo sobre o Fluminense na penúltima rodada também tornariam o jogo decisivo do campeonato, no caso Flamengo x Botafogo, de interesse apenas para o rubro-negro. Mas a possibilidade aberta de ainda se ter uma grande decisão com duas equipes na disputa só era possível mesmo, contando com a vitória do Vasco sobre o Botafogo na sexta-feira e do Flu sobre o Fla no domingo, combinação esta que, de fato, viria a ocorrer levando a decisão do campeonato para o domingo seguinte entre Vasco e Fluminense, jogando dois dias antes Fla e Bota.
Apesar da pressão de vários torcedores organizados do Flamengo na porta da FERJ, no intuito de intimidar Eurico, este fez prevalecer o desejo do Vasco, após muito discutir, argumentar e deblaterar, em cenas que não condizem com aquilo que dita os preceitos globais de etiqueta (que fique bem claro isso). Diante de tal resolução e dos resultados daquele fim de semana, o enredo injusto aos olhos da mídia imparcial punha o Flamengo no dia da decisão na torcida por um empate no clássico entre Vasco x Fluminense para conquistar o título e com a certeza de que uma vitória vascaína ou tricolor o poria na confortável (para si) posição de vice.
Apenas a vitória daria o sonhado e inédito tri campeonato ao Vasco. E com seis minutos de jogo o time comandado por Jair Pereira já desperdiçara pênalti e abrira o marcador através de Jardel, contestadíssimo por sinal pela torcida vascaína à época. Durante a primeira etapa o time das Laranjeiras – comandado pelo técnico Delei, Campeão Brasileiro em 1984, como atleta, diante do próprio Vasco – não viu a cor da bola. William fazia uma partida soberba e Valdir parecia um azougue a enlouquecer a todos da defesa adversária. Branco e Jandir, únicos em campo remanescentes da já citada decisão nacional de dez anos antes, eram figuras apagadas em campo e assim o foram até o intervalo. Na volta para a segunda etapa o massacre aumentou. A equipe tricolor tentou sair em busca do empate deixando verdadeiros buracos no setor defensivo. Disso se aproveitava William para flutuar em campo e trabalhar as mais variadas jogadas de ataque do Vasco. Numa delas Jardel tentou lançar de rosca (que estilo!) para o meio da área e a bola bateu em Luís Eduardo, ou no sobrenatural de Almeida, ou no Ceguinho, ou no Gravatinha e foi morrer no fundo das redes de Ricardo Cruz. Depois disso, em uníssono, a torcida vascaína cantou durante o restante do jogo e por toda a noite, até o dia raiar, aquele inesquecível refrão: “Tr, Tri, o Vasco é Tri! Tererê”.
A queda do Fluminense, em todos os sentidos, impediu uma nova disputa direta de título por nove anos. Finalmente, em 2003, as duas equipes chegariam à decisão do Campeonato Carioca, após terem eliminado Americano (obra do Vasco) e Flamengo (tarefa tricolor). Com isso disputariam o título estadual em duas partidas, podendo o Vasco jogar por dois resultados iguais (vitória e derrota pelo mesmo saldo de gols ou dois empates).
Havia no ar um clima de favoritismo do Fluminense, pois até ali a equipe de São Januário comandada por Antônio Lopes não conseguira ainda vencer um clássico na competição (empatara todos), enquanto o tricolor já passara por Flamengo e Botafogo por 4 x 0 e 5 x 0, respectivamente.
Dentro de campo, logo no primeiro jogo, viu-se claramente que a presença de Marcelinho Carioca, craque vascaíno, no gramado, desequilibrava tudo. Contando com seus chutes venenosos, uma belíssima partida do lateral Russo e o oportunismo do centroavante Souza, os cruz-maltinos chegaram à vitória pelo placar de 2 x 1. Nem mesmo a má atuação do árbitro Edilson Soares da Silva, apelidado de “Michael Jackson”, que deixou de dar um pênalti claríssimo para o Vasco no início do jogo e assinalou falta inexistente sobre o ex-vascaíno Zada no lance originário do gol de honra tricolor, marcado por Alex Oliveira na cobrança, impediram o triunfo vascaíno.
Para a finalíssima no domingo, dia 23 de março, a vantagem vascaína de poder perder por até um gol de diferença não inibiu o time de partir inicialmente para o ataque. Com menos de dois minutos, após um tiro traiçoeiro de Marcelinho Carioca, o arqueiro Kléber deu rebote e Léo Lima conferiu. O Flu teve um gol anulado (bem anulado), após Casalber, ele mesmo, cometer falta no seu marcador, Henrique – assinalada imediatamente pelo bandeirinha Elson Passos e confirmada pelo árbitro Samir Yarak – antes de cruzar para Ademilson marcar. Nem no dia seguinte a mídia global admitiu ter havido a falta, embora se veja claramente Elson Passos fazer o gesto de puxão na camisa do meio campo tricolor no seu oponente para desvencilhar-se daquele. O detalhe: a Rede Globo, sem uma câmera que mostrasse o lance de frente, com a mesma visão do bandeirinha deu o veredicto ignorando tal carência de imagem comprobatória.
Logo depois, o próprio Ademilson, impedido, empatou o jogo. Alguns minutos se passaram e o lateral Jadilson, sem bola, pisou Marcelinho Carioca, obrigando o árbitro a solicitar a entrada dos médicos e do carreto para retirar o atleta de campo. Marcão, do Fluminense quis contemporizar as coisas com Marcelinho que fez um gesto típico demonstrando não querer papo. O juiz, inexplicavelmente expulsou os dois e manteve Jadilson em campo. Quando a bola voltou a rolar, o lateral Russo sofreu falta por trás próximo à entrada da área, claríssima, não marcado pelo árbitro. Na sequência do lance, Alex Oliveira foi empurrado, também por trás e caiu como se tivesse se contorcendo de dor. Antônio Lopes, técnico vascaíno, próximo à linha lateral, jogou a bola (que saíra) em cima de Alex Oliveira. Dali para frente estabeleceu-se no gramado a confusão. Empurra-empurra, juras, ameaças e o fim da primeira etapa com muita tensão dentro de campo e próximo ao gramado nos dois bancos de reservas.
O intervalo pareceu ter serenado os ânimos dos atletas, mas a ideia de se pôr um cordão de isolamento próximo ao banco do Vasco não agradou Eurico Miranda. Este comunicou não aceitar tal tipo de constrangimento para os profissionais do Vasco, próximos ao campo, e o tal cordão foi desfeito. A partida, em seu reinício, corria equilibrada, com o Fluminense tomando mais uma iniciativa ofensiva por necessitar da vitória por dois gols de diferença. Aos 15 minutos, mágica no Maracanã. Léo Lima tentou um cruzamento próximo ao bico esquerdo da área. A zaga tricolor rebateu. No rebote, quase sem espaço, inventou uma letra, cruzando neste estilo para a área e achando o jovem Cadu (que substituíra Marques dez minutos antes) no segundo pau. Este cabeceou quase da linha de fundo, encontrando Souza, que ajeitou o corpo para trás e bateu colocado fazendo o gol do título. Daí para frente foi só festa, desde as arquibancadas até o campo, dando tempo para Léo Lima, o nome do jogo, ainda provocar o técnico tricolor Renato Gaúcho, ameaçando driblá-lo caso adentrasse ao gramado. A letra de Léo não sensibilizou, mui particularmente, as Organizações Globo. A palavra final antes da matéria global no programa quase diário da hora do almoço foi “estupidez”. E a final de “O Globo”, em sua manchete, “vergonha”. Opção de gestão, provavelmente. Eram os tempos, hoje já confessos, conspirativos contra o Vasco.
Chegamos, enfim, a 2004, ano da última disputa direta entre os dois rivais valendo título, no caso o da Taça Rio. Desta feita quem olhasse para o gramado não teria dúvida do vencedor. Enquanto o tricolor das Laranjeiras surgia com Odvan, Roger, Romário e Edmundo, o Vasco tinha em Valdir e Beto, este último questionadíssimo pela torcida vascaína por ter se declarado Flamengo e dito que jamais atuaria no Vasco (algo assim). A equipe de São Januário já surpreendera, derrotando o adversário por 4 x 0 na fase de classificação da própria Taça Rio, fez uma partida taticamente impecável e teve em Beto o grande destaque e líder daquele jovem time, no dia específico. Ele, num belo gol, ampliou a vantagem vascaína na segunda etapa (Valdir inaugurara o marcador no primeiro tempo), enquanto Romário, de pênalti, quase no fim, diminuiu o escore. Era a sétima conquista consecutiva de taça em confrontos diretos diante do rival. A última virada vascaína que faltava. Temos hoje um placar de 8 x 7 em favor do Vasco neste quesito, em virtude de uma virada iniciada no ano de 1988 e sacramentada dezesseis anos depois.
De 1992 para cá, a vantagem construída superou o número de 20 vitórias a mais a favor do Vasco e o sentimento de que clássico contra o Flu é hoje bicho quase garantido.
No momento de maior humilhação tricolor, no ano de 1999, com o time das Laranjeiras na terceira divisão e logo após ter tentado nos roubar a vaga no tapetão para as finais do Torneio Rio-SP (vencido pelo Vasco), houve a promessa de gratificação para os atletas vascaínos, apenas no caso de vitória por 3 x 0, o que ocorreu, diante de um Maracanã lotado na tarde e noite do dia 21 de março.
Neste período três brilharecos tricolores. Uma classificação na prorrogação para as semifinais do Campeonato Brasileiro de 1988; o empate em São Januário, eliminando o Vasco da Copa do Brasil em 2000 pelo critério de gols fora de casa (a partida do Maracanã terminara 1 x 1) e uma vitória em disputa de pênaltis no estadual de 2005 que pôs o tricolor na final da Taça Rio, após o árbitro Marcelo Venito Pacheco resolver mandar repetir a quinta e última cobrança do tricolor Gabriel, pelo fato do goleiro Fabiano Borges ter se adiantado ao praticar a defesa, tanto quanto, por exemplo, avançou Jeferson na noite de quinta-feira passada, ao defender a cobrança do tricolor Jean (não repetida), no confronto de penais vencido pelo Flu diante do Botafogo.
São 20 anos vencendo muito mais que perdendo (até vestido de Náutico o Vasco sobrepujou o adversário em 2010), fazendo do Flu um notório freguês de caderno.
Por fim, neste domingo o Vasco pode ainda derrubar o último bastião tricolor. Com novo triunfo o clube se igualará ao rival no número de vitórias obtidas, especificamente em campeonatos cariocas. Empataríamos em 74 no caso.
Que a nova história contada pelo Vasco a partir de 1988 tenha mais um belo capítulo favorável amanhã.
Sérgio Frias
Fonte: Casaca